André Alexandre Happke. Bacharel em Direito pela Universidade
Regional de Blumenau, em 11.02.2000, Assessor no Tribunal de Justiça de Santa
Catarina.
Trabalho apresentado no III Concurso de Trabalhos Artigos Jurídicos
do Diretório Acadêmico Clóvis Beviláqüa, em maio de 1998.
Publicado
na Revista Jurídica dos Acadêmicos de Direito
Da
Universidade Regional de Bluemau, n. 3, de 1998.
ÍNDICE
Resumo/introdução / Palavras-chave / 1. Conceito do autor /
2. Estrutura e funcionamento do contrato / 3. O momento crítico / 4. Situação
atual do leasing / Conclusões / Referências bibliográficas /
Bibliografia.
RESUMO/INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, cumpre esclarecer que nem todo contrato
de leasing padece do vício jurídico chamado simulação, apesar de para alguns
renomados juristas o leasing, da maneira como vem sendo utilizado, ser um
contrato absolutamente nulo.1
Este pequeno trabalho não pretende generalizar, muito menos
afirmar que a sociedade deve ser avessa à “importação” de modelos de contratos
como este.
O objetivo que se busca é estabelecer alguns pontos de
partida para uma posterior elaboração mais detalhada sobre o assunto. É a visão
inicial de um acadêmico que pensa o leasing de maneira a tentar que seja
utilizado também como incentivo à produção, e não apenas para mascarar
financiamentos com o intuito de aumentar garantias, e de conseguir vantagens
tributárias que no final das contas somente revertem em benefício das
instituições financeiras.
Como acima afirmei. A “versão” que o leitor acompanhará a
seguir pode não ser ainda a posição final deste que escreve, na humildade dos
primeiros passos no estudo do Direito, mas é fruto de uma convivência com
questões judiciais relativas a estes contratos.
PALAVRAS-CHAVE
Leasing – arrendamento mercantil - simulação – usura
financeira uso indevido de figura contratual
1. CONCEITO DO AUTOR
Leasing ou arrendamento mercantil, no Brasil, deveria ser um
contrato pelo qual uma determinada pessoa, para quem não seja possível ou viável
comprar um determinado equipamento no mercado comum, opta por tomá-lo em
arrendamento de uma instituição financeira, durante um determinado período. O
Objetivo do arrendatário é satisfazer sua pretensão, que é de utilizar o objeto.
O contrato ainda confere ao arrendatário três opções ao final do arrendamento:
a) ficar com o objeto; b) devolvê-lo e c) prosseguir renovando o
arrendamento.
2. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO CONTRATO
O leasing é um contrato complexo, em princípio se tem um
arrendamento e uma opção de compra. Ao final do arrendamento, se tem uma
compra-e-venda e provavelmente um financiamento.
O arrendamento se opera pelo pagamento periódico de parcelas
(geralmente mensais). Concomitantemente, a instituição financeira, confere, no
contrato, uma opção de compra, onde se propõe a vender o objeto ao final do
contrato, por um preço previamente pactuado, se assim desejar o
arrendatário.
Na prática, o que se espera é que uma EMPRESA X, precisando
aumentar sua produção, e por conseqüência, seus lucros, recorra à Y LEASING -
ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. e indique o bem de que necessita. Y então adquire
tal bem e o arrenda para X por um período determinado. Advindo o termo final do
arrendamento, X, que teve sua produção incrementada pode quem sabe ter
possibilidade de adquirir o bem anteriormente arrendado. Pode no entanto não ter
alcançado o incremento necessário ou não precisar mais da máquina e devolve-a. É
possível ainda que naquele momento não possa comprá-la, mas continua precisando
dela, tendo a faculdade de renovar o arrendamento.
3. O MOMENTO CRÍTICO
Se acontecesse na “vida real” como no exemplo do item
anterior não haveriam tantos problemas com o contrato em si, seriam eles
obviamente possíveis, mas relacionados a eventos outros que não o contrato em
si.
A instituição financeira arrendadora não tem o objetivo de
incentivar a produção e seria ingenuidade esperar isso dela. Este objetivo era
do legislador, quando trouxe o contrato para o Brasil. Constata-se então que
para que aquele objetivo do legislador se concretize, a arrendadora terá de
despender recursos e com isso visará lucro. É o sistema capitalista (sem
crítica).
O grande problema é que por decisões de
tribunais superiores, puramente políticas, permite-se que instituições
financeiras cobrem juros, taxas, acréscimos, multas e toda sorte de outros
valores que se aglomeram-se tornando o custo de utilizar-se do leasing (que é
apenas um dos exemplos) muito elevado.
Para que seja viável para o arrendatário, é essencial que
aquele bem arrendado lhe traga uma certa renda, ajudando a “se pagar”, do
contrário, arcando a arrendadora com todo o custo sem nenhum retorno do bem, o
preço do contrato torna-se, na maioria esmagadora dos casos, exorbitante.
Por esta razão é que se defende que somente empresas podem
contratar leasing, o particular precisa de bens apenas para o uso, e este uso
dele não traz renda.
4. SITUAÇÃO ATUAL DO LEASING
Com os olhos sobressaltados diante de possibilidades de
lucro, que conforme demonstrarei, são praticamente infinitas, as instituições
arrendadoras têm utilizado do contrato de leasing de forma cada vez mais
alastrada, tendo conseguido estender seus tentáculos até os particulares
(pessoas físicas), e quem sabe o que mais está por vir.
Para vocês leitores desta revista, não é novidade que apesar
de a constituição vedar juros reais maiores do que 12% ao ano, o mercado
financeiro (no qual se incluem as arrendadoras) chega a cobrar isto por mês, com
a inflação mensal atual flutuando em 1%. Além disso, prevêem em seus contratos
várias formas outras de “correção” das parcelas mensais, inclusive com cumulação
de índices.
Com o inadimplemento praticamente certo, nestas
circunstâncias, não poderiam deixar de prever multas astronômicas, garantias de
legalidade duvidosa e toda sorte de outros ônus.
Há que se esclarecer ainda, que o leasing oferece ainda mais
dois atrativos para estas instituições: a) não incide o IOF (Imposto sobre
Operações Financeiras) sobre o contrato de leasing, b) o bem objeto do contrato
pode ser reavido através de medida de reintegração de posse em caso de
inadimplemento, deixando o bem quase que imediatamente disponível para uma nova
vítima contratual.
Com vistas a tudo isto e a muito mais que ainda escapa ao
conhecimento deste que vos escreve, buscaram as arrendadoras abrir cada vez mais
as possibilidades de firmar tal contrato.
Com isto, começaram a contratar leasing com quem queria, de
pronto, comprar o bem. Chegam a anunciar a “venda do bem através de leasing” !
Uma impropriedade, no mínimo. Se o indivíduo quer, desde já comprar um bem,
então a figura contratual a ser utilizada não é o arrendamento mercantil.
O problema é que as vítimas não sabem disso, que podem
comprar melhor fazendo reserva de domínio para o vendedor, com cláusula de
alienação em garantia, e acabam se submetendo a contratos de leasing sem saber,
na maioria das vezes, seus efeitos, acreditando mesmo estarem financiando seus
bens.
Neste caso, o que ocorre é uma simulação, eis que a falsa
arrendadora está mascarando o financiamento e a compra-e-venda utilizando-se de
leasing, evitando assim algumas incidências tributárias e munindo-se de
garantias outras a que teria direito.
Tanto isto é verdade que simplesmente deixaram de existir
(de fato) duas das opções que devem existir no leasing. Não deixaram de ser
incluídas no contrato (aquele simulado), mas seu exercício é praticamente
impossível tamanho o prejuízo que adviria ao arrendatário.
Veremos então, a seguir, como estas opções se comportam com
o uso generalizado atual do leasing:
4.1 A devolução do bem: por razões das mais diversas
o até então arrendatário resolve devolver o bem. Na atual situação econômica e
uso do contrato de maneira errônea, geralmente quando se opta por devolver o bem
é porque não mais tem condições financeiras o arrendante de permanecer locando o
bem.
As parcelas que vinham sendo pagas pelo arrendatário eram
verdadeiros aluguéis. Considerando que a instituição financeira não terá de
devolvê-los, e, ainda terá o bem objeto do arrendamento de volta, podendo fazer
o que bem entender dele, o valor desses aluguéis não pode ser tão alto a ponto
de se ter pago mais do que vale naquele momento o bem, seria um contra-senso,
uma imoralidade.
Esta, porém é a opção, na verdade é bastante conveniente
para a arrendadora que cobra aluguel alto, eis que já recebeu mais do que se
vendesse o bem naquele momento e ainda pode vendê-lo novamente, ou seja, receber
mais que o dobro do que vale o bem.
Ou melhor ainda, pode arrendá-lo novamente, com um pouco de
sorte aliada às taxas extorsivas, o novo arrendador não terá condições de pagar
novamente e terá a instituição recebido pela segunda vez mais do que o bem vale
e ainda o poderá vender, ou quem sabe, arrendar de novo numa cadeia sem
fim.
Com a percepção de que não pode perder tamanho investimento,
geralmente não é esta a opção desejada pelo arrendatário.
Esclareça-se ainda que, segundo a lei, cabe demanda por
perdas e danos decorrentes da deterioração do bem objeto contra o
arrendante.
Na prática, o leitor adquire um veículo de R$ 12.000,00,
dentro de algum tempo já pagou R$ 15.000,00 para a instituição financeira. Não
tendo mais como pagar, devolve o bem, não recebe nada, ainda pagará alguns
milhares de reais a título de perdas e danos pela deterioração e desvalorização
do bem. Enquanto isto, a instituição financeira arrenda novamente este bem que
agora vale R$ 8.000,00, e poderá receber novamente mais uns R$ 13.000,00, ao
final do contrato, de uma nova “vítima”.
4.2. A renovação da locação: ter um leasing renovado
é, na maioria dos casos atuais, um péssimo negócio, pois, não raras vezes, ao
pagar menos da metade do contrato, já se pagou mais do que vale o bem arrendado,
e alugá-lo novamente eqüivale a pagar de novo mais do que ele vale com o risco
de não vir a ser proprietário dele se não conseguir pagá-lo novamente.
Note o leitor que trabalha-se muito com a hipótese de não se
ter condições de continuar pagando pois é a possibilidade mais concreta
atualmente, devido às altas taxas, correções, multas e acréscimos utilizados
pelas instituições de leasing e a própria situação da economia.
Das duas hipóteses tratadas, tira-se a conclusão de que o
aluguel pago não pode suplantar o valor do bem arrendado, pois, implicitamente
estar-se-ía tornando inviável (impossibilitando) as opções por devolver e por
renovar a locação. E, segundo a lei, para ser um leasing, dever ter o
arrendatário estas três opções.
4.3 A compra do bem, terminada a locação. Exercendo
esta opção o arrendatário passa a ser adquirente e o contrato de leasing deixa
de existir, dando lugar a uma compra-e-venda.
Considerando que tudo o que se pagou antes de se optar pela
compra é aluguel, e que o valor não deve atingir o valor do bem, como antes se
argumentou, existirá um valor com o qual se completa a aquisição do bem. Este
valor chama-se “valor residual”. É a diferença de valores que paga quem vai
ficar com o bem, daquele que locou e devolveu o bem.
A lei prevê que este valor será pago no final da locação,
pois aquele é o momento para se exercer a opção de compra.
Pagando antes do término da locação o valor residual, o
arrendatário exerce antecipadamente a opção de compra que deixa de existir,
dando lugar à uma compra-e-venda, deixando de existir o leasing.
Devido ao considerável (considerável é diferente de
exorbitante) valor residual que se espera de um leasing, este resíduo geralmente
é pago em parcelas. Considerando ainda que não há mais uma opção de compra, este
parcelamento é um financiamento, que é acessório à compra-e-venda que já é
perfeita e acabada.
Neste momento, serão pagos os impostos relativos àquela
circulação de bens, e o bem arrendado será integrado no patrimônio do
adquirente.
Na prática ocorre diferente, algumas instituições cobram
junto com a locação, o valor residual. Agindo desta maneira dissimulam a
compra-e-venda financiada, o que afeta a incidência tributária e os municia de
remédios jurídicos e da estrutura de um contrato de leasing.
Há ainda aquelas instituições que afirmam que aquele
contrato de leasing não tem valor residual ! Salta aos olhos que, se não se paga
resíduo, o tempo todo se paga aluguel. E quem é que vai poder optar por devolver
o bem findo o contrato, ou renovar o arrendamento, se sem pagar mais um tostão
pode ficar com o bem ? Novamente se tiram duas das opções de existência
obrigatória no leasing.
Desejando esconder tal obviedade, passou-se a adjetivar o
valor residual de “garantido”, sustentando que tal montante seria devido para o
caso de o arrendatário devolver o bem, o que faria com que a instituição
“sofresse” com a deterioração e desvalorização do mesmo. Da maneira como
utilizam o leasing isto é impossível ocorrer pois:
Por antecipação, o arrendatário já optou por ficar com o
bem, pois está pagando o valor residual, desta forma, a instituição não arcará
com a desvalorização e com a deterioração.
Como já foi dito anteriormente, geralmente o que se paga a
título de locação é mais do que vale o bem, e portanto, recebendo o bem, e
parcelas que somadas suplantam seu valor, qualquer dano ou desvalorização já
estariam compostos.
Se realmente o valor residual fosse para “garantir” a
deterioração e a desvalorização que “eventualmente” a instituição sofreria,
findo o contrato, e feita a opção de compra, o “valor residual garantido”
deveria ser devolvido ao arrendante. Tendo esta finalidade, o valor residual não
seria a diferença pela opção de compra, ficando-se, portanto, sem previsão legal
de como exercer a opção de compra.
CONCLUSÕES
Com todo este circo armado, as arrendadoras, a pouco tempo
em maior número, financiavam ( através de leasing ! ), por exemplo, um veículo
que, zero quilômetro, valia R$ 12.000,00, emprestando na verdade R$ 18.000,00.
Pagava-se o valor residual juntamente com as vinte e quatro parcelas do
arrendamento. Com o pagamento da décima segunda prestação, com todos seus
acréscimos, a arrendadora já tinha embolsado R$ 22.000,00 e ainda acenava com
uma saldo devedor de R$ 26.000,00. Enquanto isto, o veículo do inadimplente, que
então valia R$ 8.000,00, é apreendido e devolvido à arrendadora, que sem demora
o arrendava a outro, recebendo outras tantas vezes o valor dele e ainda com a
esperança de cobrar daquele primeiro desgraçado as perdas e danos decorrentes do
desvalorização e deterioração.
Somente será possível moralizar esta situação vedando a
prática de usura pelas instituições financeiras (o que hoje é permitido, desde
que não se chame de usura), senão sempre aparecerá outro contrato para ser
imposto àqueles que precisam de incentivos financeiros para crescer.
A última novidade, é o leasing de parcelas fixas (algumas
fixas com variação cambial [sic] ), onde afirmam os arrendadores que aquele é um
leasing que não é aluguel, que não tem valor residual garantido. Tudo isto
somado àquela isenção de IOF. Tenta-se demonstrar, em princípio, que é uma das
formas mais baratas de “comprar” um veículo (ou outro bem) atualmente. Tamanha é
a excrescência jurídica que comparável a isso somente se o leitor comprasse um
apartamento e em cima do contrato viesse escrito “LOCAÇÃO”, aplicando-se à sua
aquisição a lei de locações e não as disposições acerca de
compra-e-venda.
Por derradeiro, fechem os ouvidos para os argumentos de que
“contrata quem quer”, “está-se ajudando os caloteiros”. Ou a nação toda virou
vigarista ou apelos como “R$ 1,00 de entrada” (isto mesmo um real) para sair da
loja com seu veículo zero quilômetro e com um contrato de leasing apontado como
uma arma para sua cabeça, equivalem a praticamente obrigar aqueles de consumo
reprimido (a grande maioria) a sujeitarem-se a tais contratos sem conhecer seus
efeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ROSA, Pedro Valls Feu. Leasing no Direito Brasileiro.
In.: Revista Jurídica CONSULEX. Editora Consulex: Brasília, 30 de abril de
1.997, ano I, nº 4, p.47-52.
BIBLIOGRAFIA
1. DELGADO, José Augusto. Leasing – Doutrina e
Jurisprudência. Juruá: Curitiba, 1.997.
2. ZENI, Fernando César e DIAS Caroline Said. O Contrato de
Leasing e a discussão judicial de abusividade de juros. In.: Síntese Jornal.
Editora Síntese: Porto Alegre, abril de 98, p.6.
3. GAZENTA MERCANTIL. Juíza limita taxa de juros no leasing.
SS: , edição de 31 de julho de 1.997, p. A-12.
4. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e
Serviços. Sub. Operações de Leasing. Qualitymark: Rio de Janeiro, 10ª ed. p.
164-175. |