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Cesta Básica Legal

Affonso Ghizzo Neto - Promotor de Justiça Substituto/SC

Finalmente podemos considerar a prestação de Cesta Básica uma modalidade de pena legalmente prevista em nosso Ordenamento Jurídico. Questão até então tormentosa, que vinha causando flagrante divergência doutrinária, e mesmo jurisprudencial, a possibilidade de imposição da obrigação de fornecer Cestas Básicas de alimentos, remédios ou outros gêneros, à entidades com destinação social, quando da Transação Penal - art. 76 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 -, realizada entre o Órgão do Ministério Público e o criminoso "anão" (menor potencial ofensivo), hoje se torna pacífica. Com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais, houve o início, ainda tímido, da imposição de Cestas Básicas quando do ofertamento da Transação Penal. Os críticos opositores, relutantes à aplicabilidade dessa obrigação, amparavam seus posicionamentos na suposta ilegalidade da medida, ou seja, única e exclusivamente, pela falta do "devido e necessário" amparo legal. A matéria realmente era polêmica, entretanto, já nos posicionávamos, anteriormente, respeitadas todas as opiniões em contrário, pela aplicabilidade da medida, quando da Transação Penal, bem como pelo entendimento da implícita legalidade constitucional dessa obrigação, respaldada pelo caráter social e moral da concessão de Cestas Básicas a instituições de serviços sociais vinculadas à comunidade do local aonde perpetrado o delito.

Ademais, conjugado com a estrita legalidade, deverá transparecer o bom senso, harmonizando o direito à justiça, a lei inflexível à sensibilidade humana, afinal, não é a norma, em si, um fim, mas sim, um meio, no alcance da paz e da harmonia social, finalidade máxima de uma sociedade justa e fraterna. Como ensina o incomparável CANOTILHO: "O mais alto tributo do direito é sua finalidade social; já se vai tornando clássico um conceito da Doutrina de Geny de que nem todo direito está contido na legalidade. A lei de fato não abrange todas as peculiaridades da vida contidas nos seus mais vários matizes".

Na prática, o que tive oportunidade de observar, foi a responsabilização penal de criminosos de delinqüência reduzida, ou seja, que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, satisfazendo não só a Pretensão Punitiva Estatal, como, também, através da sanção imposta, a satisfação Social do Estado, realizando-se em nome Deste, uma extraordinária e revolucionária contribuição material à comunidade local menos valida.

Cabe a nós, aplicadores do Direito, questionarmos os verdadeiros anseios sociais. O que seria socialmente mais benéfico? A aplicação de multa, expressa e legalmente prevista, destinada a um certo fundo Federal, de destinação muitas vezes duvidosa; ou a imposição de Cestas Básicas destinadas a instituições sociais, com o efetivo e comprovado benefício comunitário local?

A meu sentir, tomando por base minha modesta experiência prática no dia-a-dia forense, a aplicação de Cestas Básicas, quando da transação penal, é medida justa, moral e necessária, motivada no próprio espírito legal e, principalmente, nos anseios sociais imediatos e concretos, interagindo o infrator ao meio social, sem descuidar de sua responsabilização criminal.

Entretanto, pondo fim a polêmica, em boa hora, o legislador brindou-nos com o tão "desejado" amparo legal, previsto no §2° do art. 45, combinado com o inciso I do art. 43, ambos do Código Penal Brasileiro, alterado pela Lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998, que instituiu a pena restritiva de direito na modalidade de prestação alternativa, flexivelmente determinada, permitindo, portanto, a imposição da obrigação de fornecer Cestas Básicas (alimentos, remédios etc).

Assim, no que respeita o Instituto da Transação Penal - art. 76 da Lei n. 9.099/95 -, o Ministério Público poderá propor a imediata aplicação de pena restritiva de direito na modalidade de prestação alternativa, consistente na obrigação do infrator entregar Cestas Básicas em uma das instituições de serviço social local, previamente cadastradas em juízo.

Não pode ser outro o entendimento. Vejamos:

Com as alterações introduzidas no Código Penal Brasileiro pela Lei n. 9.714/98, a primeira modalidade de pena restritiva de direitos passou a ser a prestação pecuniária - inciso I, art. 43 - consistente "no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. [...]", inteligência do §1° do art. 45 do mencionado Diploma Legal. (destacamos).

Como podemos observar, esta prestação deverá ser ofertada em espécie (dinheiro) ao ofendido, seus dependentes ou, ressalta-se, à entidade pública ou privada com destinação social.

Todavia, o §2° do citado artigo, exigindo a aceitação do infrator-beneficiário, possibilita a constituição da prestação pecuniária em outra de natureza diversa, que não em dinheiro, onde certamente poderá ser incluída a prestação de Cestas Básicas.

Cabe ressaltar, por pertinente, a inerente natureza bilateral do Instituto da Transação Penal, onde o Ministério Público dispõe da ação penal propondo ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação de pena não privativa de liberdade, dependente necessariamente da aceitação do infrator. Assim, o requisito ‘aceitação’, exigido na Lei - 9.714/98 - para constituição da prestação pecuniária em outra de espécie diversa, se fará automaticamente presente.

Finda a polêmica principal, qual seja, a legalidade da obrigação de prestar Cestas Básicas, poderia se indagar se o valor mínimo previsto no §1° do art. 45 do Estatuto Repressivo, deveria ser necessariamente observado na estipulação valorativa da prestação alternativa, no nosso caso, no valor da Cesta Básica obrigada.

Certamente o Promotor de Justiça deverá, considerando as peculiaridades de cada caso em concreto, verificando as reais condições financeiras do infrator-beneficiário, respeitar os limites legais, quando do arbitramento do valor da obrigação da prestação pretendida - Cesta Básica, determinando-o entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.

Porém, como a prática cotidiana tem demonstrado, não raras as situações, este valor poderá representar a inviabilidade da aceitação da medida por parte do infrator, levando-se em conta a triste realidade econômica da grande maioria da população, o que deverá ser resolvido com bom senso em cada caso específico, atribuindo-se, por uma questão de política criminal, respeitado o princípio norteador da própria Lei do Juizado Especial Criminal, um valor inferior ao previsto em lei, compondo-o, individualmente, à realidade financeira de cada infrator.

Por certo, nos referimos ao óbvio, buscando unicamente, após esta reflexão, conclamar toda Comunidade Jurídica para a imediata aplicação da pena restritiva de direito na modalidade de prestação alternativa (§2°, art. 45, c/c, inc. I, art. 43, CPB), consistente na obrigação de prestar Cestas Básicas de alimentos, remédios, etc; sem dúvida, uma medida verdadeiramente socializante, seja para o infrator, seja para a instituição beneficiada, preferencialmente determinada entre as existentes no local aonde ocorreu o ilícito, após, é claro, o devido cadastramento em juízo.

"A letra mata; o espírito ao invés vivifica" (Segunda Epístola de Paulo Apóstolo aos Coríntios, Capítulo III, Versículo VI). Cabe a todos nós a construção de uma Sociedade mais digna e justa.

 
 
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