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O que é Direito Alternativo

Lédio Rosa de Andrade, Juiz de Direito da Comarca de Tubarão e Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
 

1. O que não é Direito Alternativo.

Os detratores do Direito Alternativo, na falta de um argumento inicial forte para combatê-lo, criaram uma falsa imagem sobre ele, estereotipando-o de um movimento de jurista contra a lei, pregadores do voluntarismo jurídico. O magistrado, sem limites, está livre para julgar segundo critérios próprios.

Muitos textos já foram escritos sobre Direito Alternativo. Entre eles, vários cuidaram de desfazer essa falsa idéia. Entretanto, após sete anos de vida, o movimento do Direito Alternativo ainda enfrenta essa crítica como a principal. O pior é que ela surtiu efeito, pois grande parte dos juristas brasileiros, neófitos no assunto, acreditam ser ela verdadeira. Alunos, professores, advogados, promotores de justiça e magistrados estão convictos do caráter anômico do alternativismo. Chegam a afirmar, por escrito, tal atitude, caindo em prática acadêmica de duvidosa ética, pois jamais mencionaram as fontes para embasar tais acusações. Há um grave erro epistemológico nestas críticas ao Direito Alternativo, pois suas bases não encontram comprovação empírica ao se analisar o discurso justificador da alternatividade.

Para escrever minha tese de doutorado na Universidade de Barcelona, Espanha, li praticamente tudo o que foi escrito sobre Direito Alternativo, ressalvados alguns textos em jornais de ínfima circulação, e posso afirmar categoricamente que nenhum autor alternativo coloca como base teórica ou prática, até mesmo como um dos requisitos do Direito Alternativo, a anomia, o voluntarismo jurídico e a crítica à lei em si. Sequer o método positivo é alvo central da crítica dos operadores jurídicos alternativos. Esta circunscreve-se a combater a teoria e a ideologia juspositiva. Isso será visto ao final.

2. Um pouco de história.

O Direito Alternativo ou Movimento do Direito Alternativo é um movimento de juristas, ou seja, um grupo de pessoas com certos objetivos comuns que se organizaram, no Brasil, para produzir uma nova forma de ver, praticar e ler o Direito, a partir do ano de 1990. De início eram apenas juizes de Direito, hoje abrange também advogados, promotores de justiça, professores, estudantes, procuradores, em fim, todo profissional vinculado à Ciência Jurídica.

O germe do Direito Alternativo pode ser identificado em alguns juízes de Direito que judicavam descontentes no tempo da ditadura militar brasileira e que se encontram nas reuniões efetuadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros com o propósito de elaborar propostas ao Congresso Constituinte.

O primeiro passo para o início do Direito Alternativo foi a criação de um grupo de estudos, organizado por alguns juízes de Direito gaúchos, comuns e trabalhistas. Nesse mesmo tempo, alguns juristas não magistrados, como Edmundo Lima de Arruda Júnior, Antônio Carlos Wolkmer, Miguel Pressburger, Miguel Baldez, Clèmerson Merlin Clève, entre outras, influenciados pelo movimento italiano uso alternativo do Direito, já falavam da possibilidade de criação de um Direito Alternativo, isso por volta do ano de 1987.

O episódio histórico responsável pelo surgimento do movimento Direito Alternativo ocorreu no dia 25 de outubro de 1990, quando um importante jornal denominado Jornal da Tarde, de São Paulo, veiculou um artigo redigido pelo jornalista Luiz Maklouf, com a manchete JUÍZES GAÚCHOS COLOCAM DIREITO ACIMA DA LEI. A reportagem buscava desmoralizar o grupo de estudos e, em especial, o magistrado Amílton Bueno e Carvalho. Ao contrário do desejado, acabou dando início ao movimento no mês de outubro de 1990, sendo o I Encontro Internacional de Direito Alternativo, realizado na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, nos dias 04 a 07 de setembro de 1991 e o livro Lições de Direito Alternativo 1, editora Acadêmica, os dois marcos históricos iniciais.

3. Sua proposta.

O movimento não possui uma ideologia, mas pontos teóricos comuns entre seus membros, destacando-se: 1) não aceitação do sistema capitalista como modelo econômico; 2) combate ao liberalismo burguês como sistema sociopolítico; 3) combate irrestrito à miséria da grande parte da população brasileira e luta por democracia, entendida como a concretização das liberdades individuais e materialização de igualdade de oportunidades e condição mínima e digna de vida a todos; 4) uma certa simpatia de seus membros em relação à teoria crítica do Direito. Há uma unanimidade de crítica ao positivismo jurídico (paradigma liberal-legal), entendido como uma postura jurídica técnica-formal-legalista, de apego irrestrito à lei e de aplicação de uma pseudo interpretação lógica dedutiva, somada a um discurso apregoador: a) da neutralidade ou avaloratividade; b) do formalismo jurídico ou anti-ideológica do Direito; c) da coerência e completude do ordenamento jurídico; d) da fonte única do Direito e da interpretação mecanicista das normas efetuada através de um método hermenêutico formal/lógico/técnico/dedutivo.

Os juristas alternativos, em desacordo com a teoria e a ideologia juspositiva, denunciam: a) ser o Direito, político, parcial e valorativo; b) representar, o formalismo jurídico, uma forma de escamotear o conteúdo perverso de parte da legislação e de sua aplicação no seio da sociedade; c) não ser o Direito coerente e completo. Suas antinomias (contradições) e lacunas (vazios) são várias e explícitas; d) ser a lei fonte privilegiada do Direito, mas a ideologia do intérprete dá o seu sentido, ou o sentido por ele buscado. A exegese de um texto legal não é declarativa de seu conteúdo, mas, bem ao contrário, e axiológica e representa os interesses e fins perseguidos pelo exegeta.

Para sua práxis, o movimento defende: 1) Positivismo de Combate hoje chamado de positivação combativa. Trata-se de uma luta pelo cumprimento de várias leis, todos com conteúdos sociais, em pleno vigor, mas não cumpridas de fato; 2) Uso alternativo do Direito. É uma atividade hermenêutica. Realiza-se uma exegese extensiva de todos os textos legais com cunho popular e uma interpretação restritiva das leis que privilegiam as classes mais favorecidas, privilegiando-se a Constituição Federal. Trata-se de uma interpretação social ou teleológica das leis, ou seja, dar um sentido à norma buscando atender (ou favorecer) as classes menos privilegiadas ou a maioria da sociedade civil. É o contrário do realizado pelos juristas tradicionais, quando restringem as normas populares e ampliam as beneficiadoras das classes que lhes interessam; 3) Direito Alternativo em sentido estrito. É o ponto mais polêmico e extrapola os limites deste artigo. Trata-se de uma visão do Direito sob a ótica do pluralismo jurídico. Privilegia-se, como novo paradigma para a Ciência Jurídica, o Direito existente nas ruas, emergente da população, ainda não elevado a condição de lei oficial. Admite-se como Direito as normas não estatais, inclusive como fonte legitimadora do novo paradigma jurídico. Neste ponto, há divergências teóricas no próprio movimento. Eu não concordo com esse entendimento, pois até o momento, a meu ver, não conseguiu sustentação teórica capaz de justificar uma teoria jurídica alternativa. Acaba caindo nos mesmo equívocos do juspositivismo criticado. De todas formas, o Direito Alternativo é uma movimento que se legitima por sua postura transformadora, de busca de mudança da tétrica situação socioeconômica do Brasil, cuja responsabilidade também é das instituições jurídicas.

Livros do autor: Juiz Alternativo e Poder Judiciário, ed. Acadêmica; Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro, ed. Livraria do Advogado e O que é Direito Alternativo, ed. Obra Jurídica.

 
 
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