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O período de inadimplência como requisito para o decreto prisional decorrente de dívida alimentar.

Jorge Luis Costa Beber

Juiz de Direito de Criciúma - Santa Catarina.
 
A jurisprudência majoritária, hoje, parece ter-se pacificado no consenso de que a prisão civil do devedor de pensão alimentícia está restrita às últimas três parcelas devidas, devendo as demais ser executadas na forma do art. 732 do digesto processual civil.

O que se tem observado é que um expressivo número de decisões, para não dizer a totalidade delas, mormente na Superior Instância, se utiliza da mencionada construção, seja para determinar a cisão do processo executivo, seja para conceder ordens de habeas corpus. E assim se decide "porque este é o entendimento jurisprudencial...", "porque assim tem-se entendido...", além de outras expressões do gênero, sem que haja maior fundamentação. Apenas a jurisprudência. Nada mais do que isto.

Arruda Alvim, comentando esta forma de apreciar a lide, arrimada apenas em precedentes jurisprudenciais, esclarece que a jurisprudência não pode ser considerada, dogmaticamente, como fonte de direito, salientando que nem os tribunais, nem os juízes e nem os particulares a ela estão vinculados.

Segundo o citado processualista, "Do rigoroso ponto de vista técnico-jurídico, nenhum juiz poderá ou deverá dizer que decide um caso, de tal ou qual forma (embora isso ocorra muitas vezes), porque a jurisprudência é tal ou qual; isto não se constitui, tecnicamente, entre nós, em fundamento jurídico de sentença ou decisão, o que se faz "commoditatis" ou "brevitatis causa". A fundamentação técnico-jurídica, entre nós, é a lei." (sublinhei)

Ora, ainda que a jurisprudência pudesse ser concebida como fonte de direito, suficiente por si só para arrimar uma decisão judicial, é certo que os litígios envolvendo matéria familiar decorrem, fundamentalmente, de questões fáticas, sendo lícito concluir que não se pode, com base em uma única interpretação jurisprudencial, resolver uma infinidade de conflitos sociais decorrentes dos mais variados motivos ou fatos que envolvem as relações interpessoais.

Situação inversa, por certo, seria a simples aplicação de um entendimento já sufragado pelos tribunais para solução de uma questão de direito, decorrente de exegese legal.

Entretanto - repita-se - o inadimplemento da prestação alimentícia deve ser encarado como fato, cujos motivos para sua ocorrência, e também para morosidade da sua cobrança, deverão ser perscrutados adequadamente pelo juiz para uma justa dição do direito.

Assim, após este breve proêmio, permito-me, com um despretensioso estudo e com a máxima concessão outorgada daqueles que sustentam o contrário, declinar os motivos pelos quais não adiro a tal corrente de pensamento.

Com efeito, a norma constitucional (art. 5º, inc. LXVII) revela a excepcionalidade da medida de prisão como meio coercitivo indireto para o cumprimento de obrigação civil. Compreende-se o dispositivo, marcado não apenas por seu reflexo imediato quanto à vedação de tal expediente vexatório pela simples inadimplência contratual, mas igualmente por fincar princípio comum à exigência de créditos: acima da pretensão à percepção da prestação inadimplida está a dignidade da pessoa humana. Confirma-se, portanto, a distinção, comum entre os civilistas, quanto às duas faces da relação obrigacional: uma, de caráter essencialmente pessoal, vinculada ao pressuposto ético de atendimento às obrigações; outra, criadora de liame do credor com o complexo de bens do sujeito passivo. Destarte, é pensamento solidificado que o incumprimento obrigacional traz reflexos essencialmente patrimoniais, preservando-se a integridade física e a liberdade individual. Reafirma-se, portanto, a ruptura com o longevo sistema jurídico, onde a falta de quitação das obrigações fazia incidir a ação do credor sobre o próprio devedor.

Sem que se pretenda retroceder a tais atrocidades ou compactuar com atos de ilógica violência, não se pode ignorar que o Direito atual não pode se despir de atos de império, nem o Poder Judiciário está ilegitimado a fazer valer suas decisões pelo recurso a ásperas medidas. Não se advoga, por óbvio, a discricionária utilização de mecanismos de força, mas à luz do próprio ordenamento jurídico e em consideração a específicos conflitos de interesses, faz-se necessário superar uma visão meramente privatística do fenômeno obrigacional.

Na seara alimentar, particularmente, é inconcebível firmar posicionamento independentemente do apego a seus peculiares princípios.

Deste modo, se o crédito alimentar assume color obrigacional, tal qual este conceito logrou sucesso no âmbito jurídico (relação entre credor e devedor, de caráter transitório, envolvendo o dever de satisfação de uma prestação, com valor economicamente apreciável), não é menos correto que em sua raiz a obrigação tem espectro mais amplo. Não nasce da autonomia privada (ao menos como regra), mas sim das relações familiares, de cunho eminentemente institucional. Menos do que relação de débito e crédito, prevalece, como observa Álvaro Villaça Azevedo, a sua caracterização como dever. O surgimento, em razão do não pagamento, de situação que engloba caracteres de vínculo meramente obrigacional, não autoriza que se eclipse o verdadeiro substrato imanente à dívida alimentar.

Neste passo, justifica-se o tratamento diferenciado do inadimplemento da obrigação de alimentos, haja vista suas óbvias idiossincrasias.

Importante, nesta seqüência, expurgar os dogmas privatísticos pertinentes às medidas de coerção para fazer valer o débito reconhecido judicialmente. Não se pode equiparar tal situação, por exemplo, à simples ruptura de dívida negocialmente ajustada. Aqui, diferentemente, há interesse público manifesto. Demais, o ordenamento jurídico encaminha-se para o abandono de preconceitos apropriados à visão individualista dos pandectistas, formados na ideologia característica do século passado. Agora, avulta o caráter publicístico do fenômeno processual, buscando-se incessantemente a satisfação do credor com base no especificamente previsto na obrigação. Assim testemunham, por exemplo, a nova redação do art. 461 do Código de Processo Civil, que desenganadamente busca superar a substituição da obrigação de fazer infungível por perdas e danos, ou os dispositivos congêneres do Código de Defesa dos Direitos do Consumidor (art. 84). Ora, se assim ocorre na área genuinamente privada, muito mais há de ser feito no campo limítrofe entre o público e o individual, como é o Direito de Família.

De conseguinte, não se pode vislumbrar a medida de prisão civil, que há de suceder a irrestrita obediência ao devido processo legal (mormente com seu inseparável consectário do direito à defesa) e pressupõe a falta de prova da momentânea impossibilidade econômica do devedor, como uma aberração do sistema legal. Diversamente, é forma de adequação entre o interesse individual e o social; invoca patente conflito de interesses (busca da satisfação das obrigações independentemente de atos de violência e necessidade premente do alimentando) que há se ser resolvido em favor deste último.

Estes pressupostos são de índole estritamente objetiva. Não se pode condicionar a imposição da medida extrema à inocorrência de culpa, por parte do credor, no sentido de que sua injustificada inércia fez diversa a natureza do crédito. O conceito de culpa - como sinônimo de desleixo, negligência - é estranho à caracterização da verba alimentar. Aliás, se culpa há de investigar, necessariamente há de ser por parte do devedor, e não o inverso.

Parece, isto sim, que a solução está apenas em vedar que o credor utilize de forma desmedida da faculdade que lhe assiste. Logo, é tema afeto à teoria do abuso de direito, ou seja, a utilização de favor jurídico de modo malicioso e fora das suas medidas ordinárias. Assim, se o credor deixa, sem motivo justificado, de diligenciar a oportuna cobrança das prestações alimentares, propiciando o agigantamento do débito, parece injusto que venha, repentinamente, ameaçar o devedor com a perspectiva de prisão. Nesta hipótese, por certo, o caráter emergencial da verba alimentar é turvado. Justifica-se, até do ponto de vista teórico, a cisão da execução, mas em razão de situação fática muito especial, onde haja manifesta inconsideração do credor para com o alimentante. Vulnerado estaria o primado de boa-fé, igualmente potencializado no Direito Processual Civil (art. 17, inc. II, do C.P.C.).

Registre-se, contudo, que tanto as causas que ensejaram o retardamento da execução, assim como a justificativa para o inadimplemento, poderão ser efetuadas, conforme adiante se verá, através do procedimento executivo previsto pelo art. 733 do C.P.C., não me parecendo viável compelir o credor desde logo ao aforamento de outra modalidade de execução, apenas e tão-somente pelo fato do seu crédito corresponder a quatro (ou mais) e não a três meses de atraso por parte do devedor.

Pois bem, após estas breves considerações sobre a gênese e a natureza do crédito alimentar, faz-se imprescindível a análise dos fundamentos jurídicos que deram ensejo ao entendimento jurisprudencial ora combatido.

Com efeito, a aludida orientação possui sua base de sustentação em três argumentos fulcrais: I - a urgência da prestação alimentícia somente se justifica para o débito presente, imprescindível à manutenção do alimentando, sendo presumível a desnecessidade de cobrança célere das parcelas mais remotas; II - as prestações acumuladas perdem a sua natureza de verba alimentar, transmudando-se em valor indenizatório; III - a excepcionalidade da prisão civil.

Com supedâneo nestas três premissas, os tribunais têm proclamado, sistematicamente, que a execução do débito alimentar superior a três meses deve, preferencialmente, ser cindida, aplicando-se o art. 733 do C.P.C., com conseqüente possibilidade de prisão do devedor, para o último trimestre inadimplido, devendo a persecução das demais ocorrer através da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732 c/c art. 652 do C.P.C), cuja eficácia, como se sabe, está umbilicalmente relacionada com a realização de constrição sobre o patrimônio do alimentante faltoso.

Em que pese a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ter reconhecido a possibilidade de concomitância, em um único processo, das duas formas de execução (Agrav. Instrum. 9.729, Rel. Des. Éder Graf, DJSC 9.287, 31.07.95), com a expedição de dois mandados, um para as últimas três parcelas devidas (art. 733 do C.P.C.), com justificação, no tríduo legal, nos autos principais, e outro (art. 732 do C.P.C.) para pagamento em 24 horas ou indicação de bens à penhora, com possibilidade de oposição de embargos em autos apartados e apensados, não me parece que esta orientação esteja afinada com a melhor exegese da lei instrumental, bem como da legislação especial que regula a matéria e, ainda, com a Carta Política vigente.

Não se pretende, conforme já se disse, proclamar uma visão obsoleta e desvinculada do pensamento jurídico atual, incentivando o que já não se admite no direito vigente entre nós, ou seja, a segregação pessoal decorrente de dívidas de valor. Ao revés, o que se almeja é a exposição de uma interpretação do tema e, em especial das normas legais pertinentes à espécie, voltada para os fins sociais e às exigências do bem comum, nos termos do que preceitua o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Nessa linha, para a correta abordagem do tema, afigura-se imperioso consignar, inicialmente, quais as formas de execução da prestação de alimentos, cuja classificação pode assim ser ordenada: a) desconto em folha de pagamento, com previsão observada tanto na Lei de Alimentos (art. 16) como no C.P.C. (art. 734), com eficácia para os casos de alimentantes empregados, militares, funcionários públicos, etc... b) desconto de aluguéis ou quaisquer outras formas de rendimentos do devedor (art.17 da Lei 5.478/68), opção viável quando devedor for profissional liberal, empresário ou vinculado ao mercado informal; c) na impossibilidade de satisfação do crédito através das duas primeiras formas, poderá o alimentando optar pela execução na forma do art.733 do C.P.C., com prisão do devedor, ou, finalmente, d) escolher a execução por quantia certa, com penhora de bens.

Faço, aqui, um pequeno parêntese, tão-somente para registrar que não se cogita de qualquer dúvida sobre a prevalência das duas primeiras formas, desconto em folha de pagamento ou de aluguéis e outros rendimentos, sobre as últimas duas. Todavia, não se exaurindo o débito por nenhuma daquelas possibilidades iniciais, não se pode, como muitos já sustentaram, impedir a deflagração da ação executiva, com pedido de prisão, antes de esgotada a possibilidade da execução com penhora de bens.

Na verdade, ainda que a execução deva ser sempre a menos gravosa para o devedor, neste caso, diante das peculiaridades do crédito exeqüendo, estimo que não haja qualquer hierarquia de uma forma sobre a outra. Pelo contrário, tenho que ao credor compete escolher a forma executiva mais conveniente aos seus interesses.

Esta discussão, contudo, parece-me superada tanto na doutrina como na jurisprudência, podendo o credor ajuizar diretamente a ação de execução com base no art.733 do C.P.C., muito embora, neste caso, como já se disse, sua pretensão alcançará somente o último trimestre devido. E é justamente contra esta orientação pretoriana a insurgência ora expendida.

O crédito alimentar é prioritário, devendo ser executado com presteza. Não se justifica, neste diapasão, que o devedor seja o maior beneficiado com o entendimento jurisprudencial ora enfrentado, forçando o credor a percorrer um longo, tormentoso e sacrificante caminho para receber seu crédito de forma integral.

Permito-me exemplificar: suponha-se que o alimentante esteja em débito com a prestação alimentícia por um período de seis meses. Neste caso, ingressando o credor com a execução, o réu será citado para pagar, comprovar o pagamento ou justificar os motivos da inadimplência das últimas três parcelas, sob pena de prisão. Da mesma forma, será citado para, em 24 horas, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao último trimestre, sob pena de penhora.

Pois bem, a partir daí se iniciam os problemas. É que, diante do acúmulo de serviço atualmente existente no Judiciário, máxime nas questões familiares, onde existe uma invencível carga de trabalho, quando o devedor for citado, diga-se, na forma do art. 733 do C.P.C - apenas para as últimas três parcelas - provavelmente tenha transcorrido mais de um mês. Após, apresentada a justificação, impõe-se a manifestação da parte credora e do Ministério Público, voltando os autos ao juiz para respectiva decisão interlocutória. Por certo, com muita boa vontade, neste instante, a segunda parcela, após o ajuizamento do feito, já tenha vencido. Teremos, então, três parcelas devidas, anteriores ao ajuizamento, acrescidas de mais duas vencidas depois da deflagração do feito, totalizando cinco prestações.

Ocorre que, rechaçada a justificativa apresentada e decretada a prisão, o devedor, mediante o pagamento das últimas três parcelas e com a comprovação deste pagamento em sede de habeas-corpus, será colocado em liberdade, tudo em homenagem ao princípio de que somente as últimas três prestações ostentam natureza alimentar e, por isso, reclamam a necessária urgência.

Ora, prosseguindo no exemplo citado, quando o feito foi detonado, já não se permitiu a cobrança de todo o semestre devido através do art. 733 do C.P.C., cindindo-se a execução. Posteriormente, por morosidade da própria máquina judiciária ou por estratagemas da defesa, mesmo vencendo-se outras parcelas no curso da ação, com manifesto desprezo aos ditames do art. 290 do C.P.C., libera-se o devedor que simplesmente pagar as últimas três parcelas. Com renovada vênia, tal entendimento somente se presta para homenagear a chicana.

É de se indagar: e o que acontecerá com as outras duas prestações que se venceram após o trimestre inicialmente aceito para execução na forma do art. 733 do C.P.C.? Deverão elas integrar, juntamente com aquelas outras três parcelas anteriores, que complementavam o semestre devido, a execução na forma do art. 732 do C.P.C.

Em resumo: o crédito, no momento da decretação da prisão já não seria de seis meses, mas de oito meses. O devedor pagou três e obrigou o credor a cobrar as outras cinco mediante a execução com penhora de bens, o que importará nos seguintes passos: a) localização do patrimônio passível de constrição; b) efetuada a penhora, deverá aguardar o decêndio legal para oferecimento de embargos; c) oferecidos os embargos, deverá ser realizada a respectiva instrução, geralmente com designação de audiência em pautas assoberbadas; d) julgados os embargos, segue-se com a avaliação e, finalmente, depois deste rosário de formalidades, restará designada hasta pública.

Sucede que, no curso do procedimento para executar aquelas cinco parcelas, outras já se venceram. O devedor, sabendo que não será mantido preso pela totalidade do débito, somente pagará a dívida, vencida após aquele primeiro pagamento, se o credor ingressar com nova execução exigindo os últimos três meses.

Significa dizer, em outras palavras, que o entendimento jurisprudencial vigente, além de compelir o credor a ingressar com uma forma de execução que não resultará qualquer proveito (art. 732 do C.P.C.), pois sabe-se que a penhora em casos deste jaez é quase impossível, também obrigará o alimentante a ingressar em juízo a cada trimestre com uma nova execução, abarrotando ainda mais o Judiciário.

Como se vê, a atual orientação pretoriana, que libera o devedor de alimentos dos rigores da lei mediante o pagamento das últimas três parcelas, favorece justamente a parte que deveria ser mais exigida, importando em flagrante prejuízo para o credor.

Não é demais reprisar que em sede de hermenêutica jurídica, se duas interpretações se mostram razoáveis, deve-se optar pela que melhor atenda aos fins sociais e ao bem comum (art. 5º da L.I.C.C.). A lei, segundo o magistério de Carlos Maximiliano, "não pode ser entendida como uma abstração, uma ficção criada por juristas, sob pena de contrariar os mais comezinhos princípios de justiça e tornar-se desumana."

Por outro lado, observo que a interpretação jurisprudencial em exame, à luz dos dispositivos legais que regulam a matéria, também não se sustenta. É que, nem a Constituição revogada (art.153, § 17), nem a atual Carta Magna (art. 5º, LXVII), fixaram um limite temporal do débito alimentar para a decretação da medida coercitiva facultada, não sendo lícito ao interprete distinguir onde a Lei Maior não distingue.

O ordenamento adjetivo civil, recentemente, passou por profundas alterações. Nada, porém, foi modificado na redação do art. 733, § 1º, do C.P.C., que continua com o mesmo comando imperativo: "Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão."

Na verdade, a orientação jurisprudencial que rechaça a cobrança, pelo via do art. 733 do C.P.C., de alimentos pretéritos e acumulados, parte do princípio que tal verba perdeu o seu caráter alimentar, passando a ostentar conteúdo de natureza indenizatória, o que não me parece aceitável.

Como bem observa Arakem de Assis, "Os alimentos pretéritos não deixam de constituir ´alimentos` com o decurso do tempo. Erra a jurisprudência alinhada, passível de grande crítica, partindo da inflexível pressuposição de que o devedor, em atraso há muito tempo, jamais ostentará recursos para pagar a dívida de uma só vez. Exame prudente do meio executório insculpido no art. 733, principalmente dos efeitos da defesa do executado, indica que nenhuma das classes de alimentos, em princípio se exclui do seu âmbito."

Arnaldo Marmitt, por sua vez, ressalta que "as parcelas referentes a alimentos pretéritos traduzem substrato econômico concernente à manutenção e à subsistência. Improcede, por falho, o argumento generalizado de que, se o destinatário não os recebeu e assim mesmo sobreviveu, não se tratava de algo necessário e indispensável que dissesse de perto com sua sobrevivência. As parcelas vencidas e impagas durante período um tanto prolongado, e exigidas a posteriori, nem sempre deixam de exercer função alimentar, como quer grande parte da doutrina. As quantias referentes aos débitos atrasados, só pelo fato do atraso não perdem o caráter alimentar. Se assim fosse, ninguém mais estaria obrigado a pensionar ninguém. O atraso atribuível ao devedor não despe as parcelas da natureza da causa que emanam. O débito continua sendo alimentar.".

Finalmente, no mesmo sentido, transcrevo a sempre abalizada doutrina de Yussef Said Cahali: "Em realidade, embora aceitemos, por vezes, em razão das circunstâncias, que as prestações alimentícias pretéritas (especialmente quando se trata de diferenças posteriormente reclamadas), atingindo montantes expressivos, somente poderia ser reclamadas por via do processo executivo do art. 732 do C.P.C. (execução por quantia certa contra devedor solvente), estamos pessoalmente convencidos que é mais acertado entender-se, como o STF, que os débitos atrasados, valor de pensão alimentícia, não perderam, por força do inadimplemento de obrigação de prestar alimentos, o caráter da causa de que provieram. Os efeitos, quaisquer que sejam, têm o mesmo caráter ou natureza da causa. No caso, a dívida continuou sendo de alimentos; não, de outro caráter ou natureza, deduzindo-se daí que, tendo tais débitos pretéritos, sempre, caráter alimentar, nenhuma ilegalidade há no decreto de prisão do alimentante , que é a medida constritiva, legalmente prevista, para que este cumpra sua obrigação de alimentar."

Como se vê, o débito decorrente de prestação alimentícia, ainda que acumulado por algum período, não perde a sua natureza. Conseguintemente, não se pode suprimir do credor a possibilidade de executá-lo por uma das formas previstas pela lei adjetiva codificada, ainda que coagindo o devedor com a possibilidade de prisão. Esta, aliás, a única finalidade da segregação prevista no texto legal.

Mas, se não bastassem tais argumentos, existe um outro aspecto ainda mais relevante, bem ressalvado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sérgio Gischkow Pereira, em trabalho publicado na Revista AJURIS, nº 10, pg. 35, ou seja, : "como tergiversar este absurdo contraste: em simples caso de depositário infiel se permite prisão até um ano (art. 902, § 1º, do C.P.C.), mas se nega a prisão, por prazo muito inferior, em assunto de importância irretorquivelmente superior, e muito superior."

É certo que a prisão deve ser sempre medida excepcional. Todavia, esta excepcionalidade não pode ter o condão de inviabilizar um dos instrumentos mais poderosos de coerção aplicado em desfavor de pais irresponsáveis, devedores remissos em cumprir com um dever fundamental, cuja infringência importa até mesmo em ilícito penal - art. 244 do Código Penal.

A experiência nos tem demonstrado que a ameaça de prisão, na maioria dos casos, é suficiente para que o pagamento seja efetuado ou, ao menos, possibilita a solução do litígio mediante acordo para adimplemento do valor devido em breves parcelas.

Sabe-se, e isto é uma realidade para toda a magistratura, sem qualquer exceção, que o devedor, mesmo aquele mais recalcitrante, quando segregado, imediatamente providencia o pagamento. Se não quita o débito, pelo menos grande parte da dívida geralmente é resgatada, competindo ao Juiz, então, analisar a viabilidade da concessão de um pequeno parcelamento, que não desnatura o débito para dívida de valor, podendo a prisão ser revigorada caso não cumprido o ajuste.

Diante destas considerações, estimo que a fixação de um período certo para arrimar o decreto prisional, ou seja, três parcelas de pensão em atraso, seja de duvidosa juridicidade e, além de não possuir amparo legal, causa enorme prejuízo para quem mais necessita da proteção jurisdicional, ou seja, o alimentando.

É de se indagar novamente: e se forem quatro, cinco ou sete meses de atraso, seria necessário cindir a execução? De acordo com o entendimento multicitado sim. Todavia, penso que esta matéria deva ser examinada por ocasião da justificação prevista pelo art. 733 do C.P.C, ocasião em que o devedor poderá apresentar ao juiz todos os motivos que implicaram no seu inadimplemento.

Faço, aqui, um novo parêntese, desta feita para observar que entre a peça de justificação (art. 733) e os embargos à execução, salvante a redução do prazo para entrega do respectivo arrazoado, de dez para três dias, nenhum outro prejuízo ocorre para o devedor, que poderá tanto numa como noutra forma apresentar toda a matéria de defesa que entender pertinente. E mais: nada impede que o juiz, a exemplo do que ocorre nos embargos, designe, após oferecida e repostada a peça de justificação, audiência de conciliação ou mesmo para coleta das provas requeridas pelo réu.

O credor, porém, compelido a cobrar seu crédito alimentar através da execução por quantia certa contra devedor solvente, sofre, desenganadamente, prejuízos infinitamente maiores, cuja seqüência de atos, desde a realização da constrição até a hasta pública, já foi referida anteriormente.

Ora, se o devedor, mesmo executado na forma prevista pelo art. 733 do CPC, poderá alegar toda e qualquer a matéria defesa para justificar seu inadimplemento, inclusive com requerimento para produção de provas em audiência, não vejo fundamento compreensível para obrigar o credor, justamente o mais necessitado, a perseguir seu crédito por outra forma de execução, repita-se, cujos prejuízos em seu desfavor serão muito maiores do que para o devedor, que apenas será beneficiado com a burocracia do procedimento.

Será, pois, sopesando a peça de justificação e respectiva réplica do alimentante que o Juiz poderá extrair a exata medida da situação vivenciada pelas partes. Examinará o magistrado, nesta oportunidade, não só os motivos da inadimplência (insolvência do réu, doença, desemprego, nascimento de outros filhos etc...), mas também as causas que importaram na demora para o ingresso do pedido, dentre elas a falta de localização do alimentante, o desconhecimento do seu local de trabalho, o temor reverencial, ameaças, promessas de adimplemento, falta de advogado que se disponha a patrocinar a causa, muitas vezes de baixíssimo valor, enfim, uma infinidade de fatos ou motivos.

Somente depois desta percuciente análise é que se poderá cogitar da urgência ou não do pedido, se a prisão coercitiva se mostra necessária ou não, pois é inocultável que os alimentandos, mesmo que o débito seja superior a três meses, de alguma forma, ainda que miseravelmente, sobreviveram e continuarão sobrevivendo. Isto, contudo, não é argumento para favorecer o devedor, que deveria, antes de mais nada, observar a regularidade do seu compromisso.

Não se pode, pois, decidir todo e qualquer processo de execução de alimentos com base na jurisprudência multicitada, o que representa, a meu sentir, um casuísmo reprovável. O que se apregoa é o exame particularizado de cada situação posta em juízo, consoante, aliás, chegou a ser referido pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 96.008733-8, da Comarca de Içara, tendo como Relator o eminente Desembargador Paulo Galloti: "nem sempre o pagamento das três últimas prestações do débito alimentar livra o devedor da pena de prisão prevista pelo art. 733 do CPC, tornando-se necessário, no exame de cada situação concreta, verificar as razões da inadimplência." E não só da inadimplência do devedor, mas também das causas que importaram no retardamento da respectiva cobrança.

Para ilustrar a exposição até aqui expendida, formulo apenas uma das várias hipóteses diuturnamente enfrentadas nas Varas de Família: suponha-se que o credor ingressou com uma execução para cobrança de onze meses de prestações em atraso, consignando na inicial que a ação não restou aforada anteriormente em razão do desconhecimento do paradeiro do réu. A citação, de fato, ocorre por precatória, diga-se, em local distante do domicílio do alimentando. Na peça de justificação, o devedor em momento algum alega ser do conhecimento do credor o seu novo endereço, o que poderia ser comprovado, se o caso, através de cartas recebidas do alimentando ou mesmo através de visitas deste último presenciadas por testemunhas.

Pergunta-se: se o autor desconhecia o endereço do réu, qual seria a utilidade do aforamento da ação dentro do primeiro trimestre de inadimplência? Certamente nenhuma, servindo apenas para inchar o mapa estatístico dos juízes, obrigando os serventuários a cumprir medidas inúteis para, depois, receber um despacho determinando o arquivamento administrativo do feito.

Em abreviada síntese: considerando a relevância do crédito por alimentos e a necessidade de uma execução mais célere, supedaneado pelo art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, reputo inviável o tarifamento de um período certo de inadimplência (três parcelas) como espécie de condição de admissibilidade da execução na forma do art. 733 do C.P.C. Ao credor deve ser facultada qual a forma de execução que melhor atenda os seus interesses, competindo ao juiz, uma vez escolhida a execução com pedido de prisão, dar a correta dição do direito após perlustrar com profundidade a justificação apresentada e os demais elementos de convicção carreados aos autos. Cindir a execução previamente, obrigando o credor a ingressar com uma modalidade executiva cujo resultado antecipadamente já se conhece, serve apenas para tumultuar a persecução do crédito, beneficiar o devedor, fomentar o inadimplemento e forçar o ingresso de execuções idênticas a cada trimestre, abarrotando ainda mais um Judiciário que já tangencia, diante do volume de trabalho, os limites da ineficiência.

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