Antônio Fernando do Amaral e Silva Desembargador
"Preveni-la, a delinqüência juvenil,
é impedir um genocídio social que
se permite esteja sendo praticado contra milhares
de menores, espalhados nos quatro cantos deste
país e que, produtos de um processo de
socialização divergente, disfuncionados,
convertem-se em infratores porquanto não
se lhes oferecem outras opções,
não se satisfazem, a tempo próprio,
as suas necessidades básicas (suas carências,
isoladas ou não, são múltiplas:
econômicas, sociais, físicas e psíquicas)
nem se busca desenvolver as suas potencialidades
positivas." Cesar Barros Leal SUMÁRIO: 1. Generalidades
1.1. A criminalidade como fenômeno global
1.2. A delinqüência juvenil
1.3. A delinqüência juvenil no Brasil
2. O Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Delinqüência Juvenil
2.1. Generalidades
2.2. Dificuldades para implementação
de políticas públicas de prevenção
e resposta
2.3. A violência contra crianças
e adolescentes
2.4. A violência de crianças e adolescentes
3. Prevenção da Delinqüência
Juvenil
3.1. Prevenção Primária
3.2. Prevenção Secundária
3.3. Prevenção Terciária
4. Conclusões
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, abordando alguns aspectos
da chamada delinqüência juvenil, não
traz nada de novo. Trata-se de despretensiosa
reflexão a respeito das causas, da importância
e da necessidade imediata de políticas
de prevenção.
Procura-se demonstrar serem, a violência
e a criminalidade, fenômenos universais,
que nos últimos tempos vêm crescendo
de forma assustadora. Enfatiza-se que a chamada
delinqüência juvenil, parte do fenômeno,
tem sido vista de ângulo distorcido, principalmente
quando se alarga o seu conceito para abranger
comportamentos indiferentes ao Direito Penal.
São ressaltadas a impropriedade e os reflexos
negativos da interferência do sistema policial
e repressivo em casos de crianças e jovens
apenas necessitados de proteção.
Ao analisar as causas da delinqüência
juvenil e da crescente violência urbana
destaca-se que o fenômeno decorre, principalmente,
da injusta distribuição de renda,
da miséria e da falência das políticas
sociais básicas.
A violência urbana vem ensejando apelos
a atitudes repressivas que nada resolvem, apenas
provocam mais violência e criminalidade.
Procura-se demonstrar que tão simplória
proposta (prisão para averiguações,
exacerbação de penas, julgamentos
sumários, batidas policiais, etc.), além
de antijurídica não tem justificativa,
conflitando-se com os mais elementares princípios
de criminologia.
O trabalho enfatiza a importância da prevenção,
salientando os três níveis da respectiva
política. No aspecto primário, os
direitos fundamentais e as políticas sociais
básicas. Prevenção secundária,
mediante assistência educativa, programas
de apoio, auxílio e orientação
ao jovem e à família. Prevenção
de terceiro nível, através da Criminologia
Clínica.
A exposição finaliza com uma síntese
da matéria, objetivando deixar consignado
a importância da prevenção
e da necessidade urgente das respectivas políticas.
Reproduz-se, no anexo, as Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinqüência
Juvenil, conhecidas como Diretrizes de Riad.
1. Generalidades.
1.1. A criminalidade como fenômeno global.
Fenômeno universal, a criminalidade cresce
assustadoramente. Nos países desenvolvidos
ou nas nações do terceiro mundo,
a prática de delitos, marcada pela violência,
é uma constante, inclusive nas médias
e pequenas cidades.
Em que pese a desconfiança da estatística
criminal, a verdade é que os registros
indicam aumento preocupante da delinqüência,
sendo impossível se aquilatar o verdadeiro
alcance, pois a maioria dos delitos, tenham a
conotação que tiverem, permanece
encoberta.
A maior parte dos crimes contra o patrimônio,
contra a administração pública,
contra a propriedade intelectual, contra a organização
do trabalho, contra a saúde e até
contra a pessoa, integra as cifras negras da criminalidade.
Medo dos criminosos, falta de confiança
na punição e no sistema repressivo;
certeza de incômodos sem reparação
moral ou material e comodismo, podem ser relacionados
entre as causas da ocultação da
criminalidade. A idéia segundo a qual a
maioria dos crimes denunciados redunda em impunidade,
principalmente se o ofensor pertence às
classes mais favorecidas, muito contribui para
as cifras negras, estimulando a falta de iniciativa
das vítimas.
A delinqüência juvenil, igualmente
preocupante, não deve ser dissociada da
questão da criminalidade. Há que
ser discutida a partir de dados reais e científicos,
sem o exagero daqueles que minimizam, e sem a
paixão dos que procuram maximizar seus
efeitos.
A delinqüência juvenil existe e está
aumentando. Inclusive a violenta. Todavia, não
é a única. A adulta é maior
e mais grave. Qualquer política de prevenção
tem de considerá-la, sendo certo que uma
das causas da patologia da violência é
o descaso com que a matéria vem sendo tratada.
1.2. A delinqüência juvenil
O conceito de delinqüência juvenil
tem sido alargado para abarcar comportamentos
não tipificados nas leis penais, como acontecia,
por exemplo, no país, com o ab-rogado Código
de Menores, que sancionava o desvio de conduta.
O menor em "situação irregular"
podia ser privado de liberdade, em estabelecimento
penitenciário, sem determinação
de tempo e sem o devido processo legal, aí
permanecendo, inclusive, depois de atingida a
maioridade, só sendo liberado pelo juiz
das execuções penais. Confira-se
arts. 2º, inciso V e 41, § 3º.
A moderna inclinação no sentido
de restringir a delinqüência juvenil
às infrações do Direito Penal
foi seguida pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, que atendeu às Regras de
Beijing.
O equívoco de incluir na delinqüência
juvenil fatos penalmente indiferentes, tem conduzido
a injustiças. As decisões tutelares,
geralmente, resultavam em medidas mais severas
para os menores, além de se revelarem completamente
ineficazes na prevenção dos delitos
e na recuperação de jovens.
Linguagem obscena, inadaptação
social, familiar ou escolar, permanência
nas ruas, afastamento da casa paterna e indisciplina,
em algumas legislações correspondem,
na prática, a respostas mais severas do
que a adultos em casos análogos. Acresce
serem tais comportamentos indiferentes às
leis penais.
É clássico o caso Estado do Arizona
x Gault em que o jovem, por palavreado obsceno,
foi sentenciado a internamento (privação
de liberdade) por até seis anos para ser
"tratado". O processo, submetido à Suprema
Corte resultou na constatação de
que os Tribunais de Menores ditos Tutelares, não
reconheciam os direitos fundamentais.
O julgamento da Suprema Corte marco importante
na história do Direito do Menor desmistificou
o caráter Tutelar de medidas punitivas,
disfarçadas em protetivas.
Manzanera (1) critica a intervenção
da justiça juvenil em casos paradelinqüenciais
ou de desvio de conduta. Observa o jurista:
"Se discute el derecho de los tribunales de menores
a intervenir para evitar que menores predispuestos
a la delincuencia se conviertan en delincuentes,
no sólo desde un punto de vista estrictamente
legal, sino también porque los servicios
judiciales actuales no garantizan que esa intervención
produzca resultados satisfactorios. Se sabe, en
efecto, que aun en las comunidades más
avanzadas los recursos disponibles son demasiado
limitados para asegurar el logro del objectivo
perseguido.
"La intervención de los tribunales de
menores, en los casos de menores necesitados de
cuidado y protección, pero que no han cometido
ningún delito, puede producir o acentuar
una reacción de resistencia y hostilidad."
O envolvimento da polícia judiciária
com crianças e jovens que não estejam
em situações delinqüenciais
(crimes) é desconselhável. Pode
provocar reações de resistência
e hostilidade, predispondo à violência.
A delinqüência juvenil decorre principalmente
do meio. Entre suas causas avultam marginalização
social e desestruturação familiar,
que não podem ser combatidas através
de medidas simplistas.
O recolhimento, o confinamento temporário,
a internação paternalista ou policialesca,
nada resolvem. Ao contrário, agravam o
problema e sua inadequação é
proclamada, principalmente nos países mais
desenvolvidos.
Os casos de assistência social têm
de ser atendidos por equipe especializada, nada
aconselhando o sejam, salvo excepcionalmente,
por agentes da segurança pública.
Estes devem garantir e apoiar o trabalho dos agentes
do serviço social, dos educadores sociais
de rua, etc...
1.3. Delinqüência juvenil no Brasil
Em 1980, portanto há mais de dez anos,
o grupo de juristas coordenado por José
Arthur Rios (2) , que por designação
do Ministro Petrônio Portela, estudou as
causas da criminalidade e da violência,
assim se pronunciou:
"No que tange ao MENOR INFRATOR, que já
se constitui na quase justificativa da conduta
do MENOR ABANDONADO, há hoje uma grande
intranqüilidade em razão dos estudos
e investigações procedidas em outros
Países e no Brasil, admitindo que possam
se agrupar da seguinte maneira, em uma síntese
formulada pelas autoridades nessa grande problemática:
"a) Desorganização ou inexistência
de um grupo familiar;
"b) Condições impróprias
ou inadequadas da personalidade dos pais, decorrendo
daí a ausência de afeto e de autoridade;
"c) Renda familiar insuficiente, modesta ou mesmo
vil;
"d) Desemprego, subemprego com rentabilidade
deficiente;
"e) Falta de instrução e de qualificação
profissional dos membros familiares;
"f) Moradia ou habitação inadequada
e condições precaríssimas,
inclusive de higiene, facilitando a proliferação
do vício em todas as escalas."
Mário Altenfelder (3) advertia:
"Entende-se, portanto, que a marginalização
do menor é aspecto e manifestação
do processo social que marginaliza certos grupos
sociais, os quais, por sua vez, marginalizam em
massa o menor, quando:
" transferem para este menor as marcas de sua
indigência econômica e financeira;
"abandonam-no, carente e desassistido, forçando-o
à prática de atividades marginalizantes;
"provocam, pelas condições de mobilidade,
habitação, saúde, incultura,
subdesenvolvimento etc., a desintegração
individual do menor em todos os aspectos.
"Esse menor passa a ser, então, dentro
da comunidade nacional, `menor problema social'
e, assim, resíduo final de um complexo
processo social que apresenta estágios
de evolução ou graus diferentes
de apresentação. Inicia-se com o
menor em vias de marginalização
social e culmina com o menor infrator, considerando-se
a criminalidade o grau máximo de marginalização
social."
A delinqüência juvenil decorre da
miséria em que vivem milhares de famílias,
as quais transferem a pobreza às crianças
e jovens, muito cedo compelidos a lutar pela vida.
Nas ruas, onde buscam recursos, logo se vêem
submetidos a exploração e a toda
sorte de violências, principalmente dos
adultos. Condicionados pelo meio, acabam cometendo
atos anti-sociais de sobrevivência. Uma
equivocada política de segurança
pública, ao invés de apoiar ações
de serviço social, garantindo o trabalho
dos educadores sociais, arbritrariamente retira
esses meninos e jovens da rua, devolvendo-os ao
mesmo lugar, mais revoltados e agressivos. O equivoco
resulta no camburão social e no ciclo perverso,
identificados por Antônio Carlos Gomes da
Costa (4), produtores e reprodutores de violência
e delinqüência, como observou Deodato
Rivera (5).
Cesar Barros Leal (6), em excelente dissertação,
centrada nos fatores e na prevenção
da delinqüência juvenil, referindo-se
às causas, assim explica o fenômeno:
"No Brasil, a delinqüência juvenil
é um problema eminentemente estrutural.
Os menores delinqüentes ou infratores não
importa como sejam rotulados em sua maior parte
são procedentes das classes desfavorecidas
e praticam, no mais das vezes, delitos contra
o patrimônio, destacando-se entre eles o
furto.
"Trata-se, a delinqüência juvenil,
de um problema complexo, de múltiplas variáveis.
Por isso mesmo, pela diversidade de seus fatores
endógenos e exógenos, essa, de forma
alguma, pode ser vista de um ângulo isolado.
Entre os fatores exógenos estão
incluídos: a) o desenvolvimento; b) a urbanização;
c) a pobreza; d) a família; e) a falta
de escolaridade; f) o convívio social impróprio;
e g) os meios de comunicação social."
2. O Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Delinqüência Juvenil
2.1. Generalidades
As causas da delinqüência juvenil
e da crescente violência urbana, de longa
data, vêm sendo ligadas à marginalização
social. Embora existam outros fatores, a grande
maioria dos atos delinqüenciais praticados
por jovens, tem origem nas situações
particularmente difíceis em que se encontram.
O prefixo sub caracteriza suas vidas: subnutridos,
vivendo do subsalário, na submoradia, no
subemprego, pertencem a um submundo, impenetrável
às políticas públicas, salvo
a da segurança e, assim mesmo, de forma
equivocada.
Sendo de sobrevivência e de ocasião
a maioria das infrações praticadas
por crianças e adolescentes, o que preocupa
mais é a patologia da violência,
como observou com propriedade Hain Grünspun
(7).
O Estatuto, atento as Beijing Rules, determina
a desjudicialização das hipóteses
sem gravidade, preconizando medidas protetivas
ou preventivas, independentemente de processo
formal. Para reincidentes ou violentos, prevê
ação de pretensão sócio-educativa.
Os casos de reincidência, gravidade, violência,
podem resultar em medidas mais severas, inclusive
privação de liberdade, em flagrante
ou provisória. Em qualquer hipótese,
observados os direitos constitucionais.
O novo modelo consagra: prevenção
primária, multissetorial, assegurando direitos
fundamentais saúde, educação,
esporte, lazer, profissionalização,
etc., inclusive através de ações
cíveis públicas; prevenção
secundária, pelos Conselhos Tutelares com
medidas protetivas e assistência educativa
à família; prevenção
terciária, através de medidas sócio-educativas
reparação do dano, prestação
de serviços à comunidade, liberdade
assistida, semi liberdade e privação
de liberdade em estabelecimento educacional.
2.2. Dificuldades para a implementação
de políticas públicas de prevenção
e resposta
Miséria e desagregação familiar,
decorrentes da vergonhosa e injusta distribuição
de renda que caracterizam o país, além
da falência das políticas públicas
básicas, podem ser relacionadas como as
principais causas da onda de violência urbana
e, principalmente, da delinqüência
juvenil.
A distorcida visão do problema, encarado
isoladamente, vem ensejando apelos a atitudes
repressivas.
Prega-se em termos simplórios a violência,
a exacerbação das penas criminais,
a pena capital, os julgamentos sumários,
as batidas policiais, a prisão para averiguações,
e outras medidas arbitrárias, como se a
reação repressiva, por si só,
prevenisse a delinqüência.
A prevenção da delinqüência
não pode resultar de tão simplista,
antijurídica e equivocada proposta.
Nos tempos atuais não se justifica qualquer
sugestão que não seja técnico-científica.
Como diz Jason Albergaria (8):
"Definiu-se como uma espécie de `Magna
Carta' as conclusões do IV Congresso da
ONU em 1970, ao proclamarem como incindíveis
a política de defesa social e a planificação
do desenvolvimento (com vistas a exploração
de caminhos e meios para a planificação
da prevenção, contenção
e combate ao crime): `and to establish a better
society'. Para reforçar a sua ação
internacional nos domínios da prevenção
do crime e tratamento do delinqüente, a ONU
vem instalando os seus institutos de criminologia.
O Secretário-Geral U THANT, ao inaugurar
o Instituto de Roma, proclamava o importantíssimo
trabalho que o Instituto iria realizar no mundo.
Referindo-se especialmente à delinqüência
juvenil e à criminalidade do adulto, declarou:
`Este Instituto necessitará desenvolver
os conhecimentos indispensáveis ao progresso
da política de prevenção,
controle e estratégia da delinqüência
juvenil e da criminalidade do adulto. Esse novo
empenho da ONU consistirá não apenas
na fonte de luz a incidir sobre esse aspecto do
comportamento humano e da política nacional,
como também servirá como ponto focal
para a colaboração internacional
nesse campo'.
"Mais explicitamente o Instituto de Costa Rica
(ILANUD) sintetiza esse empenho da ONU nas suas
funções contidas no acordo firmado
com Costa Rica. A primeira função
consiste em `organizar cursos de formação
e notadamente de estudos teóricos e práticos
destinados a planificadores, pessoal especializado
e pessoas responsáveis pela elaboração
de políticas relativas à prevenção
do crime e tratamento do criminoso, etc'."
A falta de recursos, principalmente nas áreas
técnica e da pesquisa tem sido apontadas
como dificuldades da política de prevenção,
principalmente da delinqüência juvenil.
Se é que se pode falar em política
de prevenção da criminalidade, inexistente,
na prática, no país.
Qualquer política preventiva não
pode prescindir dos Conselhos Tutelares, devendo
exteriorizar-se através de programas preconizados
no Estatuto da Criança e do Adolescente:
orientação, apoio e acompanhamento;
assistência educativa à família;
auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos; liberdade
assistida; acompanhamento de egressos; restabelecimento
de vínculos familiares; serviços
especiais de prevenção e atendimento
médico e psicossocial às vitimas
de negligência, maus tratos, exploração,
abuso e crueldade; serviço de identificação
de pais, responsáveis, crianças
e adolescentes desaparecidos; proteção
jurídico social, etc...
2.2.2. Políticas Públicas de Resposta
À violência urbana, ao sentimento
de insegurança (crescentes em todos os
países), decorrência do terrorismo,
da criminalidade econômica e da delinqüência
juvenil, correspondem novos e insistentes apelos
por política penal repressiva.
A respeito da ineficácia de tal política
é de se transcrever o escólio de
Heleno Claudio Fragoso (9):
"Na medida em que a moderna Criminologia voltou-se
para o próprio sistema repressivo e o submeteu
a análise e pesquisa, pôde-se verificar
que certos princípios gerais, admitidos
como pressupostos, não correspondem à
realidade e devem ser postos em dúvida.
O efeito preventivo da ameaça penal não
está demonstrado; o efeito ressocializador
e preventivo da pena evidentemente não
existe, pelo menos no que diz respeito à
pena de prisão. O crime está em
função da estrutura social, que
não se modifica através do Direito
Penal. É reduzido, em conseqüência,
o papel que o sistema punitivo do Estado desempenha
em termos de prevenção, e, pois,
em termos de efetiva proteção e
tutela de valores da vida social. Verificou-se,
por outro lado, o alto custo social da repressão
punitiva, com a estigmatização,
a desigualdade, a corrupção, a morosidade
e as deficiências do sistema policial, judiciário
e penitenciário."
Afrânio Peixoto (10), criticando o critério
do discernimento e a redução da
idade da responsabilidade penal, advertia:
"Simplesmente abominável. Antes tivesse
sido a lei omissa em todos esses casos porque
`quando um menor comete um delito e o deixamos
fugir, são menores as probabilidades que
torne a praticar novo crime, do que se o punimos'
(VON LISZT).
"Como castigo de uma culpa somenos, vai a justiça
tonta levá-lo ao cárcere, onde,
na `universidade do crime' (GARRAUD) aprenderá
o que lhe falta, dos veteranos e dos inveterados,
para exercer cá fora, no primeiro momento,
talvez com aquela ânsia sôfrega que
têm os doutrinários de ensaiar, na
experiência, um conhecimento adquirido.
De um menino ou um rapaz culpado de falta venial,
vamos fazer, conscientemente, ineptamente, criminosamente,
um celerado, que nos vai punir pela nossa inqualificável
cegueira ou estupidez, com outros e multiplicados
crimes. Será, se me permitem comparação,
segregar um doentinho de sarampão, num
hospital de pestosos: e tal imbecil sociedade
ainda chamará `criminoso' ao menor delinqüente,
que ela vai transformar em grande celerado..."
Embora a repressão esteja completamente
falida, com resultados negativos, inclusive gerando
maior violência, a sociedade tem o direito
de se proteger. Para os casos onde a patologia
da violência esteja presente, o Estatuto
autoriza medidas de defesa social eficazes, a
serem impostas nas condições e hipóteses
recomendadas pelas Regras Mínimas da ONU
para a Administração da Justiça
Juvenil.
O desconhecimento dos princípios, das
normas, das garantias processuais, principalmente
a falta de estrutura para a aplicação
correta de medidas sócio-educativas muito
contribui para a inexistência de uma adequada
política de resposta à delinqüência
juvenil.
Instituições impróprias,
falta de pessoal qualificado, confinamento arbitrário
podem ser apontados como política equivocada.
Enquanto não se qualificar as áreas
policial, judicial e técnica; enquanto
a sociedade não se conscientizar da importância
da prevenção; enquanto os apelos
e as soluções continuarem centradas
na repressão, será muito difícil
implementar uma política correta de resposta
à delinqüência juvenil.
2.3. A violência contra crianças
e adolescentes
Um dos aspectos mais comuns em que a violência
se materializa, marcada pela impunidade, é
contra crianças e jovens, principalmente
marginalizados. Extermínio, privação
indevida e arbitrária de liberdade, maus
tratos, abusos sexuais, abandono... São
tantas e tão conhecidas as manifestações
da violência contra crianças e adolescentes,
que se torna desnecessária qualquer explicitação.
O fenômeno é por demais conhecido.
Está presente no dia a dia. O que se enfatiza
é que esses lamentáveis fatos constituem
importante elemento produtor e reprodutor de delinqüência.
Manzanera (11) abordando a questão da
vitimologia, demonstra a existência de relação
entre os abusos, maus tratos, abandono e posterior
delinqüência.
2.4. Violência de crianças e adolescentes
Embora a criminalidade adulta seja muito mais
violenta e danosa, crianças e jovens se
envolvem em atos anti-sociais violentos. Suas
vítimas não são apenas pessoas
da classe mais favorecida. Outras crianças,
jovens, trabalhadores, todos estão sujeitos
a violência cometida por adolescentes, isoladamente
ou em grupo. O fenômeno não é
local, é universal, mas, ainda não
se alcançou sucesso com medidas meramente
repressivas. Impõe-se valorizar a prevenção
e tratar os casos graves.
O perigo está na generalização,
atribuindo-se caráter nocivo a ações
anti-sociais, que não passam de recursos
de sobrevivência. Tenha-se presente que
a maioria dos atos infracionais cometidos por
adolescentes é contra o patrimônio,
sem qualquer violência.
Nuno Campos (12) em pesquisa sobre menores infratores
em Florianópolis, concluiu:
"Verifica-se, no referente aos crimes contra
o patrimônio, um grande percentual de furtos
simples; um pouco menos da metade do total dos
crimes contra o patrimônio. Isto indica
que o nosso menor infrator comete furtos sozinho
e de maneira primária. Furtos qualificados
o são pelo concurso de autores ou pelo
arrombamento, principalmente de automóveis.
Crimes contra o patrimônio com violência
à pessoa quase não ocorrem."
3. Prevenção da Delinqüência
Juvenil
Não se pode cogitar de vida social, sem
criminalidade ou delinqüência juvenil.
São elementos inseparáveis. O que
se deve questionar é o fato e suas conseqüências,
formulando-se políticas no sentido de reduzir
o fenômeno a níveis naturais, residuais.
A repressão deve ser reservada aos casos
extremos. Como observa com propriedade Cesar Barros
Leal (13):
"Preveni-la, a delinqüência juvenil,
é impedir um genocídio social que
se permite esteja sendo praticado contra milhares
de menores, espalhados nos quatro cantos deste
país e que, produtos de um processo de
socialização divergente, disfuncionados,
convertem-se em infratores porquanto não
se lhes oferecem outras opções,
não se satisfazem, a tempo próprio,
as suas necessidades básicas (suas carências,
isoladas ou não, são múltiplas:
econômicas, sociais, físicas e psíquicas)
nem se busca desenvolver as suas potencialidades
positivas."
3.1. Prevenção primária
Exterioriza-se a prevenção primária
através de medidas no sentido de garantir
os direitos fundamentais e as políticas
sociais básicas.
Se as causas da delinqüência juvenil
decorrem principalmente de fatores exógenos,
(Barros Leal) (14), a política de prevenção
deve se basear em medidas capazes de garantir
direitos básicos: saúde; liberdade
e dignidade; educação, convivência
familiar e comunitária, esporte lazer;
profissionalização e proteção
no trabalho.
Tenha-se presente, enquanto falharem as políticas
sociais básicas, dificilmente se logrará
prevenir a criminalidade. Saúde, educação,
profissionalização, esporte, lazer,
devem ser valorizados, principalmente a nível
comunitário.
A prevenção primária deve
se orientar no apoio às ações
dos Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente.
3.2. Prevenção Secundária
A prevenção secundária deve
se materializar através dos Conselhos Tutelares.
Se a etiologia da delinqüência aponta
geralmente para a falta de atendimento das necessidades
básicas; para a desagregação
familiar, para as más companhias; para
a exploração dos adultos; para a
falta de escolaridade; para o abandono; numa palavra
para a miséria; se muitos consideram em
estado de risco, jovens em dificuldades; é
claro que a prevenção secundária
deve se basear em programas de apoio, auxílio
e orientação ao jovem e à
família. Tais programas, preconizados no
Estatuto da Criança e do Adolescente, precisam
ser implementados com a máxima brevidade,
principalmente a assistência educativa a
ser gerenciada pelas comunidades locais.
Se a criança e o jovem em dificuldade
forem atendidos na própria família;
se o atendimento for de natureza educativa com
a participação do núcleo
familiar e comunitário, as perspectivas
de prevenção serão promissoras.
3.3. Prevenção Terciária
Exterioriza-se a prevenção terciária
através de medidas sócio- educativas
visando readaptar ou educar o adolescente infrator.
Matérias bastante controvertidas, diagnóstico,
prognóstico, tratamento, principalmente
periculosidade e inadaptação social,
devem ser vistos com cautela.
Não há como discutir, em tão
apertada síntese, a respeito das diversas
concepções em torno do assunto nem
abordar a chamada crise do conceito de periculosidade.
Apenas que a prevenção terciária
é um dos objetivos das chamadas medidas
sócio- educativas, que elas existem e são
necessárias.
O fato é que crianças e jovens,
às vezes, praticam ações
anti- sociais graves, violentas. Nesse caso, impõe-se
resposta, tratamento, medida sócio-educativa,
como queiram. A verdade é que tal resposta
deve variar conforme o fato e o agente, sempre
limitada pela humanidade, pela ética e
pelos princípios do Direito, de tal forma
que o jovem não seja penalizado com mais
rigor do que o adulto, muito menos desnecessariamente.
A prevenção da delinqüência
juvenil está ligada também ao relacionamento
do sistema de justiça com o jovem acusado.
Uma intervenção inadequada, violenta
ou arbitrária, pode trazer sérias
conseqüências. Do comentário
a Regra 19, das Regras Mínimas da ONU,
traduzidas por Maria Josefina Becker:
"A criminologia mais avançada advoga o
uso do tratamento não institucional. As
diferenças encontradas no grau de eficácia
da institucionalização em relação
à não institucionalização
são pequenas ou inexistentes. É
evidente que as muitas influências adversas
que todo estabelecimento institucional parece
exercer inevitavelmente sobre o individuo não
podem ser neutralizadas com um maior cuidado no
tratamento. Isso ocorre principalmente no caso
dos menores, que são especialmente vulneráveis
às influências negativas. Além
do mais, os efeitos negativos não apenas
da perda da liberdade, mas também da separação
do meio social habitual, são certamente
mais agudos em sua etapa inicial do desenvolvimento.
"A regra 19 pretende restringir a institucionalização
em dois aspectos: em quantidade (`último
recurso') e em tempo (`mais breve período
possível'), a regra 19 reflete um dos princípios
norteadores básicos da resolução
4 do 6º Congresso das Nações
Unidas: um menor infrator não deve ser
encarcerado a não ser que não haja
outra resposta adequada. A regra, portanto, proclama
o princípio de que, se o menor deve ser
institucionalizado, a perda da liberdade deve
limitar-se ao menor grau possível, com
arranjos institucionais especiais para contenção
e tendo em mente as diferenças entre tipos
de infratores, infrações e instituições.
Definidamente, os estabelecimentos `abertos' aos
`fechados'. Além do mais, qualquer instalação
deve ser do tipo correcional ou educativo e não
carcerária."
A prevenção terciária requer
alternativas para a privação de
liberdade como programas de liberdade assistida,
apoio e acompanhamento temporários, serviços
à comunidade, etc...
4. Conclusões
A delinqüência juvenil existe e está
aumentando. Como parte da questão da criminalidade,
deve ser encarada de forma realística e
científica.
Há que se afastar os exageros dos que
minimizam os seus efeitos ou maximizam suas proporções.
O conceito de delinqüência juvenil
não deve ser alargado. A moderna inclinação
é no sentido de restringi-lo às
infrações do Direito Penal.
A distorcida visão da delinqüência
juvenil, encarada isoladamente, vem provocando
apelos a atitudes repressivas, que nada resolvem,
apenas provocam mais violência e delinqüência.
Nos tempos atuais não se justifica qualquer
proposta que não seja técnico-científica.
A delinqüência juvenil decorre principalmente
do meio. Entre suas causas avultam marginalização
social e desestruturação familiar,
que não devem ser combatidas através
de medidas simplistas.
O recolhimento e o confinamento policialesco
nada resolvem. Ao contrário, agravam o
problema, sendo fatores produtores e reprodutores
de violência e delinqüência.
Sendo de sobrevivência (contra o patrimônio)
e de ocasião a esmagadora maioria das infrações,
o que deve preocupar mais é a patologia
da violência, reservando-se a intervenção
judicial às hipóteses de reincidência
e aos casos graves.
O envolvimento da polícia judiciária
com crianças e adolescentes que não
estejam em situações delinqüenciais,
é desaconselhável, pois pode provocar
resistência e hostilidade, predispondo à
violência e à delinqüência.
A falta de recursos, principalmente nas áreas
técnica e da pesquisa científica
pode ser apontada como a principal dificuldade
da política de prevenção.
A formulação de uma política
de prevenção está intimamente
ligada a proposta do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
A prevenção deve se realizar em
três níveis:
Primário, garantindo-se os direitos fundamentais
previstos na Lei nº 8.069/90, a melhoria
das políticas públicas básicas
e o apoio aos Conselhos da Criança e do
Adolescente.
Secundário, através dos Conselhos
Tutelares, por meio de programas protetivos, preconizados
pelo Estatuto: assistência educativa à
família; apoio, orientação
e acompanhamentos temporários; auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras
e toxicômanos; acompanhamento e apoio a
egressos; serviços de localização
de pais, responsáveis e adolescentes desaparecidos;
proteção jurídico-social;
serviços de prevenção e atendimento
médico e psicossocial às vitimas
de negligência, maus tratos, exploração,
abuso, etc...
Terciário, com medidas sócio-educativas,
visando a readaptação e a educação
do infrator.
Matérias controvertidas, periculosidade
e inadaptação social devem ser vistas
com cautela. O fato é que adolescentes,
às vezes, praticam ações
anti-sociais violentas, graves. Condutas que reclamam
limites para consciência da responsabilidade
social e defesa da sociedade. Tais limites só
podem ser impostos de forma educativa, com respeito
aos direitos constitucionais, principalmente ao
devido processo legal.
A resposta tratamento, medida ou o que seja,
deve ser balizada pela humanidade, pela ética,
pelos princípios do Direito, de tal forma
que o jovem não seja penalizado com mais
rigor do que o adulto e, muito menos, desnecessariamente.
A prevenção de terceiro grau requer
alternativas ao internamento (privação
da liberdade), através de programas de
liberdade assistida, apoio e acompanhamento temporários,
serviços à comunidade, reparação
do dano, etc...
Sob pena de ineficácia da respectiva política,
às instituições e pessoal
encarregado da prevenção terciária,
devem ser proporcionados recursos e qualificação.
A prevenção da delinqüência
juvenil está ligada a muitos fatores, mas
a proposta do Estatuto da Criança e do
Adolescente pode ser o melhor caminho.
NOTAS
1. MANZANERA, Luiz Rodriguez. Criminalidad de
Menores. Editorial Porrúa, México,
1987, págs. 370/371.
2. RIOS, José Arthur. Criminalidade e
Violência. Relatórios dos Grupos
de Trabalho de Juristas e Cientistas Sociais.
Ministério da Justiça, Brasília,
vol.I, pág. 33.
3. ALTENFELDER, Mário. A Prevenção
como fator de criminalidade no Brasil. Ministério
da Justiça, Brasília, 1980, vol.I,
pág. 332.
4. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. O conceito
de risco pessoal e social Brasil Criança
Urgente. Columbus Cultural, São Paulo,
1989, págs. 43/45.
5. RIVERA, Deodato. Informe de um plantão
na Delegacia de Menores do Distrito Federal, em
Dezembro de 1987. Columbus Cultural, São
Paulo, 1989, pág. 123.
6. LEAL, César Barros. A Delinqüência
Juvenil seus Fatores Exógenos e Prevenção.
Aide Editora, Rio, 1983, págs. 168/169.
7. GRüNSPUN, Hain. Os Direitos dos Menores.
Almed, São Paulo, 1985, pág. 86.
8. ALBERGARIA, Jason. Criminologia Teoria e Prática.
Aide Editora, Rio, 1988, págs. 252/253.
9. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições
de Direito Penal. Forense, Rio, 1986, vol. I,
pág. 17.
10. PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. Saraiva,
São Paulo, 1953, pág. 138.
11. MANZANERA, Luiz Rodriguez. Idem, págs.
194/195.
12. CAMPOS, Nuno. Menores Infratores. Universidade
Federal de Santa Catarina, 1979, pág. 78.
13. LEAL, César Barros. Idem, págs.
127/128.
14. LEAL, César Barros. Ibidem, pág.
87.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. ALBERGARIA, Jason. Criminologia Teoria e
Prática. Aide Editora, Rio, 1988.
02. ALTENFELDER, Mário. A Prevenção
como fator de criminalidade no Brasil. Ministério
da Justiça, Brasília, 1980, vol.
I.
03. CAMPOS, Nuno. Menores Infratores. Universidade
Federal de Santa Catarina, 1979.
04. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. O conceito
de risco pessoal e social Brasil Criança
Urgente. Columbus Cultural, São Paulo,
1989.
05. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições
de Direito Penal. Forense, Rio, 1986, vol. I.
06. GRüNSPUN, Hain. Os Direitos dos Menores.
Almed, São Paulo, 1985.
07. LEAL, César Barros. A Delinqüência
Juvenil Seus Fatores Exógenos e Prevenção.
Aide Editora, Rio, 1983.
08. MANZANERA, Luiz Rodriguez. Criminalidad de
Menores. Editorial Porrúa, México,
1987.
09. PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. Saraiva,
São Paulo, 1953.
10. RIOS, José Arthur. Criminalidade e
Violência. Relatórios dos Grupos
de Trabalho de Juristas e Cientistas Sociais.
Ministério da Justiça, Brasília,
vol. I.
11. RIVERA, Deodato. Informe de um plantão
na Delegacia de Menores do Distrito Federal, em
Dezembro de 1987. Columbus Cultural, São
Paulo, 1989.
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