Nilton João de Macedo Machado e Vilian
Bollmann
Introdução.
Recentes fatos noticiados pela
mídia têm revelado casos em os quais
a cassação de ordens judiciais determinadoras
de afastamentos preventivos de Prefeitos levam
a descrédito público tanto o Poder
Executivo municipal quanto o Poder Judiciário,
este por ordenar ora a saída e ora recondução,
e aquele pela descontinuidade na chefia de governo
do ente municipal.
O presente trabalho visa estudar
a questão destes afastamentos, especialmente
em relação aqueles em caráter
preventivo no curso de ações civis
públicas.
Desenvolvimento.
1. Da evolução
das relações sociais registradas
na história brasileira surgiu o Estado
Democrático de Direito, adotado expressamente
pela Constituição da República
Federativa do Brasil, promulgada em 1.988, fundindo-se
não só o princípio de que
todo o poder emana do povo e em seu nome deve
ser exercido (art. 1o, p. único,
CF/88), mas também o do império
da lei, em o qual o Estado lhe deve total obediência.
A necessidade de legitimar o
Estado Democrático pela participação
popular faz surgir o sufrágio, que é
"direito público subjetivo de natureza
política, que tem o cidadão de eleger,
ser eleito, e de participar da organização
e da atividade do poder estatal" e "que
se fundamenta (..) no princípio da soberania
popular e no seu exercício por meio de
representantes".
Este direito de participação
política é consubstanciado pelo
voto, que se constitui em exercício e manifestação
do sufrágio. Aliás, a Constituição
é clara: "A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos"
(art. 14).
Pelo fato de o voto representar
não somente a eleição dos
representantes do povo, mas a própria legitimação
do poder estatal pela participação
popular, resulta que esta manifestação
de vontade é soberana, devendo não
só prevalecer sobre qualquer outra, como
ser resguardada, pois se trata de elemento que
assegura o próprio fundamento do Estado
Democrático de Direito.
Por isto, os direitos políticos
garantidos pela Constituição na
parte relativa aos Direitos e Garantias Fundamentais
(Livro II), são universais (ressalvadas
condições técnicas necessárias,
tais como a idade e alistamento), sendo vedada
sua cassação (art. 15).
2. Todavia, a própria
Carta Política Brasileira, oriunda da vontade
do poder constituinte originário, em obediência
ao primado da lei, traz em seu corpo a previsão
de hipóteses em as quais a vontade popular,
manifestada pelo voto e da qual os mandatos políticos
são delegados aos representantes escolhidos
pelo povo, é mitigada pela conduta daquele
que, embora eleito, age de forma contrária
ao interesse público primário.
Com efeito, no texto constitucional
diversos são os dispositivos que limitam
os direitos políticos ou sua perda em virtude
de condutas ilícitas, destacando-se, diretamente,
os seguintes:
"Art. 14. § 9º. Lei Complementar
estabelecerá outros casos de inelegibilidade
e os prazos de sua cessação, a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade
para o exercício do mandato, considerada
a vida pregressa do candidato, e a normalidade
e legitimidade das eleições contra
a influência do poder econômico ou
o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração
direta ou indireta".
"Art. 15. É vedada
a cassação de direitos políticos,
cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de: (..) III - condenação
criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos; (..) V - improbidade administrativa,
nos termos do artigo 37, § 4.'.
"Art. 37. § 4º. Os atos
de improbidade administrativa importarão
a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública,
a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação
penal cabível.
"Art. 55. Perderá
o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir
qualquer das proibições estabelecidas
no artigo anterior; II - cujo procedimento for
declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão
legislativa, à terça parte das sessões
ordinárias da Casa a que pertencer, salvo
licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos
políticos; V - quando o decretar a Justiça
Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal
em sentença transitada em julgado".
Em simetria aos comandos constitucionais,
a legislação federal (vide Lei Complementar
nº 64, de 18.05.1990) prescreve casos de inelegibilidade
por ofensa à probidade administrativa ou
à moralidade, tais como:
"Art. 1º. São
inelegíveis:
"I - para qualquer cargo:
(..)
"e) os que forem condenados
criminalmente, com sentença transitada
em julgado, pela prática de crimes contra
a economia popular, a fé pública,
a administração pública,
o patrimônio público, o mercado financeiro,
pelo tráfico de entorpecentes e por crimes
eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos,
após o cumprimento da pena;
"(..)
"g) os que tiverem suas
contas relativas ao exercício de cargos
ou funções públicas rejeitadas
por irregularidade insanável e por decisão
irrecorrível do órgão competente,
salvo se a questão houver sido ou estiver
sendo submetida à apreciação
do Poder Judiciário, para as eleições
que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes,
contados a partir da data da decisão;
h) os detentores de cargo
na Administração Pública
Direta, Indireta ou Fundacional, que beneficiarem
a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico
ou político apurado em processo, com sentença
transitada em julgado, para as eleições
que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes
ao término do seu mandato ou do período
de sua permanência no cargo;
No tocante à perda ou
suspensão dos direitos políticos
por condenação criminal (art. 15,
III, da CF/88), o próprio Código
Penal, lei anterior à Constituição
de 1.988, já dispunha sobre a perda do
mandado eletivo como conseqüência da
sentença condenatória.
Atualmente, com a nova redação
dada pela Lei n. 9.268, de 01.04.1996, o art.
92 do CP determina que: "São também
efeitos da condenação: I - a perda
de cargo, função pública
ou mandado eletivo: a) quando aplicada pena privativa
de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder
ou violação de dever para com a
Administração Pública; b)
quando for aplicada pena privativa de liberdade
por tempo superior a quatro anos nos demais casos".
Este efeito extrapenal específico
(perda do mandato eletivo), pode ser declarado
na sentença condenatória, desde
que prolatada por autoridade judiciária
competente, sendo possível perceber que
decorre não só do mau uso da função
pública atribuída ao representante
do povo, mas também de uma conduta criminosa,
cuja pena cominada seja igual ou superior a determinado
limite, ainda que, neste último caso, a
ação ou omissão não
decorra do exercício do mandato eletivo.
No caso específico dos
Prefeitos, o Dec.-Lei 201/67 também determina
que a "condenação definitiva
em qualquer dos crimes definidos neste artigo
acarreta a perda do cargo e a inabilitação,
pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício
de cargo ou função pública,
eletivo ou de nomeação, sem prejuízo
da reparação civil do dano causado
ao patrimônio público ou particular"
(art. 1º, § 2º).
4. O mandato eletivo tem, neste
contexto, duplo significado: de um lado, sob a
ótica do eleitor, é o resultado
da expressão de sua vontade, consubstanciando
seu direito político de se fazer representar
por quem melhor lhe convier; de outra banda, observado
em relação ao eleito para ocupar
cargo eletivo, o mandato é a efetivação
do direito político de ser eleito.
A partir da investidura, o eleito
transforma-se em agente público, valendo
destacar ser preceito fundamental da Teoria Geral
do Direito, no que se refere aos agentes públicos,
a independência das responsabilidades civil,
penal e administrativa é expressamente
prevista nas Leis n. 8.112/90 ("Art. 121.
O servidor responde civil, penal e administrativamente
pelo exercício irregular de suas atribuições
(..) Art. 125. As sanções civis,
penais e administrativas poderão cumular-se,
sendo independentes entre si") e 8.429/92
("Art. 12. Independentemente das sanções
penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica").
5. Antes da perda definitiva
como efeito específico extrapenal da sentença
penal condenatória, também pode
ser decretada a suspensão do exercício
do mandato eletivo no curso de processo criminal
como forma de cautela processual, qualquer que
seja a função exercida pelo agente
público, desde que preenchidos requisitos
específicos relativos à espécie
de cargo ocupado.
Assim, por exemplo, nos termos
da Constituição vigente, caso admitida
a acusação contra o Presidente da
República, por 2/3 (dois terços)
da Câmara dos Deputados (art. 86, "caput"),
o Chefe do Poder Executivo poderá ficar
suspenso de suas funções por até
180 (cento e oitenta) dias (art. 86, §2o)
se, nas infrações penais comuns,
recebida a denúncia ou queixa-crime pelo
Supremo Tribunal Federal, ou, nos crimes de responsabilidade,
após a instauração do processo
pelo Senado Federal (incs. I e II, do §1o
do art. 86).
No caso específico dos
Prefeitos, cuja responsabilidade penal é
apurada pelos Tribunais de Justiça (art.
29, X, da CF/88), verifica-se que na hipótese
dos processos pelos denominados crimes de responsabilidade,
há expressa previsão legal (Dec.-Lei
n. 201/67 - recepcionado pela CF/88) no sentido
de que "Art. 2º. (..) II -
ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á,
obrigatória e motivadamente, sobre a prisão
preventiva do acusado, nos casos dos itens I e
II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento
do exercício do cargo durante a instrução
criminal, em todos os casos;"(agora entenda-se
órgão julgador como sendo o Tribunal
de Justiça, com o rito da Lei n. 8.038/90,
consoante disposição expressa no
art. 1o, da Lei n. 8.658/93).
O exame do citado dispositivo
legal demonstra que há obrigatoriedade
de pronunciamento motivado sobre o afastamento
ou manutenção do prefeito do exercício
do cargo durante a instrução criminal
(aliás, a motivação é
garantida constitucionalmente - CF/88, art. 93,
IX).
Ora, sendo necessária
motivação e não decorrendo
ela automaticamente do recebimento da denúncia,
o afastamento do prefeito somente poderá
ser decretado se existente motivo capaz de se
sobrepor à vontade popular expressada pelo
voto, mormente quando "ninguém
será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória"
(art. 5o, LVII, da CF/88).
Mas há casos em que o
bom andamento do processo poderá ser prejudicado
pela permanência do Prefeito à frente
do executivo municipal posto que, nessa condição,
poderá ele embaraçar ou mesmo destruir
provas documentais a seu dispor, especialmente
aquelas presentes com os agentes públicos
que estiverem diretamente sob sua autoridade.
A jurisprudência dominante
ruma no sentido de que o afastamento preventivo
do prefeito somente se justifica quando necessário
para evitar que, mantido na gerência do
município, sua influência obste o
andamento regular da investigação
e a correta apuração da verdade
como, por exemplo, obstruindo o livre acesso a
documentos existentes no âmbito das repartições
da Prefeitura, valendo citar precedente do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina:
"RECEBIMENTO DA PEÇA
ACUSATÓRIA - DETERMINAÇÃO
DE AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO RÉU
DO CARGO DE PREFEITO - PRINCÍPIO MORALIZADOR.
(..) Recebida denúncia contra Prefeito
Municipal, acusado da prática de crime
de responsabilidade previsto em quaisquer dos
incisos do art. 1º, do Decreto-lei n. 201/67,
deve haver manifestação sobre seu
afastamento do exercício do cargo durante
a instrução criminal, justificando-se
a providência acauteladora e moralizadora
destinada a prevenir influência negativa
na gerência do município, no andamento
regular da atividade municipal" .
Neste julgado afirma-se que não
há como se confundir as razões do
afastamento com as da prisão preventiva,
já que esta somente "poderá
ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência
da instrução criminal, ou para assegurar
a aplicação da lei penal, quando
houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria" (art. 312 do CPP),
enquanto aquela medida será imposta ao
prefeito "de modo a não influir
negativamente na gerência do município,
no andamento regular da atividade que envolve
a administração municipal"
.
6. Fora da esfera penal, também
é possível o afastamento do Prefeito
(suspensão do exercício do mandato),
tanto por ato de improbidade (enriquecimento ilícito,
prejuízo ao erário ou violação
de princípio da administração
pública, correspondentes às infrações
contidas respectivamente nas seções
I, II e III do Capítulo II da Lei n. 8.429/92)
quanto por infração político-administrativa
(art. 4o, do Dec.-Lei n. 201/67).
Em relação às
infrações político-administrativas
elencadas no art. 4o, do Dec.-Lei n.
201/67, a competência para processar e julgar
a cassação do mandato do Prefeito
(impeachment) é da Câmara dos Vereadores,
em rito que, em síntese, se inicia por
a denúncia escrita da infração
com a exposição dos fatos e a indicação
das provas, para que o Presidente da Câmara,
na primeira sessão, determine sua leitura
e consulte a Câmara sobre o seu recebimento.
Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos
presentes, na mesma sessão será
constituída a Comissão processante,
com 3 (três) Vereadores sorteados entre
os desimpedidos, os quais elegerão, desde
logo, o Presidente e o Relator, sendo iniciados
os trabalhos dentro de 5 (cinco) dias, sendo notificado
o denunciado para que, no prazo de 10 (dez) dias,
apresente defesa prévia, por escrito, indique
as provas que pretender produzir. Decorrido o
prazo de defesa, a Comissão processante
emitirá parecer dentro de 5 (cinco) dias,
opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da
denúncia, o qual, neste caso, será
submetido ao Plenário. Se a Comissão
opinar pelo prosseguimento, iniciar-se-á
instrução, com intimação
pessoal, ou por seu procurador, do denunciado
de todos os atos do processo. Concluída
a instrução, será aberta
vista do processo ao denunciado, para razões
escritas, no prazo de 5 (cinco) dias, e após,
a Comissão processante emitirá parecer
final, pela procedência ou improcedência
da acusação, e solicitará
ao Presidente da Câmara a convocação
de sessão para julgamento. Na sessão
de julgamento, o processo será lido, integralmente,
e, a seguir, os Vereadores que o desejarem poderão
manifestar-se verbalmente, pelo tempo máximo
de 15 (quinze) minutos cada um, e, ao final, o
denunciado, ou seu procurador, terá o prazo
máximo de 2 (duas) horas, para produzir
sua defesa oral. Por fim, será afastado,
definitivamente, do cargo o denunciado que for
declarado, pelo voto de dois terços, pelo
menos, dos membros da Câmara, incurso em
qualquer das infrações especificadas
na denúncia (art. 5o, incs.,
I, II, III, IV e V, do Dec.-Lei 201/67).
Este procedimento tem prazo fatal
de 90 (noventa) dias, findo o qual, se não
decidida a causa, será arquivado. Não
há afastamento cautelar nesta hipótese
e ao judiciário cabe apenas o exame da
legalidade formal do procedimento adotado.
7. Por outro lado, quando se
tratar de acusação por prática
de atos de improbidade administrativa apurados
mediante ação civil pública,
é viável (assim como no processo
penal) o afastamento preventivo do alcaide como
expressamente previsto no par. único do
art. 20, da Lei n. 8.429/92.
Registre-se que a ação
civil pública se constitui instrumento
hábil para tanto, porque qualquer ato ilícito
praticado pelo administrador público (lato
senso) que nessa qualidade, fere interesse público
difuso ou coletivo, subsumindo-se à hipótese
normativa prevista no art. 1o, IV,
da Lei n. 7.347/85, decorrendo daí, por
expressa previsão constitucional (art.
129, III), a legitimação do Ministério
Público para o manejo dessa actio
.
A doutrina é clara sobre
o tema:
"Todo aquele que exerce
cargo, emprego, função ou mandato,
seja por eleição, nomeação,
contratação, designação
ou por qualquer outra forma de investidura, ainda
que sem remuneração, em qualquer
entidade ou pessoa jurídica da administração
direta, indireta ou fundacional, bem como nas
entidades mencionadas na LIA 1o, caput
e §1o, está sujeito à
ACP para reparação do dano, seqüestro
ou perdimento de bens havidos por enriquecimento
ilícito. A legitimação ativa
para o ajuizamento da ACP em face de agente político
ou agente público, servidor ou não,
é conferida ao MP (CF, 129, III; LIA 16
a 18). A pessoa jurídica interessada, bem
como os legitimados da LACP 5º podem
ajuizar a ACP, desde que preenchidas as condições
legais"
Neste sentido, o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina já declarou:
"Ação civil
pública. Dano ao erário público,
por ato de improbidade de Prefeito Municipal.
Ministério Público. Legitimação
para agir. Extinção do processo.
Decisão cassada. Recurso provido. A Constituição
da República, em seu art. 129, inc.III,
cometeu ao Ministério Público o
dever de zelar pelo patrimônio público
e social, pelo meio ambiente e por outros interesses
difusos e coletivos, promovendo, para tanto, o
inquérito civil e a ação
civil pública. O ditame constitucional
dilargou a legitimidade do Parquet, roborada pela
Lei n. 8.249/92, que versa sobre a aplicação
de sanções aos agentes públicos
por enriquecimento ilícito no exercício
de mandato, cargo, emprego ou função
na administração pública
direta, indireta ou fundacional. A Lei n. 7.347/85,
por seu turno, evidencia a independência
entre a ação em apreço e
a ação popular, tutelando, além
dos expressamente elencados, quaisquer outros
interesses difusos ou coletivos (art. 1°, inc.
IV). Presente o interesse difuso e sendo a proteção
ao patrimônio público uma das funções
institucionais do Ministério Público,
constitucionalmente prevista, é indubitável
sua legitimação para a propositura
de ação civil pública em
defesa do erário".
Assim, proposta ação
civil pública para apuração
de ato de improbidade administrativa, o afastamento
da autoridade poderá ser temporário
(art. 20, par. único, da Lei n. 8.429/92),
por força de medida cautelar, ou definitivo,
se decretada com fulcro na Lei n. 8.429/92, que
prevê, ao final, dentre outras sanções
definitivas, a perda da função pública
e suspensão dos direitos políticos
de 8 (oito) a 10 (dez) anos (art. 12, I, II e
III, da Lei n. 8.429/92).
8. Esta possibilidade de afastamento
temporário (art. 20, p. único da
Lei n. 8.429/92) decorre da aplicabilidade das
normas do Código de Processo Civil à
ação civil pública (art.
19, da Lei n. 7.347/85), inclusive quanto às
medidas cautelares, nominadas ou inominadas, esta
com a função de garantia da eficácia
de futura prestação jurisdicional
mediante providências que assegurem a conservação
e preservação das provas, pessoas
ou bens objetos da ação principal,
como Humberto Theodoro Júnior leciona:
"Se os órgãos
jurisdicionais não contassem com um meio
pronto e eficaz para assegurar a permanência
ou conservação do estado das pessoas,
coisas e provas enquanto não atingido o
estágio último da prestação
jurisdicional, esta correria o risco de cair no
vazio, ou de transformar-se em providência
inócua e inútil. Surge, então,
o processo cautelar como uma nova face da jurisdição
e como um tertium genus, contendo, 'a um só
tempo as funções do processo de
conhecimento e de execução' e tendo
por elemento específico 'a prevenção'.
Enquanto o processo principal (de cognição
ou execução) busca a composição
da lide, o processo cautelar contenta-se em outorgar
situação provisória de segurança
para os interesses dos litigantes. Ambos os processos
giram em torno da 'lide', pressuposto indeclinável
de toda e qualquer atuação jurisdicional.
Mas enquanto a lide e sua composição
apresentam-se como o objetivo máximo do
processo principal, o mesmo não se dá
com o processo cautelar (..) A este cabe uma função
'auxiliar e subsidiária', de servir à
'tutela do processo principal', onde será
protegido o direito e eliminado o litígio,
na lição de Carnelutti. Na realidade,
a atividade jurisdicional cautelar dirige-se à
segurança e garantia do eficaz desenvolvimento
e do profícuo resultado das atividades
de cognição e execução,
concorrendo, dessa maneira, para o atingimento
do escopo geral da jurisdição. Não
dando solução à lide, mas
criando condições para que essa
solução ocorra no plano de maior
justiça dentro do processo principal, anota
Ronaldo Cunha Campos que 'a função
cautelar tem por escopo servir o interesse público
na defesa do 'instrumento' criado pelo Estado
para compor lides, isto é, a defesa do
processo'".
No caso específico de
ação civil pública versando
sobre apuração de atos de improbidade
administrativa, dispõe expressamente a
lei de regência que "a autoridade
judicial ou administrativa competente poderá
determinar o afastamento do agente público
do exercício do cargo, emprego ou função,
sem prejuízo da remuneração,
quando a medida se fizer necessária à
instrução processual" (art.
20. p. único, da Lei n. 8.429/92), o que,
vale dizer, se assemelha ao afastamento catalogado
no processo penal já citado.
Por isto, reitere-se, também
no curso de ação civil pública
será possível o afastamento do agente
público do exercício do cargo, emprego
ou função, desde que presentes os
requisitos gerais das medidas cautelares, fumus
boni juris e periculum in mora, este
consubstanciado na demonstração
da necessidade do afastamento para garantia de
efetividade da instrução processual,
e aquele pela existência de elementos nos
autos indicando a plausabilidade do direito pretendido
pelo autor da demanda pública.
Em relação a Prefeito,
destaque-se, por oportuno, a recente decisão
da lavra da Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon,
do Superior Tribunal de Justiça que, apreciando
Medida Cautelar interposta pelo Prefeito de São
Paulo (Celso Pitta), assentou:
"Diante do entendimento
até aqui esboçado, passo ao exame
dos pressupostos necessários à concessão
da cautela, os quais são basicamente dois:
perigo de dano irreparável, se não
concedida a tutela de urgência, e suporte
jurídico em favor do requerente, ainda
que de forma tênue. De referência
ao perigo, é importante considerar que
é o mesmo via de mão-dupla, não
se podendo resguardar uma das partes e manter
a outra em situação de dificuldade.
Na hipótese, o afastamento do Prefeito
não mais ferirá a sua imagem, porquanto
já desgastada perante a opinião
pública, opinião esta que poderá
ser revertida até mais facilmente se, ao
final do julgamento da ação de responsabilidade,
concluir-se que inexiste improbidade. Ademais,
a sua manutenção à frente
do Executivo Municipal traria para os órgãos
de controle enorme desgaste, pois é muito
difícil manter-se em curso uma ação
que visa responsabilizar um agente político
por ato de improbidade, sem que se possa dispor
livremente dos registros administrativo. Assinale-se,
ainda, que, independentemente da norma do art.
9º da Lei n. 8.429/1992, arrimo jurídico
do pleito, o desgaste que se deve resguardar é
da própria imagem de transparência
da Administração Pública."
Do decreto colhe-se também
o argumento da preponderância do interesse
público sobre o particular, o que reiterado
em 02.06.00, no voto de desempate proferido pelo
eminente Ministro Milton Luiz Pereira, quando
do julgamento do Agravo Regimental proposto pela
defesa.
Mas, diante dos termos da lei
de regência ("quando a medida se
fizer necessária à instrução
processual" - Lei n. 8.429/92, art. 20,
p. único) e da garantia constitucional
de fundamentação das decisões
judiciais (CF, art. 93, IX), há que se
demonstrar, de forma plausível, nos autos,
quais os atos ou fatos praticados pelo Prefeito
que sirvam de estribo ao afastamento antecipado.
Com base nesta premissa, a colenda
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
em sede de reconsideração, concedeu
liminar, em 13.06.00, para garantir retorno imediato
de Celso Pitta à chefia do Executivo da
cidade de São Paulo (vide MC n. 2765, SP
2000/0044284-4), diante da "inexistência
de elementos que mostrassem uma interferência
indevida do então prefeito nas investigações
que o acusam de improbidade administrativa".
Em Santa Catarina esta também
tem sido a orientação seguida pela
Corte Estadual, nos inúmeros casos que
lhe são submetidos (recentemente com os
Prefeitos de Biguaçu, Pomerode e Mafra,
dentre outros): não basta a simples invocação
genérica, no curso de ação
civil pública, da previsão contida
no par. único do art. 20, da Lei n. 8.429/92,
para logo ser determinado o afastamento preventivo
do Prefeito pois, não só o acusado
tem o direito de ver indicada, como o órgão
judiciário tem a obrigação
de demonstrar, nos autos e de forma plausível,
qual a razão fática que a fundamenta.
9. Afirmada a exigência
de ser revelada, no processo da ação
civil por improbidade administrativa, a prática
de atos que possam atrapalhar o curso da instrução,
surge agora questão nova pertinente à
competência para determinação
dessa medida quando a autoridade a ser afastada
for Prefeito pois, ao dispor sobre a Organização
do Estado, a Constituição da República
estabeleceu no inciso X, do art. 29: "Julgamento
do Prefeito perante o Tribunal de Justiça"
(na numeração advinda com a EC n.
1).
O comando constitucional é
claro e não faz distinção
entre julgamento penal ou civil, sendo de se perguntar:
o juízo de 1o grau é
competente para julgar o Prefeito acusado de improbidade
administrativo no curso de ação
civil pública, podendo inclusive determinar,
cautelar e liminarmente, seu afastamento da função
pública cuja investidura lhe foi outorgada
pelo voto popular ?
A resposta a essa indagação
requer, preliminarmente, uma distinção
sobre o que se pretende na ação
civil pública, assim da objetividade que
se busca proteger com o afastamento do Prefeito,
pois a obstrução à obtenção
de provas (garantia da instrução)
pode decorrer não só de ato do Alcaide,
quanto de terceiros, o que é muito mais
comum do que se imagina.
Por isto, faz-se necessário
verificar, primeiro, se a pretensão manifestada
pelo Ministério Público visa apuração
de ato de improbidade praticado pelo Prefeito
e conseqüente aplicação de
sanções cíveis (restituição
e perdimento de bens) e políticas (perda
do mandato e suspensão dos direitos políticos)
ou se se trata de ato lesivo, assim como possível
obstrução de provas, praticada exclusivamente
por outrem que não seja o Alcaide.
É que, na hipótese
de não ser o Prefeito o obstruidor ou dificultador
da obtenção de provas no curso de
instrução de ação
civil pública destinada a apurar responsabilidade
de outrem, tem-se que ele (Chefe do Executivo
Municipal) não poderá ser afastado
nos termos da Lei n. 8.429/92. Em verdade, verifica-se
que nesta hipótese, o Prefeito pode realizar
condutas que, em tese e na medida do caso concreto,
podem configurar crimes de prevaricação,
condescendência criminosa e advocacia administrativa,
cujas apurações são indiscutivelmente
de competência do Tribunal de Justiça
e este, por sua vez, poderá decretar o
afastamento nos termos do art. 2o,
II, do Dec.-Lei 201/67, se configurado crime previsto
neste diploma, com ou sem prisão preventiva,
ou somente prisão preventiva se for crime
do Código Penal.
De outra banda, caso a ação
civil pública seja movida para apuração
de improbidade administrativa praticada por Prefeito
(que goza de privilégio constitucional
para julgamento pelo Tribunal de Justiça)
ou sendo por ela responsável diretamente,
poderá ele não só ser condenado
ao ressarcimento do erário público,
como ter decretados previamente seu afastamento
como, inclusive, indisponibilidade dos seus bens
e dos demais investigados.
Ora, por ser mandatário
do poder político que lhe foi atribuído
pelo povo, o julgamento do Prefeito em foro especial
não apenas é direito exclusivo daquele
que está investido naquela função
pública, como também dos cidadãos
que o elegeram, escolhendo aquele específico
indivíduo para exercer o comando da Administração
pública municipal; o privilégio
para julgamento do mandatário em foro especial
serve, assim, também para assegurar a efetividade
do exercício do direito ao voto popular.
O afastamento do Prefeito consiste,
assim, não só em sanção
para o agente público, como contrariedade
expressa à vontade popular, o que lhe confere
um caráter próprio e bem distinto
em relação às ações
movidas em face de comportamento ímprobo
de qualquer outro alçado à função,
cargo ou emprego por concurso público.
Desse modo, até mesmo
em obediência ao princípio da isonomia
(= tratar desigualmente os desiguais), a Carta
Política atribui certas prerrogativas,
dentre elas o foro especial geral para o detentor
de função pública conferida
pelo voto, mesmo porque este, conforme já
salientado, é expressão de legitimação
do Estado Democrático de Direito.
10. O Estado, como poder soberano,
uno, indivisível e visando a consecução
dos objetivos delineados pela sociedade em sua
Carta Magna (art. 3º, da CF/88), exerce funções
administrativas (= executivas lato sensu),
legislativas e judiciárias, atribuindo-as
a entes distintos, objetivando, assim, a não
acumulação de todo o poder em um
único agente público, cristalizando-se
com a independência entre seus poderes (art.
2o, da CF).
No âmbito das funções
judiciárias, sendo impossível a
resolução de todas as lides trazidas
à sua apreciação por uma
única pessoa, o ordenamento jurídico
distribui os pedidos de aplicação
da lei aos casos concretos entre os diversos órgãos
membros do respectivo Poder, usando, para isso,
vários e conhecidos critérios para
determinar qual está apto a processar e
julgar o caso concreto.
Por este motivo, o conceito não
poderia ser outro: "a competência
é apenas a medida da jurisdição,
isto é, a determinação da
esfera de atribuições dos órgãos
encarregados da função jurisdicional",
destacando-se ser requisito para a constituição
válida e regular da relação
jurídica processual, configurando-se pressuposto
processual, consoante escólio doutrinário
dominante.
Dentre os diversos critérios
adotados pelo ordenamento jurídico brasileiro
para definir a competência, exsurge a espécie
ratione personae que "consiste
no poder que se concede a certos Órgãos
Superiores da Jurisdição de processarem
e julgarem determinadas pessoas. Há pessoas
que exercem cargos de especial relevância
no estado e, em atenção a tais cargos
ou funções que exercem no cenário
político-jurídico da nossa Pátria,
gozam elas de foro especial, isto é, não
serão processadas e julgadas como qualquer
do povo, pelos órgãos comuns, e,
sim, pelos órgãos superiores, de
instância mais elevada ".
Por se tratar de matéria
cujo conhecimento pode se dar a qualquer momento,
a competência em razão da pessoa
constitui direito de relevância inegável,
indelegável e improrrogável
Em relação ao Prefeito
e sua prerrogativa de foro especial (ratione personae)
por força do art. 29, inc. X, da Constituição
de 1.988, posiciona-se a doutrina sobre os processos
não-criminais:
"Coloca-se a questão
de se saber se tal competência seria também
para julgamento dos crimes ordinários,
isto é, o julgamento de atos da vida civil
que possam ter implicação pública,
se praticados no exercício do mandato.
Entendo que sim, visto que sempre que tais atos
terminem por representar falta de decoro, atingir
a moralidade administrativa ou demonstrar, pela
sua produção, inaptidão para
o exercício da função, a
própria figura do prefeito, mais do que
a do cidadão, em jogo está. Outra
questão que se coloca é de saber-se
se para tais matérias correlatas, mas não
decorrentes do exercício do cargo, a competência
seria originária do Tribunal de Justiça
ou apenas em segundo grau a competência
do Tribunal se imporia. Entendo que, nesta hipótese,
a competência do Tribunal de Justiça
é originária. (..) Não se
deve, todavia, entender que o foro especial seja
um privilégio do prefeito, mas, antes,
um privilégio para os cidadãos,
que assim poderão ter mais rapidamente
e pelo órgão colegiado e constituído
de magistrados mais experientes, a solução
da pendência em que todo o município
tem interesse".
E CRETELLA JÚNIOR sentencia:
"Na sistemática da Constituição
vigente, o julgamento do Prefeito perante o Tribunal
de Justiça do Estado, em que se localiza
o Município, independe da matéria".
Ora, não tendo o constituinte
originário consignado expressamente que
a competência originária do Tribunal
de Justiça para julgamento do Prefeito
restringe-se somente aos processos criminais,
não se pode diminuir ou limitar a garantia
do foro privilegiado por prerrogativa de função
(que pertence diretamente ao eleito, e indiretamente
aos seus eleitores, dada pelo comando constitucional),
pois somente "comportam interpretação
extensiva as normas que asseguram direitos, estabelecem
garantias e fixam prazos", com o que
conclui-se que tal prerrogativa é extensiva
a todos os processos da esfera judicial.
Além deste argumento,
tem-se que a interpretação sistemática
do ordenamento brasileiro revela que o fato de
o legislador ordinário determinar competências
especiais para processar e julgar infrações
político-administrativas (Câmaras
Municipais) e condutas criminosas (Tribunais de
Justiça) praticado pelos Prefeitos, implica
efetivo reconhecimento da necessidade de foro
especial em favor daquele que ocupa função
de chefe do executivo municipal (detentor do poder
político delegado pelos eleitores) para
quando seja demandado cível, criminal ou
administrativamente, pois que "o direito
objetivo não é um aglomerado aleatório
de disposições legais, mas um organismo
jurídico, um sistema de preceitos coordenados
ou subordinados, que convivem harmonicamente.
A interpretação sistemática
é fruto da idéia de unidade do ordenamento
jurídico".
Aliás, nos de crimes contra
a honra de que podem ser vítimas os agentes
públicos, a interposição
da exceção da verdade pelo querelado
comum desloca a competência para seu julgamento
se o querelante (no caso, também exceto)
tiver prerrogativa de função, hipótese
que evidencia a importância da competência
ratione personae.
Neste sentido, a posição
do Superior Tribunal de Justiça é
clara e contundente:
"PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA.
EXCEÇÃO DA VERDADE. Se o querelante
está sujeito a jurisdição
do Tribunal de Justiça, a este compete
o julgamento da exceção da verdade.
O juízo de admissibilidade e o processamento,
porém, incumbem ao Juízo de Direito
perante o qual corre a ação penal.
Inteligência do art. 85 do CPP. Ordem deferida".
É bem verdade que a matéria
tratada na ação civil pública
não se insere na área penal, mas
além de não haver essa distinção
no dispositivo constitucional aplicável
à espécie, também é
certo que a sanção derivada da eventual
procedência do pedido implica séria
privação de direitos, tanto do prefeito
quanto dos eleitores que legitimaram o poder político
por seu voto.
Esta preocupação
com a garantia do direito de foro especial para
o Prefeito foi manifestada pelos membros do Poder
Legislativo que, no curso da chamada "Reforma
do Judiciário", discutem nova redação
do dispositivo constitucional em estudo em face
da revogação do verbete 394, da
Súmula do STF, que passaria a vigorar nos
seguintes termos: "art. 29 (..) X - julgamento
do Prefeito, enquanto no exercício do cargo,
perante o Tribunal de Justiça".
11. Não se olvida, contudo,
a existência de julgados da Corte Estadual
Catarinense que, fundados em precedentes do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, admitem a
competência do juízo de primeiro
grau para tal afastamento de Prefeito.
Todavia, em que pese o elevado
respeito ao inegável saber jurídico
daqueles ilustres julgadores, tem-se que suas
conclusões derivaram de premissa equivocada,
pois os referenciais do Superior Tribunal de Justiça
tomados como paradigma não tratavam da
competência hierárquica para conhecimento
da pretensão de afastamento de Prefeito,
mas sim da competência em função
da matéria.
Com efeito, no Conflito de Competência
n. 819-RS a Corte Superior dirimiu controvérsia
relativa à competência para processar
e julgar Prefeito por ato que possuía conotação
de crime eleitoral, conflito que se baseava na
matéria abordada na lide, e não
em relação à hierarquia,
como se vê:
"Conflito de competência,
Ação popular promovida contra o
prefeito municipal. Competência do MM. Juízo
da Vara Cível, que não se modifica
pelo simples fato de o ato impugmado possuir conotação
de crime eleitoral. Conflito procedente".
O outro precedente utilizado
refere-se à discussão da competência
para julgamento de desvio e má aplicação
de verbas, havendo dúvida se caberia à
Justiça Estadual ou Federal (sem falar
em juízo de Primeiro Grau ou Tribunal),
sendo decidido que:
"CONFLITO DE COMPETENCIA.
AÇÃO POPULAR AJUIZADA CONTRA ATO
DE PREFEITO MUNICIPAL. DESVIO E MÁ APLICAÇÃO
DE VERBAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. A competência para o processo
de ação popular está determinada
pela origem do ato a ser anulado. Assim, se o
ato é do prefeito, acusado de má
aplicação de dinheiro, a competência
é da Justiça Comum, embora a verba
seja proveniente do governo federal, porque já
incorporada ao patrimônio da Prefeitura,
passando para a disponibilidade do Município".
Vê-se que nos casos elencados,
a questão relativa à competência
hierárquica não foi abordada (porque
não tornada controversa), tendo havido,
apenas discussão quanto à competência
em relação à matéria,
que não se confunde com aquela; por este
motivo, os precedentes aludidos não servem
para resolver a vexata quaestio, pois somente
trataram-na de forma oblíqua.
12. Do exposto, resta claro que,
sendo medida possível desde que preenchidos
determinados requisitos (e salvo quando for infração
político-administrativa a ser julgada pelas
Câmaras Municipais), o afastamento de Prefeito
e eventual posterior perda da função
pública para a qual foi eleito, em processo
penal e civil não compete ao juízo
de primeiro grau, mas sim ao Tribunal de Justiça
por força da norma constitucional (CF,
art. 29, X), o que pode ser viabilizado com as
seguintes formas:
12.1. no processo penal, observadas
as normas procedimentais previstas na Lei n. 8.038/90
(aplicadas em face da Lei n. 8.658/93), combinadas
com o art. 2º, II do Dec.-Lei n. 201/67 (preventivo)
e 92 do Código Penal (definitivo).
12.2. no processo da ação
civil pública, em primeira opção,
desde que proposta a medida cautelar diretamente
ao Tribunal competente para conhecer do recurso
advinda da ação principal, a ser
decidida aquela consoante previsão regimental;
é a melhor forma de preservação
da garantia constitucional do foro especial.
Pode-se viabilizar uma segundo
possibilidade, desde que se entenda como mantida
a sistemática atual (processo da ação
civil pública em primeiro grau, porque
não se aplicaria o privilégio à
esfera civil): que a decisão liminar de
afastamento somente seja executada após
confirmada pelo Tribunal ou transite em julgado,
tanto em relação ao recurso de agravo
de instrumento, como da suspensão de execução
viável diante do art. 14, § 1º, da Lei
n. 7.347/85.
Com isto, certamente serão
garantidos os direitos constitucionais do contraditório
e devido processo legal (aqui incluído
o juízo competente), além de evitados
os desgastes e reflexos políticos tão
conhecidos e negativos advindos das sucessivas
liminares, umas cassando outras.
Conclusões.
1. O exercício do mandato
eletivo é resultado do direito de sufrágio
que, por sua vez, legitima o poder do Estado Democrático
de Direito.
2. A manifestação
da vontade popular expressada pelo voto é
soberana e prevalece sobre qualquer outra, ressalvadas
as hipóteses de suspensão ou perda
dos direitos políticos e do mandato, previstas
na própria Constituição da
República Federativa do Brasil.
3. A prerrogativa de foro é
garantia constitucional que pertence tanto ao
detentor do mandato quanto aos eleitores que legitimaram
o poder político por seu voto.
4. Dentre as hipóteses
de perda do mandato estão a procedência
de acusação por infração
político-administrativa (1) e a condenação
criminal por sentença transitada em julgado
(2) ou a prática de atos de improbidade
administrativa apurada em ação civil
pública (3).
5. Em relação às
condutas tipificadas como crimes, os prefeitos
municipais, processados julgados pelo Tribunal
de Justiça, podem ser afastados tanto temporária
e cautelarmente para evitar que, na qualidade
de chefes do executivo, exerçam influência
ou prejudiquem a obtenção das provas,
quanto definitivamente em função
de efeito extrapenal específico.
6. As infrações
político-administrativas são processadas
julgadas pela Câmara de Vereadores mediante
procedimento específico, delimitado no
Dec.-Lei 201/67.
7. No curso de ação
civil pública, é possível
o afastamento cautelar de agente público
do exercício do cargo, emprego ou função,
desde que preenchidos os requisitos dessa medida:
fumus boni juris e periculum in mora,
este consubstanciado na demonstração
da necessidade do afastamento para garantia de
efetividade da instrução processual,
e aquele pela existência de elementos nos
autos indicando a plausabilidade do direito pretendido
pelo autor.
8. A influência negativa
do Prefeito no andamento regular da instrução
pode se dar no curso de ação civil
pública visando apurar ato de improbidade
imputado a ele ou a terceiro; nesta última
hipótese, sua conduta pode configurar crime
que deverá ser apurado em processo penal,
em o qual podem ser decretados o afastamento cautelar
e/ou a prisão preventiva pelo Tribunal
de Justiça.
9. Na hipótese de o afastamento
do Prefeito ser necessária para apuração
de ato de improbidade que lhe é atribuído
em ação civil pública, a
competência para ordenar tal medida é
do Tribunal de Justiça do Estado, por força
do art. 29, X, da CF/88.
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