AMARAL E SILVA
DESEMBARGADOR
1 - Generalidades
2 - A Imputabilidade Penal na Legislação
Comparada
3 - Penas ou Medidas?
4 - Conclusões 1 - GENERALIDADES
Expor a importância de manter a imputabilidade
penal aos dezoito anos impõe considerações
preliminares a respeito do que seja Direito, Direito
Penal, Política Criminal, Imputabilidade,
Responsabilidade Penal e Responsabilidade Penal
Juvenil, Estatutária.
Direito geralmente é conceituado como
o conjunto de normas que disciplinam a vida em
sociedade, impostas coativamente. Esse conjunto
se materializa em leis, que podem ser civis (capacidade
das pessoas, família, patrimônio);
comerciais (circulação de bens entre
produtores e consumidores); administrativas (atividade
do Estado e suas relações); trabalhistas
(relação de trabalho entre patrões
e empregados); penais (definem os crimes e as
sanções respectivas) etc...
Enquanto o Direito Penal se ocupa dos crimes
sob o ângulo jurídico, a Criminologia
estuda os delitos como fenômeno social,
analisando suas origens e buscando meios de evitá-los.
O Direito Penal, sob o aspecto científico,
encara o crime como violação das
normas de comportamento estabelecidas no respectivo
Código e leis complementares. As chamadas
leis penais são editadas com o objetivo
de conceituar, reprimir e penalizar ações
ou omissões anti-sociais.
A política criminal sistematiza medidas
visando controlar ou, ao menos, diminuir a delinqüência.
Enquanto a criminologia faz parte da ciência,
a política criminal pertence à técnica.
Baseada na prática do sistema punitivo,
propõe medidas concretas visando melhorar
o controle da delinqüência. Uma delas
é a fixação da idade em que
deve começar a imputabilidade penal, ou
seja, da fase da vida em que a pessoa deva se
submeter às normas do Código Penal
e da legislação complementar.
A imputabilidade penal (capacidade do Estado
de atribuir responsabilidade ante a legislação
penal comum, dos adultos, o Código Penal),
normalmente de todos, não incide em duas
hipóteses: em razão de a pessoa
não ter completado dezoito anos ou por
ausência da capacidade de entender o caráter
ilícito do fato e de se determinar segundo
esse entendimento. No primeiro caso não
se leva em conta, como pensam alguns, o discernimento
(capacidade de entender e querer) e, sim, exclusivamente,
a idade.
O critério dos 18 anos é de política
criminal, nada tendo com a capacidade ou incapacidade
de entendimento.
Admitir que a imputabilidade (penal - comum)
aos 18 anos se baseia na falta de entendimento
do caráter ilícito, anti-social
ou reprovado dos crimes, implica comparar adolescentes
a insanos mentais, o que nada tem de coerente.
É claro que o jovem e mesmo a criança
têm o necessário discernimento, sendo
ambos capazes de entender que é reprovado
furtar, danificar ou matar. Sendo assim, por que,
então, não se submeterem, como os
demais, à legislação dos
adultos, o Código Penal?
É que a criminologia (ciência),
com base em dados decorrentes da análise
da prática do sistema penitenciário
concluiu resultar inconveniente aos próprios
fins de prevenção e repressão
da criminalidade submeter crianças e jovens
ao sistema reservado aos adultos.
A política criminal (técnica),
encarando a delinqüência juvenil, propõe
como alternativa ao método rígido
das penas criminais um sistema flexível
de medidas protetivas e/ou sócio-educativas
capazes, conforme o caso, de proteger, educar,
e até punir, melhor prevenindo práticas
anti-sociais.
Enquanto os maiores de 18 anos têm responsabilidade
penal, os adolescentes têm responsabilidade
estatutária, que eu denomino "penal juvenil".
Os maiores de 18 anos, pelos crimes, se submetem
às penas criminais (multa, prestação
de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos, limitação
de fim de semana, privação de liberdade);
os adolescentes penalmente inimputáveis
ante a legislação comum, mas imputáveis
frente ao Estatuto próprio, se sujeitam
às medidas - até previstas, denominadas
sócio-educativas (advertência, obrigação
de reparar o dano, prestação de
serviços à comunidade, liberdade
assistida, regime de semiliberdade e privação
de liberdade).
A imputabilidade é conceituada como a
possibilidade de imputar, ou seja, atribuir responsabilidade
frente a uma determinada lei. Assim, por infração
de trânsito, por exemplo, a pessoa é
imputável e responsabilizada diante do
Código de Trânsito.
Os adolescentes são imputáveis
ante a legislação própria,
o Estatuto da Criança e do Adolescente,
e responsabilizados de acordo com a referida lei.
Assim, podem ser responsabilizados e punidos com
medidas sócio-educativas, até mesmo
privação de liberdade.
Tal punição difere da dos adultos,
porquanto de caráter predominantemente
pedagógico, de menor duração
e cumprida em estabelecimento próprio,
de caráter educacional. Além disso,
o Estatuto privilegia as medidas restritivas de
direitos, deixando a privação de
liberdade para os casos graves.
Como os adultos, os adolescentes, nos casos previstos
em lei (infrações penais = crimes),
se sujeitam à privação de
liberdade. Em ambos os casos exige-se flagrante
ou ordem escrita e fundamentada do juiz.
Para os imputáveis frente ao Código
Penal, há a Justiça Comum, para
os imputáveis diante do Estatuto dos Adolescentes,
a Justiça da Infância e da Juventude.
2 - A IMPUTABILIDADE PENAL NA LEGISLAÇÃO
COMPARADA
O Professor César Barros Leal, da Universidade
Federal do Ceará, na monografia "A delinqüência
juvenil seus fatores exógenos e prevenção"
(Rio, AIDE Editora, 1983), fazendo análise
da questão, depois de citar o professor
João Benedito de Azevedo Marques, assim
resume a idade da responsabilidade penal na legislação
comparada:
"...14 anos (0,5%), 15 anos (8,0%),
16 anos (13,0%), 17 anos (19,0%), 18 anos
(55,0%), 19 anos (0,5%) e 21 anos (4,0%).
Vê-se que a idade mais baixa é
de 14 anos (Haiti) e a mais alta vem a
ser de 21 anos (Chile, Suécia,
etc.). Na América Latina, nos EUA
e na Europa, a medida é de 18 anos,
sendo que essa uniformidade relativa se
deve, em boa parte, ao Seminário
Europeu das Nações Unidas
sobre Bem-Estar Social (Paris, 1949),
onde se expressou que nos países
europeus, ou ao menos em países
de civilização ocidental,
é desejável que, para efeitos
penais, a idade da responsabilidade não
seja fixada abaixo dos dezoito anos."
3 - PENAS OU MEDIDAS?
Criminólogos e penalistas são unânimes:
o sistema penitenciário está falido. A pena privativa da liberdade não reeduca,
muito menos ressocializa; perverte, deforma. Não
recupera, corrompe.
No Brasil o sistema, além de ineficaz,
constitui um dos maiores fatores de reincidência
e de criminalidade violenta. O fato, sendo público
e notório, dispensa comentários.
Basta ver a superpopulação carcerária,
o "tratamento" de presos e condenados e os altos
índices de reincidência.
Se a falência pedagógica e recuperadora
do sistema carcerário levou penalistas
a preconizarem a substituição do
cárcere por alternativas mais viáveis,
encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer
para o aumento e não para a diminuição
da criminalidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente,
entre outros motivos e também para a prevenção
da delinqüência, assegura os direitos
fundamentais (saúde, educação,
recreação, profissionalização,
assistência social) por meio de ações
que podem ser movidas contra os pais, responsáveis,
até mesmo contra o Estado.
Reconhecendo nos jovens a condição
de sujeitos ativos de direitos, atribui-lhes responsabilidade
estatutária (juvenil), que ouso denominar
"penal juvenil", própria da condição
de pessoa em desenvolvimento.
Tal responsabilidade, pelo caráter pedagógico,
pode implicar, conforme o caso, medidas sócio-educativas,
em algumas hipóteses tão severas
quanto as penas criminais, com a diferença
de ser cumpridas em estabelecimento destinado
a jovens e acompanhadas de medidas educativas
e protetivas abrangendo a própria família.
Objetivamente nada diferem penas e medidas sócio-educativas.
Ambas só podem ser impostas em decorrência
da prática de fatos definidos como infrações
penais, comprovadas autoria, materialidade e responsabilidade.
A diferença reside apenas no sistema,
no caso dos jovens, mais pedagógico e flexível,
permitindo maiores alternativas na execução
das sentenças com medidas de apoio, auxílio
e orientação, até aos familiares.
Se pelo Código Penal um sentenciado por
homicídio pode ser privado de liberdade
por seis anos, pelo Estatuto, o adolescente pode
ficar privado da liberdade por três anos.
Se o caso é tão grave que a sociedade
antes do julgamento precisa segregar, conter,
limitar, defender-se preventivamente, da mesma
forma e nas mesmas circunstâncias que o
adulto, o jovem infrator pode também ser
privado de liberdade. O que o Estatuto exige,
como o faz o Código de Processo Penal,
é que a decisão seja fundamentada
em indícios suficientes da autoria, demonstrada
a necessidade imperiosa da medida.
O que precisa ficar claro, de uma vez por todas,
é que o Estatuto não compactua com
a delinqüência, com a impunidade. É
um sistema justo (científico e jurídico)
em que jovens só podem ser responsabilizados
com observância das garantias constitucionais
e do devido processo legal, o que ninguém
recusa ao pior e mais perigoso dos delinqüentes
adultos.
Os movimentos de defesa dos direitos dos jovens
patrocinam direitos humanos, portanto o direito
de todos à liberdade, à presunção
de inocência e à justiça.
Não compactuam com violência e crime,
principalmente arbitrariedade, quase sempre imposta
aos pobres e desprotegidos sob a falácia
da prevenção da delinqüência.
De outro lado, é grande o exagero quanto
à exata dimensão da chamada delinqüência
juvenil - Estatísticas comprovam que não
ultrapassa 10% de toda a criminalidade. 4 - CONCLUSÕES
1. Compreender a importância da manutenção
da imputabilidade penal aos 18 anos impõe
esclarecimentos sobre o que seja Direito, Direito
Penal; Imputabilidade; Responsabilidade Penal
e Responsabilidade Estatutária Especial
= Penal-Juvenil.
2. Dentre as regras que disciplinam coativamente
a vida em sociedade (o Direito), existem normas
que penalizam, até mesmo com privação
de liberdade, certos comportamentos reprovados
(o Direito Penal). Esse ramo repressivo visa,
com ameaça de punições, prevenir
a criminalidade e, com as penas, recuperar os
criminosos. Só escapam de sua incidência
os menores de 18 anos e os totalmente insanos
mentais (incapazes de entender o caráter
do fato criminoso e de determinar-se de acordo
com esse entendimento).
Os menores de 18 anos ficam fora do Direito Penal
Comum, por conveniência, não porque
sejam imaturos, não tenham discernimento
ou capacidade de entender os malefícios
da conduta criminosa. O critério é
exclusivamente político.
Embora estejam submetidos a regime estatutário
próprio, os adolescentes (12 a 18 anos),
cometendo atos infracionais (crimes), não
ficam impunes. Se submetem a medidas sócio-educativas,
reguladas por um Direito Penal Juvenil (Especial).
A Política Criminal, baseada em pesquisas
e dados científicos (criminologia), recomenda
que a imputabilidade penal (capacidade de atribuir
responsabilidade frente a legislação
penal comum) não deve começar muito
cedo, fixando-se, em média, aos dezoito
anos. É que a ciência concluiu encontrar-se
o sistema penitenciário falido, sem recuperar,
produzindo e reproduzindo violência e criminalidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
no artigo 103 considera o "ato infracional a conduta
descrita como crime ou contravenção
penal". No artigo 121 a "internação
constitui medida privativa de liberdade". O artigo
173 se refere à apreensão em flagrante
e o artigo 108 à privação
preventiva de liberdade.
A prisão, segundo os especialistas, mal
necessário, deve se restringir a hipóteses
extremas, apelando-se a alternativas tanto mais
adequadas e eficazes, quanto mais distantes do
sistema carcerário dos adultos. A necessidade
de separar adolescentes infratores de delinqüentes
adultos, habituais e de tendência, evitando-se
o "contágio", somada à completa
ineficácia do cárcere, ensejaram
a dicotomia, com sistema próprio, destinado
aos jovens. Tal, sendo mais flexível, possibilita
separar os casos mais graves daqueles sem maiores
conseqüências. Para os casos sem gravidade
ou justificados pelas circunstâncias, o
Estatuto prevê desde o perdão até
o auxílio, apoio e orientação.
Para as hipóteses graves, há até
a privação de liberdade.
3. O modelo do Estatuto, se de um lado garante
direitos fundamentais - vida, saúde, educação,
recreação, trabalho, assistência
social -, reconhecendo os direitos dos jovens,
de outro, estabelece responsabilidade estatutária
penal-juvenil, sujeitando adolescentes a medidas
sócio-educativas. Tais podem ir da advertência
à prisão, passando pelos serviços
à comunidade, liberdade assistida, reparação
do dano e semiliberdade.
4. Assim como penas criminais não podem
ser impostas sem o devido processo e os adultos
não podem ser presos por mera suspeita,
também os adolescentes não podem
ser submetidos a medidas sócio-educativas
sem processo nem ser privados de liberdade por
simples desconfiança ou por serem pobres
e ou estarem nas ruas.
A redução da imputabilidade penal
para os 16 anos nada contribuiria para a prevenção
e repressão da criminalidade, visto que
o sistema dos adultos nada resolve. Ao contrário,
vem-se revelando produtor e reprodutor de delinqüência
e violência.
Já se comprovou que os delitos praticados
por adolescentes não ultrapassam 10% de
toda a delinqüência. Ademais, existem
milhares de mandados de prisão para serem
cumpridos.
Os presídios estão superlotados
e há uma verdadeira massa humana de condenados
aguardando vagas no sistema carcerário.
Os presos - com prisão preventiva e os
condenados - amontoam-se sem qualquer possibilidade
de tratamento humano ou recuperador. Remeter os
10% de adolescentes infratores a esse sistema
implicaria engrossar a lista dos que aguardam
vaga nos presídios ou, o que é pior,
lançar jovens de 16 anos definitivamente
na delinqüência violenta pelo contágio
com criminosos temíveis.
Quem gostaria de ver um filho, adolescente de
16 anos, envolvido em delito de ocasião,
preso no sistema cruel e animalizante que a todos
avilta?
5. A solução está em atender
o que preconiza o Estatuto da Criança e
do Adolescente, implementando os Conselhos Tutelares,
a assistência educativa à família,
os programas de liberdade assistida, de prestação
de serviços à comunidade, de semiliberdade,
e criando estabelecimentos onde a privação
da liberdade seja uma medida verdadeiramente sócio-educativa
e humana.
6. Se o sistema penitenciário e o Código
Penal resolvessem, a maioria dos crimes não
seria praticada e todos estaríamos seguros.
O Estatuto trasladou regras das Nações
Unidas, elaboradas pelos maiores especialistas
do mundo em delinqüência juvenil, tanto
na prevenção (Diretrizes de Riad)
como na repressão (Regras de Beijing).
O que é preciso é que sejam logo
implementadas. Basta vontade política.
Estando o sistema dos adultos falido, a prudência
recomenda seja tentado algo novo.
O modelo do Estatuto, no mínimo, merece
ser testado. Há nele flexibilidade, garantia
de direitos e medidas recomendadas internacionalmente.
Vale a pena tentar. A redução da
idade da responsabilidade penal nada alteraria
para melhor, apenas agravaria a situação,
provocando mais violência e criminalidade.
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