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Juros no Contrato de Leasing

André Alexandre Happke -
Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau, em 11/2/2000
Aluno da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina
Assessor no Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Em Blumenau (SC), maio de 1999; atualizado em novembro de 2000, Florianópolis (SC).

TERMOS-CHAVE
Arrendamento mercantil – leasing – juros – existência/inexistência

RESUMO INTRODUTÓRIO

O leasing erigiu-se a uma das mais utilizadas figuras contratuais da atualidade, no seu campo de atuação. É verdade que seu uso já esteve até mesmo mais difundido, notando-se um certo retraimento nos últimos tempos, talvez em virtude das novas interpretações do instituto feitas pelos tribunais.

Tendo sido importado do direito americano sem maiores cuidados quanto à compatibilidade com os tradicionais e novéis princípios latinos que norteiam o ordenamento jurídico pátrio, tornou-se também uma das mais controvertidas formas contratuais.

Inúmeras são as questões que lhe cercam, algumas já com solução relativamente definida na doutrina, na jurisprudência, outras cada vez mais conturbadas.

Prendem-se estas linhas à discussão da existência ou inexistência da cobrança de juros no contrato de leasing, matéria muitas vezes alegada pelos procuradores das instituições financeiras.

LEASING – O CONCEITO

O Ministro Cláudio Santos, do Superior Tribunal de Justiça, em seu artigo " LEASING - QUESTÕES CONTROVERTIDAS" RJ Síntese - nº 223 - MAI/96, p. 5), traçou o seguinte conceito :

"Basicamente, no contrato de leasing, alguém titular da propriedade plena de uma coisa, móvel ou imóvel, cede a outrem, pessoa jurídica ou natural, o uso do bem, mediante a transferência de sua posse direta, que assim poderá utilizar-se dele ou explorá-lo economicamente, sendo assegurado ao final do prazo do contrato a simples devolução da coisa, a renovação do contrato ou a sua aquisição pelo preço residual avençado, tudo contra o pagamento periódico ou simplesmente mensal de valor fixado no contrato."
Na Revista Jurídica dos Acadêmicos de Direito da Universidade Regional de Blumenau, nº 3 (primeiro semestre de 1998), para a qual tivemos a oportunidade de contribuir, defendemos que as financeiras que se utilizam da figura contratual leasing o fazem de maneira incorreta e abusiva - opinião que mantemos ainda. A par da discussão que envolverá este trabalho, fundamentamo-nos no fato de não colocarem realmente à disposição do pseudo-arrendatário as três opções que caracterizam o leasing antes referidas.
LEASING – A DISCUSSÃO INSTALADA

Na esteira da honrosa minoria (mas de evolução constante) que defende a vigência plena do § 3o do art. 192 da Constituição Federal, que garante que os juros reais cobrados não podem ser superiores a 12% ao ano, muitos consumidores insurgem-se contra a abusividade dos juros cobrados nos contratos de leasing que firmam.

Como já sustentamos no artigo anterior, a maioria daqueles contratos não são em verdade leasings, mas sim, compra-e-venda financiada dissimulada, com o intuito de utilização abusiva das proteções contratuais conferidas aos verdadeiros contratos de arrendamento mercantil.

Porém, considerando-se estar diante de um verdadeiro contrato de leasing pergunta-se: são cobrados juros ? As empresas de arrendamento mercantil têm insistido que não. Que em tal operação não há cobrança de juros.

LEASING – O PROBLEMA

Inicialmente, necessário conceituar juro: é a remuneração do capital, o aluguel do dinheiro. Para Iêdo Batista Neves é o "prêmio de dinheiro emprestado" (In: Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos, ed. Fase).

Será possível crer que uma entidade financeira, como é a empresa de arrendamento mercantil, trabalhe sem almejar cobrar pelo capital emprestado, cobrar juro, lucrar ? Não.

Pode pensar então o leitor que a resposta à questão está dada, mas não está. O leasing remunera o capital de quem empresta, e a remuneração do capital é o juro, mas onde está este juro ?

Para o eminente Athos Gusmão Carneiro (In: Leasing: O contrato de leasing financeiro e as ações revisionais, publicada na RJ no 237, p. 5) é essencial ao leasing financeiro que "os valores das contraprestações, mais o valor residual, necessariamente incluam, como de fato incluem: a) o custo do dinheiro ... b) o spread, porquanto a empresa de leasing necessita cobrir seus encargos operacionais e precisa, naturalmente, auferir lucro na operação", concorda, pois que é cobrado juro e o localiza no local correto, no chamado spread.

Invocam então os competentes procuradores das companhias financeiras que quando alguém faz o leasing deles, adquirindo uma máquina de R$ 100.000,00 e paga vinte e quatro parcelas de R$ 7.500,00 - considerando parcela realmente fixa – ao final terá pago R$ 180.000,00.

Em uma operação normal de financiamento, os juros reais aplicados seriam facilmente identificáveis deflacionando-se o capital. Ou seja, daqueles R$ 80.000,00 a mais, o que não é correção monetária, inflação, é juro. (Curiosamente é isto – juro real - que o STF diz que precisa ser regulamentado quando deixa de aplicar o art. 192 §3o da Constituição)

Em um leasing, no entanto, o que as empresas financeiras afirmam que se está pagando é o aluguel mensal e um valor residual, não há juro, portanto – concluem alguns.

Como demonstrado no início, há sim o juro. No verdadeiro leasing ele está compreendido na estimativa dos aluguéis ou quem sabe no valor residual "garantido", este último a quem as arrendadoras atribuem tantas finalidades.

Ocorre então que é impossível verificar o consumidor quanto é afinal que está sendo cobrado de juro (em quanto a arrendadora está remunerando seu capital), o que prejudica o controle sobre a abusividade de sua cobrança e inclusive fere o Código do Consumidor, quando este afirma que as ofertas de serviços, como este de leasing, têm de trazer informações "corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores." (art. 31 da Lei 8.078/90)

Ora, se o consumidor não sabe de quanto é o juro da operação que está contratando, está faltando clareza e precisão nas cláusulas do negócio.

Tamanha é a confusão criada pelos entes financeiros que quando for então mesmo eficaz um limite de cobrança de juros, poderão dele fugir pois para averiguar qual é o juro mesmo cobrado nesta operação, tirando da diferença entre a dívida final a correção monetária e inflação, para saber o que é custo (do dinheiro e operacional) e o que é juro será necessária uma perícia – o que é incompatível com um contrato que se presta a relações de consumo.

LEASING – O VERDADEIRO JURO

Numa operação de leasing, portanto, o juro não é fácil de quantificar, mas pelo menos já se sabe onde ele está.

O problema é quando se considera – como consideramos – que para a maioria dos contratos que circulam no mercado, a palavra leasing ou arrendamento mercantil é apenas um adorno no contrato (partindo-se da boa-fé) e não guarda relação com a verdadeira natureza daquela relação jurídica.

Para esclarecer os que pensam que a discussão está superada, no dia 5/4/99, precisamente às 12h 22min, nas Notícias do Superior Tribunal de Justiça (http://www.stj.gov.br) veiculou-se que a Quarta Turma daquele pretório, no julgamento do REsp 178.272, onde foi relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar e restou decidido que a cobrança antecipada do valor residual dito "garantido" descaracteriza o leasing.

Oportunamente, verifica-se naquela mesma notícia que os Ministros entenderam que quando se paga o valor residual juntamente com as parcelas de arrendamento causam prejuízo "na medida em que tal parcela serve para compor o valor da prestação mensal, sobre a qual incidirão juros e outros acréscimos". (cit.)

Portanto, no momento em que se considera que tal contrato não é realmente um arrendamento mercantil, tem-se aquela hipótese da operação normal de financiamento antes referida e então discute-se sobre a abusividade dos juros cobrados, coloca-se em questão, principalmente, a excessiva onerosidade impingida ao consumidor. Onerosidade esta decorrente da aplicação de "regalias" do contrato de leasing em favor das arrendadoras e em prejuízo dos consumidores.

Por fim, nunca é demais sustentar que a relação entre as arrendadoras e os arrendatários (ou pseudo-arrendatários) é de consumo sem dúvida. Entre outros motivos, afinal, porque quem está fornecendo o bem em arrendamento, é a arrendadora. Isto é um serviço e bem tipificado no artigo 3o, §2o do CDC.

LEASING – A CONCLUSÃO

Nesse contexto, conclui-se que existem sim juros no contrato de leasing, e que a noção de seu quantum, da maneira como vem sendo utilizada a figura atualmente, não é passível de claro conhecimento e entendimento pelos consumidores, de sorte que mostra-se figura contratual, no mínimo, inadequada ao uso no ordenamento pátrio atual.

Necessário, para que seu emprego não constitua abuso, a clara e correta informação do consumidor, demonstrando-se a formação do preço do contrato, com especificação do principal, custos e despesas operacionais, margem de lucro e previsão de correção monetária (quando for o caso).

 
 
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