Jorge Henrique Schaefer Martins * **
Vivemos em um mundo de contrastes
e de conflito de idéias. Isso atinge também
o Direito Penal, na medida em que se propugna
pela mídia, vicejando no sentimento geral
do povo, a idéia de que se deve, cada vez
mais, buscar na reprimenda penal a solução
dos males da sociedade, vendo-se a sanção
penal somente como o aprisionamento.
Todavia, olvidam-se os defensores
de tal pensamento, das injustiças que possam
vir a ser cometidas com a adoção
de tal ideário, sem falar na total ineficácia
do combate às razões da criminalidade,
unicamente com a edição de diplomas
legais exasperados.
Observando-se os comentários
de LUIZ FLÁVIO GOMES 1 acerca de punição
imposta a quem furtou um chocolate no valor de
US$ 1,00 (um dólar americano) no Estado
do Texas, consistente em 16 (dezesseis) anos de
prisão, verifica-se o contra-senso que
ainda impera em unidade da federação
de país onde os direitos à liberdade
foram e são tão decantados. Buscou
justificar o Promotor do caso, segundo o renomado
doutrinador, que o crime não foi a subtração
daquele bem de ínfimo valor, mas o conjunto
de ilícitos penais praticados pelo infrator
anteriormente, trazendo como suporte à
gravosa penalidade, quem era a pessoa, e não
o bem jurídico que efetivamente infringiu.
Adotando-se, como querem alguns
desavisados, a prática de punir sempre
rigorosamente, estar-se-á ofendendo ao
princípio da proporcionalidade da pena,
já presente no Código de Hammurabi
- datado de 1680 A . C. 2 e, mais ainda, afastando-se
o seu objetivo pedagógico. Consistirá,
unicamente, em vingança do Estado contra
o indivíduo.
Resta claro que alguns crimes,
infelizmente, devem sofrer penalidades severas,
tanto por sua natureza, como pela qualidade do
agente. Deve-se, por conseguinte, separar o joio
do trigo, dando-se ao infrator não perigoso
um tratamento diferenciado, e ao que cometeu delito
que afronte a sociedade, as regras penais rigorosas.
Contudo, não se trata
de posicionamento uniforme, como se vê da
posição do jurista e advogado Nilo
Batista 3, que se insurge contra a prática
de tal postura, o que permite a seguinte observação:
Mesmo assim, críticas
existem a esse entendimento, por compreendê-lo
como representativo de um maniqueísmo
penal, no qual se observa a clara existência
de respostas e padrões distintos para clientes
distintos, assim entendidos o bom delinqüente
(aquele que comete crimes no trânsito, lesões
corporais leves, estelionato negocial) e o infrator
perigoso (praticante de crimes considerados
graves). 4
Nesse contexto de buscar opções
diferenciadas para a criminalidade, a legislação
brasileira têm evoluído desde a reforma
penal de 1984 (Lei 7.209/84), que instituiu as
penas restritivas de direitos, ganhando grande
impulso a partir da vigência da Lei dos
Juizados Especiais (Lei 9.099/95), a qual implementando
medidas previstas na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
previu as denominadas infrações
de menor potencial ofensivo, explicitando os institutos
que a elas poderiam ser aplicados, como determinando
regra geral de direito processual, consubstanciada
na suspensão condicional do processo.
O que se viu desde então,
foi a brusca modificação do pensamento
penalista nacional, tendo os seus aplicadores
e estudiosos que conviver com nova realidade,
totalmente diversa dos preceitos medievais que
ainda imperavam.
Nessa conformidade, coabitaram
no Congresso Nacional os projetos de lei relativos
à legislação dos crimes ambientais
e das denominadas "penas alternativas",
ou penas substitutivas à prisão.
O projeto de lei relativo aos
crimes ambientais, absorveu questões propostas
para as penas alternativas, incluindo-as em seu
texto, apesar de se verificar quando da sanção
dos referidos diplomas, distância entre
um e outro conteúdo. Basta, para tanto,
proceder-se ao cotejo dos textos da Lei 9.605/98
e 9.714/98, para a constatação respectiva.
Mas o que efetivamente interessa
nesta abordagem, é estabelecer-se o que
trouxe a Lei 9.605/98 de novidades para o universo
jurídico-penal. Aliás, trata-se
de universo tão vasto, que se verifica
a dificuldade do legislador em tratar as mais
diversas questões de maneira uniformizada,
exigindo do intérprete atenção
redobrada, sob pena de equivocada utilização.
O primeiro aspecto que sobressai
da leitura do texto legal, é a consecução
prática do disposto no art. 225, § 3º da
Constituição da República
Federativa do Brasil, como se observa na redação
do art. 3º da lei em comento, prevendo a responsabilização
criminal da pessoa jurídica, sem prejuízo
das sanções penais impostas às
pessoas físicas, autoras, co-autoras ou
partícipes do evento criminoso (p. único
do mesmo dispositivo).
Cuida-se de inovação
ímpar, vez que, anteriormente, inexistia
a perspectiva de se punir a empresa por qualquer
modalidade criminosa.
Ressalte-se, no entanto, que
tal somente se dará, quando a infração
houver sido cometida por força de decisão
de seu representante legal ou contratual, ou de
seu órgão colegiado, no interesse
ou benefício da sua entidade (art.
3º caput).
Não basta, portanto, a
configuração do dano ambiental,
ou de conduta que apesar de não se traduzir
em prejuízo, configure, por si só
- crime de natureza formal -, prática criminosa.
Haverá necessidade de que fique demonstrado
que o fato decorreu de decisão de quem
possuísse o controle da entidade, e dele
decorresse o atendimento de interesse ou obtenção
de benefício.
De qualquer sorte, impende dizer
que não se restringem a esta novidade,
os novos preceitos nela contidos.
Contempla a possibilidade de
transação penal como primeiro passo
a ser seguido no procedimento, em vista de serem
todos os crimes de ação penal pública
incondicionada (art. 26), muito embora condicione
a proposta do Ministério Público,
à prévia composição
do dano ambiental.
A respeito do tema, colhe-se
do escólio de CEZAR ROBERTO BITENCOURT:
Essa previsão legal demonstra
que a reparação do dano,
em termos de justiça consensual,
tem funções e efeitos distintos,
a saber: pela Lei 9.099/95, a composição
cível do dano ex delicto extingue
a punibilidade, via renúncia do direito
de ação, nos crimes de ação
pública condicionada à representação
ou de exclusiva iniciativa privada. Já
se for crime de ação pública
incondicionada, a composição
cível não gera nenhum efeito
extintivo. Na mesma Lei 9.099/95, a reparação
do dano é a primeira condição
legal obrigatória para se conceder
a suspensão condicional do processo, de
um lado; de outro lado, a não reparação
do dano é a primeira causa de revogação
obrigatória da suspensão do processo.
Nesta lei ambiental, no entanto, a reparação
do dano não tem nenhuma dessas funções,
mas, ao contrário, é pressuposto
de admissibilidade da transação.
Em outros termos: primeiro se formaliza
a composição do dano ambiental,
depois se exerce o direito de transigir,
quando as demais circunstâncias, claro,
autorizarem. E mais: na hipótese de suspensão
do processo, a extinção da punibilidade
está condicionada à efetiva e completa
reparação do dano, nos termos dos
incisos do art. 28 da nova lei. 5
Sobre o assunto, não contém
a lei maiores explicações, isto
é, não informa de que maneira poderá
vir a se efetivar esse acordo prévio. De
qualquer sorte, como se verifica no art. 19 e
p. único a menção à
existência de perícia de constatação
do dano ambiental, permitindo-se até a
utilização da efetivada em inquérito
civil ou ação cível, tem-se
que é fundamental a delimitação
da extensão da ofensa, a fim de que se
possa aquilatar e definir as medidas a serem aplicadas
para a recuperação ou compensação.
A discussão poderá
preceder a audiência preliminar, ou nela
própria acontecer, não se vendo
óbice para a sua suspensão, com
o fito de se apurar os meios com os quais restará
realizada a composição.
Como se vê, contém
particularidades absolutamente próprias,
não se confundindo com a transação
proposta pela Lei dos Juizados Especiais.
De qualquer sorte, prevalece
o sentido de se aplicar, em sede de transação
penal, medida administrativo-penal diferenciada
do aprisionamento, optando-se por pena pecuniária
ou penas restritivas de direito, sendo elas as
previstas no art. 8º (pessoas físicas)
ou art. 21 e 22 (pessoas jurídicas), independentes
do que foi acordado na prévia composição
ambiental.
Inviável a transação
penal, ofertada a denúncia pode ocorrer
a proposta de sursis processual, como preconizado
pelo art. 28.
A discussão jurídica
surge quando se observa da redação
do caput do mencionado dispositivo legal,
o cabimento para os casos de crimes de menor
potencial ofensivo definidos nesta Lei, sem
que se encontre no texto, qualquer definição
a respeito.
ADA PELLEGRINI GRINOVER comentando
o assunto, reporta-se à digressão
levada a efeito por ANTONIO SCARANCE FERNANDES,
explicitando:
...Descarta, todavia, a interpretação
literal, para escolher a finalística, sustentando
que o art. 89 da Lei nº 9.099/95 se aplica integralmente
aos crimes ambientais, "pois a intenção
do legislador foi apenas a de modificar, com os
incisos I a V, as normas sobre os requisitos para
a concessão da suspensão ou sobre
as condições de seu cumprimento,
tendo havido erro na alusão aos crimes
de menor potencial ofensivo". E argumenta
com os objetivos da lei, que visam tornar efetiva
a reparação do dano ambiental, não
se devendo dar ao dispositivo interpretação
que diminua o âmbito da Justiça consensual
(excluindo da suspensão condicional do
processo as infrações penais a que
se comina pena mínima de um ano) e que
torne ineficaz a norma do art. 89 da Lei 9.099/95,
pois no âmbito das infrações
penais ambientais de menor potencial ofensivo
caberia antes a transação penal,
ficando prejudicada a suspensão condicional
do processo.6
Também sobre isso discorreu
CEZAR ROBERTO BITENCOURT, divergindo da possibilidade
da aplicação da interpretação
literal, pois ela conduziria a um resultado
restritivo, que não se adequa aos postulados
da política criminal consensual atual,
negando as finalidades pretendidas pelas Leis
9.099/95 e 9.605/98. 7
Sem embargo da propriedade dos
autores mencionados, é de se reconhecer
ser a matéria controversa, na medida em
que se trata de lei especial, na qual há
disposição expressa e diversa da
anteriormente existente sobre o assunto, podendo-se
aplicar o previsto no art. 12 do Código
Penal - princípio da especialidade -, para
dirimir-se a dúvida. Há, evidentemente,
conflito com as disposições da mencionada
Lei nº 9.099/95, onde de forma mais abrangente
se admite a suspensão condicional do processo,
vez que aplicável a quem esteja sujeito
à pena mínima inferior ou igual
a 1 (um) ano. Mas a redação do "caput",
do art. 28, empresta tratamento diverso, o que
é possível em face de se tratarem
ambos os diplomas de leis infra-constitucionais
da mesma hierarquia. Sendo a regra estabelecida
pela Lei 9.605/98 posterior, e além disso
específica, prevaleceria sobre a norma
geral insculpida na Lei dos Juizados Especiais.
Contudo, há relutância
contra a aplicação dessa exegese,
sob o argumento de que se cuida de interpretação
restritiva e prejudicial aos infratores.
Abstraído o problema,
verificam-se novas situações, as
quais novamente refogem do padrão instituído
pela Lei 9.099/95, ao prever o instituto:
Deu-se o acréscimo às
regras da suspensão condicional do processo,
as quais estão diretamente relacionadas
com a declaração de extinção
da punibilidade, prevista no § 5º, do art. 89,
da Lei 9.099/95.
Passou-se a exigir para que possa
ser declarada, a existência de laudo de
constatação de reparação
de dano ambiental, a não ser que se demonstre
a impossibilidade de fazê-lo (art. 28, inciso
I).
Existente a perspectiva de se
exigir a reparação, demonstrado
que não tenha ela sido completa, deve se
dar a prorrogação do lapso de suspensão,
até o máximo de 4 (quatro) anos,
aos quais se acresce mais 1 (um) ano, sem que
se verifique a suspensão do lapso prescricional
(art. 28, inciso II).
Durante a prorrogação
não se exigirá o cumprimento das
demais condições aplicadas (art.
28, III), sendo obrigatória nova vistoria
para a observância da efetiva implementação
da reparação do dano ambiental,
permitida nova prorrogação, respeitado
o período de tempo mencionado (art. 28,
IV).
Verificado o término da
prorrogação, obrigatoriamente se
deverá ter como reparado o dano ambiental
(art. 28, V) e, muito embora não haja expressa
manifestação no texto legal, a constatação
de que o mesmo não ocorreu, determinará
a continuidade da ação penal.
Mantém-se, no entanto,
as demais condições estabelecidas
nos incisos II a IV do § 1º, do art. 89 da Lei
dos Juizados Especiais, não havendo restrição
ao contido no § 2º do mesmo artigo.
Não efetivada a transação
penal ou a suspensão condicional do processo,
ou não tendo sido possível a declaração
da extinção da punibilidade pela
não cumprimento da obrigatoriedade da reparação
do dano ambiental, ter-se-á o curso da
ação penal, que culminará
com a sentença.
O procedimento a ser utilizado,
dependerá da quantificação
de pena prevista para cada delito, podendo ser
da competência dos Juizados Especiais Criminais
ou da Justiça Comum, como também
da Justiça Federal.
A definição relativa
às atribuições dos Juizados
Especiais Criminais não comporta dificuldades,
na medida em que em se tratando de infrações
cuja pena máxima não suplante 1
(um) ano, indiscutivelmente deverão nele
ser tratadas.
A questão referente à
definição da competência entre
Justiça Comum e Justiça Federal,
foi tratada no projeto de lei aprovado no Congresso
Nacional, no p. único do art. 26, que dispunha
competir à Justiça Estadual, com
a interveniência do Ministério Público
Estadual, os fatos praticados no território
de Município que não seja sede de
vara da Justiça Federal, com recurso para
o Tribunal Regional Federal correspondente.
Mas levado à sanção
presidencial, mereceu a previsão o veto,
sob o argumento de que se ensejaria o entendimento
de que todos os crimes ambientais competiriam
à Justiça Federal, quando somente
o são aqueles cometidos em detrimento de
bens e serviços ou interesse da União,
ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas.
Na sentença, independentemente
da Justiça dela incumbida, considerando
o juiz presentes a materialidade, autoria e culpabilidade,
deverá impor a sanção penal
respectiva, por intermédio de sentença
penal condenatória.
Para tanto, de forma diversa
do que ocorre com os demais delitos, não
considerará como norte para a escolha e
gradação das penalidades, o contido
no art. 59 do Código Penal, mas o que dispõe
o art. 6º da legislação própria,
que elenca a gravidade do fato, considerando-se
os motivos da infração e suas decorrências
para a saúde pública e o meio ambiente,
os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento
da legislação de interesse ambiental
e, por fim, a sua situação econômica,
na hipótese de pena pecuniária.
Eleita a penalidade ou penalidades,
deve o juiz observar o critério trifásico
de dosimetria, sendo que as circunstâncias
judiciais seguem, basicamente, o contido no art.
59 do estatuto penal, com a observação
de que a título de antecedentes, conforme
previsão específica, podem ser consideradas
infrações administrativas contra
o meio ambiente.
Diversamente, os critérios
para a aplicação das circunstâncias
legais agravantes não são os previstos
no Código Penal, em vista da existência
de disposições específicas
e explícitas (art. 15, inciso I e inciso
II e alíneas, e art. 40, § 2º), desde que
não constituam ou qualifiquem o crime,
destacando-se a reincidência específica,
pois se fala expressamente na recalcitrância
em crimes de natureza ambiental, sem se desconsiderar
o que dispõe o art. 64 do Código
Penal.
Nessa conformidade, somente algumas
situações previstas no CP são
admissíveis, como as contidas no art. 62,
incisos I e III.
As circunstâncias atenuantes,
de outra parte, hão de ser analisadas,
podendo vir a ser reconhecida a incidência,
mas a elas se acresce o previsto no art. 14, incisos
I, II, III e IV da lei ambiental.
De igual forma, as causas de
especial aumento ou diminuição de
pena, contemplam casos característicos,
sem embargo da possibilidade da admissão
das previstas na parte geral do Código
Penal (tentativa - art. 14, II - ,erro sobre a
ilicitude do fato - art. 21, "caput"
-, inimputabilidade parcial - art. 26, p. único
-, embriaguez fortuita ou caso de força
maior - art. 28, § 2º -, participação
de menor importância - art. 29, § 1º -,
participação em crime menos grave
- art. 29, § 2º -, concurso formal - art. 70 -,
e continuidade delitiva - art. 71), em face de
não existir previsão em contrário.
Na previsão dos crimes,
trouxe causas de especial aumento próprias,
como as observadas no art. 29, § 1º e incisos,
no § 5º do mesmo art. 29, no § 2º do art. 32,
no art. 53, no art. 56 § 2º, no art. 58 e incisos.
Igualmente preconizou causas
de diminuição de pena, como se observa,
como se constata no art. 38, p. único -
que contém uma imprecisão legislativa,
posto cuidar de crime culposo -, como também
o faz - com a mesma falha - o art. 40 § 3º.
Ao disciplinar o tratamento penal
dirigido aos infratores, previu as penas privativa
de liberdade, pecuniária e restritiva de
direitos para as pessoas físicas e, para
as pessoas jurídicas, as penas de multa,
as restritivas de direitos e prestação
de serviços à comunidade.
De acordo com a moderna tendência
penalista, emprestou grande relevância às
penalidades diferenciadas do recolhimento ao cárcere,
dispondo sobre a possibilidade de sua aplicação,
antecipando, em alguns aspectos, o que viria a
ser consolidado pela Lei 9.714/98, que cuida da
alteração no Código Penal,
mais especificamente no que concerne aos arts.
43, 44, 45, 46, 47, 55 e 77, daquele diploma,
como também o fez o Código de Trânsito
Brasileiro (Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997).
Opta-se, quando possível,
pela aplicação de sanções
que exijam do condenado o dispêndio de atividade,
a manutenção ou conservação
de determinadas áreas, o custeio de medidas
para manter ou recuperar áreas sujeitas
à proteção ambiental, ou
mesmo o proíbem de se ver beneficiado por
contratação com órgãos
públicos ou recebimento de subvenções
públicas, podendo chegar ao extremo de
suspender suas atividades ou encerrá-las
definitivamente, fazendo com que sobre ele exista
um gravame, produzindo benefícios à
sociedade como um todo. Estão eles representados
pelos serviços prestados pela recuperação,
conservação e manutenção
de recursos naturais ou áreas preservadas,
vedação de obtenção
de vantagens do Poder Público ou, mesmo
que de maneira inapelável, não mais
possa vir a ocasionar malefícios ao meio
ambiente.
Assim, dita ser possível
em sede de crimes ambientais, a submissão
do infrator às penas restritivas de direitos,
na hipótese de crimes culposos, ou em sendo
dolosos, desde que a pena privativa de liberdade
não venha a atingir quatro anos - diferentemente
do que prevê o art. 44, inciso I do Código
Penal, com a redação da Lei 9.714/98,
que admite tenha a pena quantificação
igual a quatro anos-, observando-se, igualmente,
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social
e personalidade do condenado, os motivos e circunstâncias
do crime, estando eles a indicar a suficiência
da aplicação, para os fins de reprovação
e prevenção da criminalidade, vinculando
o prazo ao período de duração
da pena substituída (art. 7º, incisos I
e II e parágrafo único).
Definiu-as, para o infrator (pessoa
física) que poderá ser, na explicitação
do art. 2º, quem de qualquer forma concorrer para
a prática dos crimes previstos na lei,
na medida de sua culpabilidade, assim como o diretor,
administrador, membro de conselho e órgão
técnico, auditor, gerente, preposto ou
mandatário de pessoa jurídica que,
sabendo da conduta criminosa de outrem, deixe
de praticar atos impeditivos, quando possível
agir para evitá-la, como o fez para a pessoa
jurídica, inovação no ordenamento
jurídico-penal brasileiro.
A ele poderá ser determinada
a prestação de serviços à
comunidade, consistentes na atribuição
de tarefas gratuitas junto a parques e jardins
públicos e outras unidades de conservação
e, na hipótese de dano à coisa particular,
pública ou tombada, na restauração
caso viável (art. 9º).
Poderá sofrer a interdição
temporária de direitos, que é a
proibição de contratar com o Poder
Público, de receber incentivos fiscais
ou benefícios análogos, ou mesmo
participar de licitações por prazo
certo (art. 10).
Terá suspensa sua atividade,
de forma parcial ou total, quando ela estiver
sendo exercida em desacordo com as prescrições
legais (art. 11).
Da mesma forma, poderá
ser determinado que proceda ao pagamento em dinheiro,
à vítima ou entidade pública
ou privada com fim social, de valor fixado pelo
juiz, o qual não poderá ser inferior
ao salário mínimo, nem suplantar
trezentos e sessenta salários mínimos,
deduzindo-se do valor de eventual reparação
civil a qual for condenado (art. 12).
Isso reproduz, de certa forma
a nova previsão que veio a ser inserida
no Código Penal, no art. 45, § 1º, sempre
com o desiderato de se recompor economicamente,
o prejuízo ocasionado.
O recolhimento domiciliar, inédito
nas legislações penais brasileiras
como forma comum de cumprimento de pena, posto
que previsto somente em situações
excepcionais - ainda mais que a Presidência
da República vetou-o para os crimes comuns,
não o aceitando na redação
final da Lei 9.714/98 -, tem por base a autodisciplina
e senso de responsabilidade do condenado, facultando-lhe,
sem vigilância, o exercício de trabalho
ou outra atividade autorizada, e mesmo freqüência
a cursos, sem vigilância, com o recolhimento,
nos demais horários, em sua moradia habitual
(art. 13).
Permite, ademais, de forma diversa
da prevista no Código Penal, a concessão
do benefício do sursis, a quem for
condenado à pena privativa de liberdade
de até 3 (três) anos.
Não dispôs, novamente,
e ao contrário do que fez o Código
Penal, ser a suspensão condicional da pena
cabível, quando não o for a substituição
por penas restritivas de direitos. Mas o silêncio
não deve ser interpretado como impossibilidade
de aplicação primeira dos institutos
de substituição, mas reporta às
regras gerais de Direito Penal insculpidas no
Código Penal, determinando que somente
se opte por tal solução, quando
não seja indicada ou cabível
a substituição prevista no art.
44 deste Código (art. 77, inciso III
do CP).
Contemplando a possibilidade
de apenação das pessoas jurídicas,
estabeleceu-se, igualmente, quais modalidades
de pena podem vir a ser aplicadas - até
pela circunstância de não se poder
cogitar do aprisionamento, estabelecendo-se como
penas principais a multa, a restritiva de direitos
e a prestação de serviços
à comunidade, pela óbvia impossibilidade
de se impor o encarceramento.
O assunto está regulado
no art. 21, indicando-se como penas restritivas
de direitos a suspensão parcial ou total
das atividades, aplicável quando da desobediência
às disposições legais ou
regulamentares relativas à proteção
do meio ambiente (art. 22, I e § 1º) - , sendo
que esta última modalidade encerra a pena
de morte da empresa; a interdição
temporária de estabelecimento, obra ou
atividade, utilizada quando se der o funcionamento
sem a devida autorização ou de forma
diversa da concedida, ou ainda com violação
de disposição legal ou regulamentar
(art. 22, II e § 2º); proibição
de contratar com o Poder Público, e dele
obter subsídios, subvenções
ou doações, que não poderá
exceder 10 (dez) anos (art. 22, III e § 3º).
A prestação de
serviços à comunidade sofre tratamento
diferente, pois erigida à categoria de
pena diferenciada, poderá implicar no custeio
de programas e projetos ambientais (art. 23, I),
execução de obras de recuperação
de obras degradadas (art. 23, II), manutenção
de espaços públicos (art. 23, III)
e, contribuições a entidades ambientais
ou culturais públicas (art. 23, IV).
Dessa forma, pode-se dizer:
Singrou o legislador, indiscutivelmente,
por águas que buscam formas diversas de
se prevenir a criminalidade, ao mesmo tempo em
que na sua repressão, observa-se a maior
importância do emprego de medidas que propiciem
a restauração do mal cometido, seja
quanto ao próprio ofendido, como pela maior
possibilidade de conscientização
e recuperação do agente do delito.9
Em conclusão, pode-se
afirmar que seguindo a tendência de punições
inteligentes e úteis, afastou-se a Lei
9.605/98 do conceito ultrapassado da punição
pela punição. Busca, acima de qualquer
outro desiderato, a manutenção da
natureza e seus recursos, ou tanto quanto possível
a sua recuperação. Privilegia, pode-se
dizer, o respeito à natureza, para que
as gerações futuras encontrem um
mundo não devastado pela ganância
e falta de consciência de alguns.
Pune, sim, quando outras alternativas
não mais foram possíveis, sem que
este seja o seu objeto primordial e, sendo necessária
a punição por decisão condenatória,
mesmo assim procura atingir o infrator ou a empresa
mais diretamente, obrigando a um ou outro à
prática de medidas que contribuam para
a restauração ou manutenção
do meio ambiente, ou até o impedindo de
continuar suas atividades maléficas.
* Juiz de Direito em Florianópolis
(SC), especialista em Direito Penal e Processual
Penal pela Universidade Regional de Blumenau -
FURB, professor de Direito Penal da Universidade
do Vale do Itajaí - UNIVALI - Campus IV.
** Palestra proferida na Semana
de Estudos Jurídicos, promovida pelo Centro
de Estudos Jurídicos - CEJUR - do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina,
Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI
- Campus IV e Centro Acadêmico de Direito
de Biguaçu - CADIB -, com o apoio do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina,
Procuradoria Geral de Justiça de Santa
Catarina e Escola Superior da Advocacia - ESA
- da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - Seccional
de Santa Catarina, em Florianópolis, de
23 a 26 de maio de 2.000.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
1 GOMES, Luiz Flávio,
Direito Penal em Pane (Mas Também em
Payne & Paine), Boletim do IBCCrim, maio
de 2.000, p. 12, nº 90.
2 Código de Hammurabi,
introdução, tradução
e comentários de E. Bouzon, Petrópolis,
Vozes, 1976, p. 87.
3 BATISTA, Nilo, A violência
do Estado e os aparelhos policiais, Cidadania
e Justiça - Revista da Associação
dos Magistrados Brasileiros, ano 2, 1º semester/1998,
pp. 121/122, nº 4.
4 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer,
Direito Penal e Solução da Criminalidade, Revista Jurídica, Porto Alegre, Notadez,
março/2000, pp. 38/46, vol. 269.
5 BITENCOURT, Cezar Roberto,
Aplicação alternativa ou substitutiva
das penas "restritivas de direitos"
nas Leis 9.503/97 e 9.605/98, Revista Jurídica,
Porto Alegre, Notadez, abril/2000, pp. 33/48,
vol. 270.
6 GRINOVER, Ada Pellegrini, Infrações
Ambientais de menor potencial ofensivo, Boletim
do IBCCrim, julho de 1998, p. 03, nº68.
7 BITENCOURT, Cezar Roberto,
artigo citado.
8 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer,
Crimes Ambientais: Sursis Processual, Penas
Alternativas e Dosimetria, São Paulo,
RT, janeiro de 1999, pp. 454/462, vol. 759.
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