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Considerações sobre Afastamento de Prefeitos à Luz do Ordenamento Brasileiro

Nilton João de Macedo Machado e Vilian Bollmann

Introdução.

Recentes fatos noticiados pela mídia têm revelado casos em os quais a cassação de ordens judiciais determinadoras de afastamentos preventivos de Prefeitos levam a descrédito público tanto o Poder Executivo municipal quanto o Poder Judiciário, este por ordenar ora a saída e ora recondução, e aquele pela descontinuidade na chefia de governo do ente municipal.

O presente trabalho visa estudar a questão destes afastamentos, especialmente em relação aqueles em caráter preventivo no curso de ações civis públicas.

Desenvolvimento.

1. Da evolução das relações sociais registradas na história brasileira surgiu o Estado Democrático de Direito, adotado expressamente pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1.988, fundindo-se não só o princípio de que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido (art. 1o, p. único, CF/88), mas também o do império da lei, em o qual o Estado lhe deve total obediência.

A necessidade de legitimar o Estado Democrático pela participação popular faz surgir o sufrágio, que é "direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito, e de participar da organização e da atividade do poder estatal" e "que se fundamenta (..) no princípio da soberania popular e no seu exercício por meio de representantes".

Este direito de participação política é consubstanciado pelo voto, que se constitui em exercício e manifestação do sufrágio. Aliás, a Constituição é clara: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos" (art. 14).

Pelo fato de o voto representar não somente a eleição dos representantes do povo, mas a própria legitimação do poder estatal pela participação popular, resulta que esta manifestação de vontade é soberana, devendo não só prevalecer sobre qualquer outra, como ser resguardada, pois se trata de elemento que assegura o próprio fundamento do Estado Democrático de Direito.

Por isto, os direitos políticos garantidos pela Constituição na parte relativa aos Direitos e Garantias Fundamentais (Livro II), são universais (ressalvadas condições técnicas necessárias, tais como a idade e alistamento), sendo vedada sua cassação (art. 15).

2. Todavia, a própria Carta Política Brasileira, oriunda da vontade do poder constituinte originário, em obediência ao primado da lei, traz em seu corpo a previsão de hipóteses em as quais a vontade popular, manifestada pelo voto e da qual os mandatos políticos são delegados aos representantes escolhidos pelo povo, é mitigada pela conduta daquele que, embora eleito, age de forma contrária ao interesse público primário.

Com efeito, no texto constitucional diversos são os dispositivos que limitam os direitos políticos ou sua perda em virtude de condutas ilícitas, destacando-se, diretamente, os seguintes:

"Art. 14. § 9º. Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".

"Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (..) III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; (..) V - improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4.'.

"Art. 37. § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

"Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado".

Em simetria aos comandos constitucionais, a legislação federal (vide Lei Complementar nº 64, de 18.05.1990) prescreve casos de inelegibilidade por ofensa à probidade administrativa ou à moralidade, tais como:

"Art. 1º. São inelegíveis:

"I - para qualquer cargo: (..)

"e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;

"(..)

"g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;

h) os detentores de cargo na Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político apurado em processo, com sentença transitada em julgado, para as eleições que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes ao término do seu mandato ou do período de sua permanência no cargo;

No tocante à perda ou suspensão dos direitos políticos por condenação criminal (art. 15, III, da CF/88), o próprio Código Penal, lei anterior à Constituição de 1.988, já dispunha sobre a perda do mandado eletivo como conseqüência da sentença condenatória.

Atualmente, com a nova redação dada pela Lei n. 9.268, de 01.04.1996, o art. 92 do CP determina que: "São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandado eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos".

Este efeito extrapenal específico (perda do mandato eletivo), pode ser declarado na sentença condenatória, desde que prolatada por autoridade judiciária competente, sendo possível perceber que decorre não só do mau uso da função pública atribuída ao representante do povo, mas também de uma conduta criminosa, cuja pena cominada seja igual ou superior a determinado limite, ainda que, neste último caso, a ação ou omissão não decorra do exercício do mandato eletivo.

No caso específico dos Prefeitos, o Dec.-Lei 201/67 também determina que a "condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular" (art. 1º, § 2º).

4. O mandato eletivo tem, neste contexto, duplo significado: de um lado, sob a ótica do eleitor, é o resultado da expressão de sua vontade, consubstanciando seu direito político de se fazer representar por quem melhor lhe convier; de outra banda, observado em relação ao eleito para ocupar cargo eletivo, o mandato é a efetivação do direito político de ser eleito.

A partir da investidura, o eleito transforma-se em agente público, valendo destacar ser preceito fundamental da Teoria Geral do Direito, no que se refere aos agentes públicos, a independência das responsabilidades civil, penal e administrativa é expressamente prevista nas Leis n. 8.112/90 ("Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições (..) Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si") e 8.429/92 ("Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica").

5. Antes da perda definitiva como efeito específico extrapenal da sentença penal condenatória, também pode ser decretada a suspensão do exercício do mandato eletivo no curso de processo criminal como forma de cautela processual, qualquer que seja a função exercida pelo agente público, desde que preenchidos requisitos específicos relativos à espécie de cargo ocupado.

Assim, por exemplo, nos termos da Constituição vigente, caso admitida a acusação contra o Presidente da República, por 2/3 (dois terços) da Câmara dos Deputados (art. 86, "caput"), o Chefe do Poder Executivo poderá ficar suspenso de suas funções por até 180 (cento e oitenta) dias (art. 86, §2o) se, nas infrações penais comuns, recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, ou, nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal (incs. I e II, do §1o do art. 86).

No caso específico dos Prefeitos, cuja responsabilidade penal é apurada pelos Tribunais de Justiça (art. 29, X, da CF/88), verifica-se que na hipótese dos processos pelos denominados crimes de responsabilidade, há expressa previsão legal (Dec.-Lei n. 201/67 - recepcionado pela CF/88) no sentido de que "Art. 2º. (..) II - ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos;"(agora entenda-se órgão julgador como sendo o Tribunal de Justiça, com o rito da Lei n. 8.038/90, consoante disposição expressa no art. 1o, da Lei n. 8.658/93).

O exame do citado dispositivo legal demonstra que há obrigatoriedade de pronunciamento motivado sobre o afastamento ou manutenção do prefeito do exercício do cargo durante a instrução criminal (aliás, a motivação é garantida constitucionalmente - CF/88, art. 93, IX).

Ora, sendo necessária motivação e não decorrendo ela automaticamente do recebimento da denúncia, o afastamento do prefeito somente poderá ser decretado se existente motivo capaz de se sobrepor à vontade popular expressada pelo voto, mormente quando "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5o, LVII, da CF/88).

Mas há casos em que o bom andamento do processo poderá ser prejudicado pela permanência do Prefeito à frente do executivo municipal posto que, nessa condição, poderá ele embaraçar ou mesmo destruir provas documentais a seu dispor, especialmente aquelas presentes com os agentes públicos que estiverem diretamente sob sua autoridade.

A jurisprudência dominante ruma no sentido de que o afastamento preventivo do prefeito somente se justifica quando necessário para evitar que, mantido na gerência do município, sua influência obste o andamento regular da investigação e a correta apuração da verdade como, por exemplo, obstruindo o livre acesso a documentos existentes no âmbito das repartições da Prefeitura, valendo citar precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

"RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA - DETERMINAÇÃO DE AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO RÉU DO CARGO DE PREFEITO - PRINCÍPIO MORALIZADOR. (..) Recebida denúncia contra Prefeito Municipal, acusado da prática de crime de responsabilidade previsto em quaisquer dos incisos do art. 1º, do Decreto-lei n. 201/67, deve haver manifestação sobre seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, justificando-se a providência acauteladora e moralizadora destinada a prevenir influência negativa na gerência do município, no andamento regular da atividade municipal" .

Neste julgado afirma-se que não há como se confundir as razões do afastamento com as da prisão preventiva, já que esta somente "poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria" (art. 312 do CPP), enquanto aquela medida será imposta ao prefeito "de modo a não influir negativamente na gerência do município, no andamento regular da atividade que envolve a administração municipal" .

6. Fora da esfera penal, também é possível o afastamento do Prefeito (suspensão do exercício do mandato), tanto por ato de improbidade (enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou violação de princípio da administração pública, correspondentes às infrações contidas respectivamente nas seções I, II e III do Capítulo II da Lei n. 8.429/92) quanto por infração político-administrativa (art. 4o, do Dec.-Lei n. 201/67).

Em relação às infrações político-administrativas elencadas no art. 4o, do Dec.-Lei n. 201/67, a competência para processar e julgar a cassação do mandato do Prefeito (impeachment) é da Câmara dos Vereadores, em rito que, em síntese, se inicia por a denúncia escrita da infração com a exposição dos fatos e a indicação das provas, para que o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determine sua leitura e consulte a Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com 3 (três) Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator, sendo iniciados os trabalhos dentro de 5 (cinco) dias, sendo notificado o denunciado para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as provas que pretender produzir. Decorrido o prazo de defesa, a Comissão processante emitirá parecer dentro de 5 (cinco) dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia, o qual, neste caso, será submetido ao Plenário. Se a Comissão opinar pelo prosseguimento, iniciar-se-á instrução, com intimação pessoal, ou por seu procurador, do denunciado de todos os atos do processo. Concluída a instrução, será aberta vista do processo ao denunciado, para razões escritas, no prazo de 5 (cinco) dias, e após, a Comissão processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Na sessão de julgamento, o processo será lido, integralmente, e, a seguir, os Vereadores que o desejarem poderão manifestar-se verbalmente, pelo tempo máximo de 15 (quinze) minutos cada um, e, ao final, o denunciado, ou seu procurador, terá o prazo máximo de 2 (duas) horas, para produzir sua defesa oral. Por fim, será afastado, definitivamente, do cargo o denunciado que for declarado, pelo voto de dois terços, pelo menos, dos membros da Câmara, incurso em qualquer das infrações especificadas na denúncia (art. 5o, incs., I, II, III, IV e V, do Dec.-Lei 201/67).

Este procedimento tem prazo fatal de 90 (noventa) dias, findo o qual, se não decidida a causa, será arquivado. Não há afastamento cautelar nesta hipótese e ao judiciário cabe apenas o exame da legalidade formal do procedimento adotado.

7. Por outro lado, quando se tratar de acusação por prática de atos de improbidade administrativa apurados mediante ação civil pública, é viável (assim como no processo penal) o afastamento preventivo do alcaide como expressamente previsto no par. único do art. 20, da Lei n. 8.429/92.

Registre-se que a ação civil pública se constitui instrumento hábil para tanto, porque qualquer ato ilícito praticado pelo administrador público (lato senso) que nessa qualidade, fere interesse público difuso ou coletivo, subsumindo-se à hipótese normativa prevista no art. 1o, IV, da Lei n. 7.347/85, decorrendo daí, por expressa previsão constitucional (art. 129, III), a legitimação do Ministério Público para o manejo dessa actio .

A doutrina é clara sobre o tema:

"Todo aquele que exerce cargo, emprego, função ou mandato, seja por eleição, nomeação, contratação, designação ou por qualquer outra forma de investidura, ainda que sem remuneração, em qualquer entidade ou pessoa jurídica da administração direta, indireta ou fundacional, bem como nas entidades mencionadas na LIA 1o, caput e §1o, está sujeito à ACP para reparação do dano, seqüestro ou perdimento de bens havidos por enriquecimento ilícito. A legitimação ativa para o ajuizamento da ACP em face de agente político ou agente público, servidor ou não, é conferida ao MP (CF, 129, III; LIA 16 a 18). A pessoa jurídica interessada, bem como os legitimados da LACP 5º podem ajuizar a ACP, desde que preenchidas as condições legais"

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já declarou:

"Ação civil pública. Dano ao erário público, por ato de improbidade de Prefeito Municipal. Ministério Público. Legitimação para agir. Extinção do processo. Decisão cassada. Recurso provido. A Constituição da República, em seu art. 129, inc.III, cometeu ao Ministério Público o dever de zelar pelo patrimônio público e social, pelo meio ambiente e por outros interesses difusos e coletivos, promovendo, para tanto, o inquérito civil e a ação civil pública. O ditame constitucional dilargou a legitimidade do Parquet, roborada pela Lei n. 8.249/92, que versa sobre a aplicação de sanções aos agentes públicos por enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. A Lei n. 7.347/85, por seu turno, evidencia a independência entre a ação em apreço e a ação popular, tutelando, além dos expressamente elencados, quaisquer outros interesses difusos ou coletivos (art. 1°, inc. IV). Presente o interesse difuso e sendo a proteção ao patrimônio público uma das funções institucionais do Ministério Público, constitucionalmente prevista, é indubitável sua legitimação para a propositura de ação civil pública em defesa do erário".

Assim, proposta ação civil pública para apuração de ato de improbidade administrativa, o afastamento da autoridade poderá ser temporário (art. 20, par. único, da Lei n. 8.429/92), por força de medida cautelar, ou definitivo, se decretada com fulcro na Lei n. 8.429/92, que prevê, ao final, dentre outras sanções definitivas, a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos (art. 12, I, II e III, da Lei n. 8.429/92).

8. Esta possibilidade de afastamento temporário (art. 20, p. único da Lei n. 8.429/92) decorre da aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil à ação civil pública (art. 19, da Lei n. 7.347/85), inclusive quanto às medidas cautelares, nominadas ou inominadas, esta com a função de garantia da eficácia de futura prestação jurisdicional mediante providências que assegurem a conservação e preservação das provas, pessoas ou bens objetos da ação principal, como Humberto Theodoro Júnior leciona:

"Se os órgãos jurisdicionais não contassem com um meio pronto e eficaz para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional, esta correria o risco de cair no vazio, ou de transformar-se em providência inócua e inútil. Surge, então, o processo cautelar como uma nova face da jurisdição e como um tertium genus, contendo, 'a um só tempo as funções do processo de conhecimento e de execução' e tendo por elemento específico 'a prevenção'. Enquanto o processo principal (de cognição ou execução) busca a composição da lide, o processo cautelar contenta-se em outorgar situação provisória de segurança para os interesses dos litigantes. Ambos os processos giram em torno da 'lide', pressuposto indeclinável de toda e qualquer atuação jurisdicional. Mas enquanto a lide e sua composição apresentam-se como o objetivo máximo do processo principal, o mesmo não se dá com o processo cautelar (..) A este cabe uma função 'auxiliar e subsidiária', de servir à 'tutela do processo principal', onde será protegido o direito e eliminado o litígio, na lição de Carnelutti. Na realidade, a atividade jurisdicional cautelar dirige-se à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e execução, concorrendo, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdição. Não dando solução à lide, mas criando condições para que essa solução ocorra no plano de maior justiça dentro do processo principal, anota Ronaldo Cunha Campos que 'a função cautelar tem por escopo servir o interesse público na defesa do 'instrumento' criado pelo Estado para compor lides, isto é, a defesa do processo'".

No caso específico de ação civil pública versando sobre apuração de atos de improbidade administrativa, dispõe expressamente a lei de regência que "a autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual" (art. 20. p. único, da Lei n. 8.429/92), o que, vale dizer, se assemelha ao afastamento catalogado no processo penal já citado.

Por isto, reitere-se, também no curso de ação civil pública será possível o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, desde que presentes os requisitos gerais das medidas cautelares, fumus boni juris e periculum in mora, este consubstanciado na demonstração da necessidade do afastamento para garantia de efetividade da instrução processual, e aquele pela existência de elementos nos autos indicando a plausabilidade do direito pretendido pelo autor da demanda pública.

Em relação a Prefeito, destaque-se, por oportuno, a recente decisão da lavra da Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça que, apreciando Medida Cautelar interposta pelo Prefeito de São Paulo (Celso Pitta), assentou:

"Diante do entendimento até aqui esboçado, passo ao exame dos pressupostos necessários à concessão da cautela, os quais são basicamente dois: perigo de dano irreparável, se não concedida a tutela de urgência, e suporte jurídico em favor do requerente, ainda que de forma tênue. De referência ao perigo, é importante considerar que é o mesmo via de mão-dupla, não se podendo resguardar uma das partes e manter a outra em situação de dificuldade. Na hipótese, o afastamento do Prefeito não mais ferirá a sua imagem, porquanto já desgastada perante a opinião pública, opinião esta que poderá ser revertida até mais facilmente se, ao final do julgamento da ação de responsabilidade, concluir-se que inexiste improbidade. Ademais, a sua manutenção à frente do Executivo Municipal traria para os órgãos de controle enorme desgaste, pois é muito difícil manter-se em curso uma ação que visa responsabilizar um agente político por ato de improbidade, sem que se possa dispor livremente dos registros administrativo. Assinale-se, ainda, que, independentemente da norma do art. 9º da Lei n. 8.429/1992, arrimo jurídico do pleito, o desgaste que se deve resguardar é da própria imagem de transparência da Administração Pública."

Do decreto colhe-se também o argumento da preponderância do interesse público sobre o particular, o que reiterado em 02.06.00, no voto de desempate proferido pelo eminente Ministro Milton Luiz Pereira, quando do julgamento do Agravo Regimental proposto pela defesa.

Mas, diante dos termos da lei de regência ("quando a medida se fizer necessária à instrução processual" - Lei n. 8.429/92, art. 20, p. único) e da garantia constitucional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX), há que se demonstrar, de forma plausível, nos autos, quais os atos ou fatos praticados pelo Prefeito que sirvam de estribo ao afastamento antecipado.

Com base nesta premissa, a colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sede de reconsideração, concedeu liminar, em 13.06.00, para garantir retorno imediato de Celso Pitta à chefia do Executivo da cidade de São Paulo (vide MC n. 2765, SP 2000/0044284-4), diante da "inexistência de elementos que mostrassem uma interferência indevida do então prefeito nas investigações que o acusam de improbidade administrativa".

Em Santa Catarina esta também tem sido a orientação seguida pela Corte Estadual, nos inúmeros casos que lhe são submetidos (recentemente com os Prefeitos de Biguaçu, Pomerode e Mafra, dentre outros): não basta a simples invocação genérica, no curso de ação civil pública, da previsão contida no par. único do art. 20, da Lei n. 8.429/92, para logo ser determinado o afastamento preventivo do Prefeito pois, não só o acusado tem o direito de ver indicada, como o órgão judiciário tem a obrigação de demonstrar, nos autos e de forma plausível, qual a razão fática que a fundamenta.

9. Afirmada a exigência de ser revelada, no processo da ação civil por improbidade administrativa, a prática de atos que possam atrapalhar o curso da instrução, surge agora questão nova pertinente à competência para determinação dessa medida quando a autoridade a ser afastada for Prefeito pois, ao dispor sobre a Organização do Estado, a Constituição da República estabeleceu no inciso X, do art. 29: "Julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça" (na numeração advinda com a EC n. 1).

O comando constitucional é claro e não faz distinção entre julgamento penal ou civil, sendo de se perguntar: o juízo de 1o grau é competente para julgar o Prefeito acusado de improbidade administrativo no curso de ação civil pública, podendo inclusive determinar, cautelar e liminarmente, seu afastamento da função pública cuja investidura lhe foi outorgada pelo voto popular ?

A resposta a essa indagação requer, preliminarmente, uma distinção sobre o que se pretende na ação civil pública, assim da objetividade que se busca proteger com o afastamento do Prefeito, pois a obstrução à obtenção de provas (garantia da instrução) pode decorrer não só de ato do Alcaide, quanto de terceiros, o que é muito mais comum do que se imagina.

Por isto, faz-se necessário verificar, primeiro, se a pretensão manifestada pelo Ministério Público visa apuração de ato de improbidade praticado pelo Prefeito e conseqüente aplicação de sanções cíveis (restituição e perdimento de bens) e políticas (perda do mandato e suspensão dos direitos políticos) ou se se trata de ato lesivo, assim como possível obstrução de provas, praticada exclusivamente por outrem que não seja o Alcaide.

É que, na hipótese de não ser o Prefeito o obstruidor ou dificultador da obtenção de provas no curso de instrução de ação civil pública destinada a apurar responsabilidade de outrem, tem-se que ele (Chefe do Executivo Municipal) não poderá ser afastado nos termos da Lei n. 8.429/92. Em verdade, verifica-se que nesta hipótese, o Prefeito pode realizar condutas que, em tese e na medida do caso concreto, podem configurar crimes de prevaricação, condescendência criminosa e advocacia administrativa, cujas apurações são indiscutivelmente de competência do Tribunal de Justiça e este, por sua vez, poderá decretar o afastamento nos termos do art. 2o, II, do Dec.-Lei 201/67, se configurado crime previsto neste diploma, com ou sem prisão preventiva, ou somente prisão preventiva se for crime do Código Penal.

De outra banda, caso a ação civil pública seja movida para apuração de improbidade administrativa praticada por Prefeito (que goza de privilégio constitucional para julgamento pelo Tribunal de Justiça) ou sendo por ela responsável diretamente, poderá ele não só ser condenado ao ressarcimento do erário público, como ter decretados previamente seu afastamento como, inclusive, indisponibilidade dos seus bens e dos demais investigados.

Ora, por ser mandatário do poder político que lhe foi atribuído pelo povo, o julgamento do Prefeito em foro especial não apenas é direito exclusivo daquele que está investido naquela função pública, como também dos cidadãos que o elegeram, escolhendo aquele específico indivíduo para exercer o comando da Administração pública municipal; o privilégio para julgamento do mandatário em foro especial serve, assim, também para assegurar a efetividade do exercício do direito ao voto popular.

O afastamento do Prefeito consiste, assim, não só em sanção para o agente público, como contrariedade expressa à vontade popular, o que lhe confere um caráter próprio e bem distinto em relação às ações movidas em face de comportamento ímprobo de qualquer outro alçado à função, cargo ou emprego por concurso público.

Desse modo, até mesmo em obediência ao princípio da isonomia (= tratar desigualmente os desiguais), a Carta Política atribui certas prerrogativas, dentre elas o foro especial geral para o detentor de função pública conferida pelo voto, mesmo porque este, conforme já salientado, é expressão de legitimação do Estado Democrático de Direito.

10. O Estado, como poder soberano, uno, indivisível e visando a consecução dos objetivos delineados pela sociedade em sua Carta Magna (art. 3º, da CF/88), exerce funções administrativas (= executivas lato sensu), legislativas e judiciárias, atribuindo-as a entes distintos, objetivando, assim, a não acumulação de todo o poder em um único agente público, cristalizando-se com a independência entre seus poderes (art. 2o, da CF).

No âmbito das funções judiciárias, sendo impossível a resolução de todas as lides trazidas à sua apreciação por uma única pessoa, o ordenamento jurídico distribui os pedidos de aplicação da lei aos casos concretos entre os diversos órgãos membros do respectivo Poder, usando, para isso, vários e conhecidos critérios para determinar qual está apto a processar e julgar o caso concreto.

Por este motivo, o conceito não poderia ser outro: "a competência é apenas a medida da jurisdição, isto é, a determinação da esfera de atribuições dos órgãos encarregados da função jurisdicional", destacando-se ser requisito para a constituição válida e regular da relação jurídica processual, configurando-se pressuposto processual, consoante escólio doutrinário dominante.

Dentre os diversos critérios adotados pelo ordenamento jurídico brasileiro para definir a competência, exsurge a espécie ratione personae que "consiste no poder que se concede a certos Órgãos Superiores da Jurisdição de processarem e julgarem determinadas pessoas. Há pessoas que exercem cargos de especial relevância no estado e, em atenção a tais cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, e, sim, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada ".

Por se tratar de matéria cujo conhecimento pode se dar a qualquer momento, a competência em razão da pessoa constitui direito de relevância inegável, indelegável e improrrogável

Em relação ao Prefeito e sua prerrogativa de foro especial (ratione personae) por força do art. 29, inc. X, da Constituição de 1.988, posiciona-se a doutrina sobre os processos não-criminais:

"Coloca-se a questão de se saber se tal competência seria também para julgamento dos crimes ordinários, isto é, o julgamento de atos da vida civil que possam ter implicação pública, se praticados no exercício do mandato. Entendo que sim, visto que sempre que tais atos terminem por representar falta de decoro, atingir a moralidade administrativa ou demonstrar, pela sua produção, inaptidão para o exercício da função, a própria figura do prefeito, mais do que a do cidadão, em jogo está. Outra questão que se coloca é de saber-se se para tais matérias correlatas, mas não decorrentes do exercício do cargo, a competência seria originária do Tribunal de Justiça ou apenas em segundo grau a competência do Tribunal se imporia. Entendo que, nesta hipótese, a competência do Tribunal de Justiça é originária. (..) Não se deve, todavia, entender que o foro especial seja um privilégio do prefeito, mas, antes, um privilégio para os cidadãos, que assim poderão ter mais rapidamente e pelo órgão colegiado e constituído de magistrados mais experientes, a solução da pendência em que todo o município tem interesse".

E CRETELLA JÚNIOR sentencia: "Na sistemática da Constituição vigente, o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça do Estado, em que se localiza o Município, independe da matéria".

Ora, não tendo o constituinte originário consignado expressamente que a competência originária do Tribunal de Justiça para julgamento do Prefeito restringe-se somente aos processos criminais, não se pode diminuir ou limitar a garantia do foro privilegiado por prerrogativa de função (que pertence diretamente ao eleito, e indiretamente aos seus eleitores, dada pelo comando constitucional), pois somente "comportam interpretação extensiva as normas que asseguram direitos, estabelecem garantias e fixam prazos", com o que conclui-se que tal prerrogativa é extensiva a todos os processos da esfera judicial.

Além deste argumento, tem-se que a interpretação sistemática do ordenamento brasileiro revela que o fato de o legislador ordinário determinar competências especiais para processar e julgar infrações político-administrativas (Câmaras Municipais) e condutas criminosas (Tribunais de Justiça) praticado pelos Prefeitos, implica efetivo reconhecimento da necessidade de foro especial em favor daquele que ocupa função de chefe do executivo municipal (detentor do poder político delegado pelos eleitores) para quando seja demandado cível, criminal ou administrativamente, pois que "o direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico".

Aliás, nos de crimes contra a honra de que podem ser vítimas os agentes públicos, a interposição da exceção da verdade pelo querelado comum desloca a competência para seu julgamento se o querelante (no caso, também exceto) tiver prerrogativa de função, hipótese que evidencia a importância da competência ratione personae.

Neste sentido, a posição do Superior Tribunal de Justiça é clara e contundente:

"PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DA VERDADE. Se o querelante está sujeito a jurisdição do Tribunal de Justiça, a este compete o julgamento da exceção da verdade. O juízo de admissibilidade e o processamento, porém, incumbem ao Juízo de Direito perante o qual corre a ação penal. Inteligência do art. 85 do CPP. Ordem deferida".

É bem verdade que a matéria tratada na ação civil pública não se insere na área penal, mas além de não haver essa distinção no dispositivo constitucional aplicável à espécie, também é certo que a sanção derivada da eventual procedência do pedido implica séria privação de direitos, tanto do prefeito quanto dos eleitores que legitimaram o poder político por seu voto.

Esta preocupação com a garantia do direito de foro especial para o Prefeito foi manifestada pelos membros do Poder Legislativo que, no curso da chamada "Reforma do Judiciário", discutem nova redação do dispositivo constitucional em estudo em face da revogação do verbete 394, da Súmula do STF, que passaria a vigorar nos seguintes termos: "art. 29 (..) X - julgamento do Prefeito, enquanto no exercício do cargo, perante o Tribunal de Justiça".

11. Não se olvida, contudo, a existência de julgados da Corte Estadual Catarinense que, fundados em precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça, admitem a competência do juízo de primeiro grau para tal afastamento de Prefeito.

Todavia, em que pese o elevado respeito ao inegável saber jurídico daqueles ilustres julgadores, tem-se que suas conclusões derivaram de premissa equivocada, pois os referenciais do Superior Tribunal de Justiça tomados como paradigma não tratavam da competência hierárquica para conhecimento da pretensão de afastamento de Prefeito, mas sim da competência em função da matéria.

Com efeito, no Conflito de Competência n. 819-RS a Corte Superior dirimiu controvérsia relativa à competência para processar e julgar Prefeito por ato que possuía conotação de crime eleitoral, conflito que se baseava na matéria abordada na lide, e não em relação à hierarquia, como se vê:

"Conflito de competência, Ação popular promovida contra o prefeito municipal. Competência do MM. Juízo da Vara Cível, que não se modifica pelo simples fato de o ato impugmado possuir conotação de crime eleitoral. Conflito procedente".

O outro precedente utilizado refere-se à discussão da competência para julgamento de desvio e má aplicação de verbas, havendo dúvida se caberia à Justiça Estadual ou Federal (sem falar em juízo de Primeiro Grau ou Tribunal), sendo decidido que:

"CONFLITO DE COMPETENCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA CONTRA ATO DE PREFEITO MUNICIPAL. DESVIO E MÁ APLICAÇÃO DE VERBAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. A competência para o processo de ação popular está determinada pela origem do ato a ser anulado. Assim, se o ato é do prefeito, acusado de má aplicação de dinheiro, a competência é da Justiça Comum, embora a verba seja proveniente do governo federal, porque já incorporada ao patrimônio da Prefeitura, passando para a disponibilidade do Município".

Vê-se que nos casos elencados, a questão relativa à competência hierárquica não foi abordada (porque não tornada controversa), tendo havido, apenas discussão quanto à competência em relação à matéria, que não se confunde com aquela; por este motivo, os precedentes aludidos não servem para resolver a vexata quaestio, pois somente trataram-na de forma oblíqua.

12. Do exposto, resta claro que, sendo medida possível desde que preenchidos determinados requisitos (e salvo quando for infração político-administrativa a ser julgada pelas Câmaras Municipais), o afastamento de Prefeito e eventual posterior perda da função pública para a qual foi eleito, em processo penal e civil não compete ao juízo de primeiro grau, mas sim ao Tribunal de Justiça por força da norma constitucional (CF, art. 29, X), o que pode ser viabilizado com as seguintes formas:

12.1. no processo penal, observadas as normas procedimentais previstas na Lei n. 8.038/90 (aplicadas em face da Lei n. 8.658/93), combinadas com o art. 2º, II do Dec.-Lei n. 201/67 (preventivo) e 92 do Código Penal (definitivo).

12.2. no processo da ação civil pública, em primeira opção, desde que proposta a medida cautelar diretamente ao Tribunal competente para conhecer do recurso advinda da ação principal, a ser decidida aquela consoante previsão regimental; é a melhor forma de preservação da garantia constitucional do foro especial.

Pode-se viabilizar uma segundo possibilidade, desde que se entenda como mantida a sistemática atual (processo da ação civil pública em primeiro grau, porque não se aplicaria o privilégio à esfera civil): que a decisão liminar de afastamento somente seja executada após confirmada pelo Tribunal ou transite em julgado, tanto em relação ao recurso de agravo de instrumento, como da suspensão de execução viável diante do art. 14, § 1º, da Lei n. 7.347/85.

Com isto, certamente serão garantidos os direitos constitucionais do contraditório e devido processo legal (aqui incluído o juízo competente), além de evitados os desgastes e reflexos políticos tão conhecidos e negativos advindos das sucessivas liminares, umas cassando outras.

Conclusões.

1. O exercício do mandato eletivo é resultado do direito de sufrágio que, por sua vez, legitima o poder do Estado Democrático de Direito.

2. A manifestação da vontade popular expressada pelo voto é soberana e prevalece sobre qualquer outra, ressalvadas as hipóteses de suspensão ou perda dos direitos políticos e do mandato, previstas na própria Constituição da República Federativa do Brasil.

3. A prerrogativa de foro é garantia constitucional que pertence tanto ao detentor do mandato quanto aos eleitores que legitimaram o poder político por seu voto.

4. Dentre as hipóteses de perda do mandato estão a procedência de acusação por infração político-administrativa (1) e a condenação criminal por sentença transitada em julgado (2) ou a prática de atos de improbidade administrativa apurada em ação civil pública (3).

5. Em relação às condutas tipificadas como crimes, os prefeitos municipais, processados julgados pelo Tribunal de Justiça, podem ser afastados tanto temporária e cautelarmente para evitar que, na qualidade de chefes do executivo, exerçam influência ou prejudiquem a obtenção das provas, quanto definitivamente em função de efeito extrapenal específico.

6. As infrações político-administrativas são processadas julgadas pela Câmara de Vereadores mediante procedimento específico, delimitado no Dec.-Lei 201/67.

7. No curso de ação civil pública, é possível o afastamento cautelar de agente público do exercício do cargo, emprego ou função, desde que preenchidos os requisitos dessa medida: fumus boni juris e periculum in mora, este consubstanciado na demonstração da necessidade do afastamento para garantia de efetividade da instrução processual, e aquele pela existência de elementos nos autos indicando a plausabilidade do direito pretendido pelo autor.

8. A influência negativa do Prefeito no andamento regular da instrução pode se dar no curso de ação civil pública visando apurar ato de improbidade imputado a ele ou a terceiro; nesta última hipótese, sua conduta pode configurar crime que deverá ser apurado em processo penal, em o qual podem ser decretados o afastamento cautelar e/ou a prisão preventiva pelo Tribunal de Justiça.

9. Na hipótese de o afastamento do Prefeito ser necessária para apuração de ato de improbidade que lhe é atribuído em ação civil pública, a competência para ordenar tal medida é do Tribunal de Justiça do Estado, por força do art. 29, X, da CF/88.

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