NILTON JOÃO DE MACEDO MACHADO
(*)
No sistema penal codificado brasileiro,
tendo como fundamento o "estímulo à
verdade processual" (Exposição de
Motivos da Lei n. 7.209/84), está prevista a
"confissão espontânea" (CP, art.
65, III, "d") como circunstância atenuante.
Com a evolução dos tempos
e aumento da criminalidade, cada vez mais sofisticada,
aos poucos foi-se introduzindo "delação
premiada" como forma de estímulo à
elucidação e punição de
crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual
ou organizada, como se vê em diversos textos,
como § 4º, do art. 159, do Código Penal, com
redação dadas pelas Leis ns. 8.072/90
e 9.269/96; § 2º, do art. 24, da Lei n. 7.492/86, acrescentado
pela Lei n. 9.080/95; par. único do art. 16,da
Lei n. 8.137/90, acrescentado pela Lei n. 9.080/95;
art. 6º, da Lei n. 9.034/95 e § 5º, do art. 1º, da Lei
n. 9.613/98).
No entanto, dificilmente se encontrava
algum agente, ou mesmo vítima ou testemunha capaz
de delatar (na linguagem corrente, "esta palavra
adquiriu conotação pejorativa, tomando
o sentido de acusação feita a outrem,
com traição da confiança recebida,
em razão de função ou amizade")
(1), porquanto não havia qualquer forma de garantia
ou sistema de proteção da segurança
do próprio delator ou de sua família,
que ficava jogado à própria sorte; a doutrina
reclamava a instituição de programa específico
para proteção das vítimas e testemunhas
(2), pois o "código do silêncio"
revelou-se ser uma das principais dificuldades no combate
à criminalidade, diante do temor das pessoas
em testemunhar fatos delituosos presenciados ou dos
quais tenham sido vítima ou deles participado.
As raras testemunhas que assim o fizeram, em crimes
de repercussão, "geralmente eram levadas
para conventos ou igrejas" enquanto outro, com
ajuda da Anistia Internacional, foi retirado do país
(3).
Com a publicação e vigência
imediata da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas
"normas para a organização e a manutenção
de programas especiais de proteção a vítimas
e a testemunhas ameaçadas", instituiu-se
"o Programa Federal de Assistência a Vítimas
e a Testemunhas Ameaçadas" e dispôs-se
"sobre a proteção de acusados ou
condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva
colaboração à investigação
policial e ao processo criminal".
A lei está imbuída de
nobre propósito, qual seja de proteger vítimas
e testemunhas ameaçadas por sua colaboração
na elucidação de fatos criminosos; de
outro lado, todavia, representa falência do Estado
no cumprimento de um de seus objetivos básicos
(segurança pública), mormente quando pressionado
pela opinião pública a dar respostas rápidas
e eficazes no tratamento desta questão, na busca
substituir os meios normais de investigação
e suprindo o "déficit" estrutural investigatório
do Estado, estimula a delação que é
forma não ética de revelação
da verdade, premiando-a (4) em relação
aos réus colaboradores, como já fizeram
outros textos penais.
Conquanto tenha sido esperada como
mais um elemento de apoio à apuração
e punição de crimes, cada vez mais complexos
e/ou violentos, a lei está direcionada às
vítimas, testemunhas e réus colaboradores,
silenciando sobre os agentes e servidores do aparato
policial/judicial que eventualmente sejam coagidos ou
sofram graves em virtude de suas atuações
nas investigações ou processos criminais,
não fosse a possibilidade de também figurarem
como vítimas além das hipóteses
mais comuns de serem as raras testemunhas.
Ao denominar "réus colaboradores"
os acusados ou indiciados que tenham voluntariamente
colaborado com a investigação e o processo
criminal (art. 13), utiliza-se de eufemismo para evitar
termos como 'delator' ou mesmo 'traidor', cabendo ressaltar,
como enfatizou Damásio E. de Jesus ao referir-se
à delação premiada na Lei 9.034/95,
que não é pedagógica, porque ensina
que trair traz benefícios; sendo eticamente reprovável
(ou, no mínimo, muito discutível), deve
ser restringida ao máximo possível (5).
Ao nada dispor sobre as Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) e comissões
disciplinares, poder-se-ia entender que os programas
teriam sido delimitados às investigações
policiais (vide ementa da lei e seu art. 5º, III) e
processos criminais; contudo, diante da amplitude da
expressão solteira "investigação"
contida no art. 1º, caput, tem-se que é possível
estendê-la às investigações
realizadas por estes órgãos não
policiais, em face da natureza, finalidade e competência
destes, uma vez preenchidos os demais requisitos da
lei e se vislumbre apuração de crimes.
Quanto à espécie dos
crimes, a lei não faz distinção
entre aqueles de ação penal pública
(condicionada ou não) ou privada, resultando
em ser possível sua aplicação integral
a qualquer deles, mesmo quando se tratar de crimes de
ação penal exclusiva.
Especificamente em relação
a vítimas e testemunhas a lei menciona "proteção
especial" a ser prestada mediante programas especiais
organizados com base em suas disposições
(capítulo I - arts. 1 a 12); tal proteção
tem-se revelado necessária pois, segundo dados
fornecidos por ONG´s que já atuam nos Estados
de Pernambuco, Bahia e Espírito Santo, a testemunha
típica é homem, 18 anos, baixas escolaridade
e rendas que, em 47% das vezes está denunciando
crimes cometidos por policiais (6).
A proteção e as medidas
decorrentes deverão ser consentidas e levar em
conta a gravidade da coação ou da ameaça
à integridade física ou psicológica,
a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios
convencionais e sua importância para a produção
da prova, podendo ser estendidas ao cônjuge ou
companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes
que tenham convivência habitual com a vítima
ou testemunha, excluindo-se expressamente os "indivíduos
cuja personalidade ou conduta seja incompatível
com as restrições de comportamento exigidos
pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena
e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar
em qualquer de suas modalidades", sem prejuízo
a eventual prestação de medidas de preservação
da integridade física desses indivíduos
por parte dos órgãos de segurança
pública "(§ 2º, art. 2º).
O eventual protegido não pode
estar cumprindo pena e nem ser indiciado ou acusado
submetido a prisão cautelar.
Destaque-se que este preceito é
cogente, não podendo, portanto, ser desrespeitado,
já que a norma tem o claro fim teleológico
de somente propiciar medidas excepcionais de proteção
às vítimas e testemunhas, merecendo os
réus colaboradores tratamento diferenciado.
Mas é discutível a situação
da testemunha que tenha sido condenada e cumpre pena
restritiva de direito; se, por um lado resgata, a rigor,
uma sanção penal, verifica-se, de outro,
que o artigo também veda, expressamente, a proteção
de condenados e indiciados que estejam sofrendo privação
da liberdade por prisão cautelar sugerindo, com
isso, que apenas busca evitar aplicação
das medidas protetivas à pessoas que estejam
privadas da liberdade, inclusive cautelarmente. Assim,
a princípio, mesmo os condenados que foram beneficiados
com a substituição da pena privativa de
liberdade nos moldes previstos pela Lei n. 9.714/99,
poderão ingressar nestes programas de proteção
às testemunhas.
Em relação a vítimas
e testemunhas com antecedentes criminais, a lei não
obsta seu ingresso no programa, cabendo, contudo, ao
representante do Ministério Público (art.
3o) a análise do comportamento e personalidade
do agente (art. 2o, "caput"), requisitos
que, em tese, poderão, conforme o caso concreto,
impedir o acesso ao programa de proteção.
Por fim, não estando condenados,
podem ingressar e obter a proteção do
programa os indivíduos processados mas cujo processo
esteja suspenso face do art. 89, da Lei n. 9.099/95,
com o que se possibilita até que usuários
de drogas (art. 16, da Lei n. 6.368/76) colaborem na
identificação e prisão de narcotraficantes
(art. 12, da mesma lei).
Os réus colaboradores, embora
excluídos dos programas e medidas de proteção
previstas às vítimas e testemunhas, não
estarão desamparados, pois a exclusão
não impede a adoção de determinadas
medidas, previstas no art. 7o para proteção
dos mesmos, podendo ser agraciados inclusive com medidas
cautelares (art. 8o c/c art. 15, §2o),
que preservem sua integridade física (art. 2o,
§2o, parte final = "Tal exclusão
não trará prejuízo a eventual prestação
de medidas de preservação da integridade
física desses indivíduos por parte dos
órgãos de segurança pública",
e não pelos conselhos deliberativos dos programas).
A gravidade da coação
ou da ameaça à integridade física
ou psicológica deve ser iminente, para justificar
a proteção? Creio não ser necessária,
pois "em caso de urgência e levando em conta
a gravidade e a iminência da coação
ou ameaça" a vítima ou testemunha
poderá ser colocada sob a proteção
cautelar prevista no § 3º, do art. 5º; a contrario senso,
não sendo iminente mas previsível, embora
grave a ameaça de coação, a proteção
pode ser concedida pelos trâmites normais do mesmo
artigo. Todavia, considerando que os recursos financeiros
serão limitados, implicando em número
restrito de vagas aos programas, vislumbra-se que neles
somente ingressarão aquelas pessoas vítimas
de perigo real e concreto à sua integridade física
ou psicológica, ou de seus parentes.
O art. 7º elenca as medidas, "dentre
outras" (o que permite sejam encontradas outras
formas não descritas) que podem ser aplicáveis,
isolada ou cumulativamente, em benefício da pessoa
protegida, valendo relacioná-las: I - segurança
na residência, incluindo o controle de telecomunicações;
II - escolta e segurança nos deslocamentos da
residência, inclusive para fins de trabalho ou
para a prestação de depoimentos; III -
transferência de residência ou acomodação
provisória em local compatível com a proteção;
IV - preservação da identidade, imagem
e dados pessoais; V - ajuda financeira mensal para prover
as despesas necessárias à subsistência
individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida
estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular
ou de inexistência de qualquer fonte de renda
(sujeita a teto, art. 7o, par. único);
VI - suspensão temporária das atividades
funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos
ou vantagens, quando servidor público ou militar;
VII - apoio e assistência social, médica
e psicológica; VIII - sigilo em relação
aos atos praticados em virtude da proteção
concedida; IX - apoio do órgão executor
do programa para o cumprimento de obrigações
civis e administrativas que exijam o comparecimento
pessoal; X - alteração nos registros públicos
do nome completo do protegido (art. 9o, caput),
medida excepcional que pode ser estendida aos seus descendentes.
- Dentre estas medidas sobressai, já
no inciso I, o "controle de telecomunicações",
sendo importante salientar que a Carta Magna garante
a inviolabilidade do sigilo das comunicações
telefônicas (art. 5o, XII, regulamentado
pela Lei n. 9.296/96), salvo por determinação
judicial; na espécie, adotada a medida de proteção
epigrafada com conhecimento do protegido, ainda que
tecnicamente não se trate de interceptação
telefônica, ainda assim resulta como altamente
controvertida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
a licitude das gravações obtidas desta
forma (8).
Assim, como forma de garantia de posterior
validade como meio de prova, as interceptações
telefônicas deverão ser previamente autorizadas
pelo juiz competente, na forma da lei reguladora (n.
9.296/96).
A imposição de um teto
para a ajuda financeira mensal deverá ser definida
pelo conselho deliberativo (art. 7o, par.
único), cujo valor deverá equilibrar dois
aspectos contrários entre si: a) a manutenção
do nível de vida do protegido; e b) verba existente
para o programa.
Além de se exigir a anuência
do colaborador ou do seu representante legal o sigilo
(§ 3º, art. 2º), antes e durante sua execução
(art.10, I), (§ 5º, art. 2º, c/c art. 7º, VIII) o programa
é marcado pela temporalidade bienal (art. 11)
que, salvo circunstância excepcional, poderá
ser prorrogado (par. único), creio que por tempo
indefinido, vale dizer, enquanto permanecerem as condições
que inicialmente determinaram a medida (rebus sic stantibus),
mesmo porque esta é a mens legis: proteção
de colaboradores no deslinde de investigações
criminais que estão sujeitas à coação
ou grave ameaça decorrentes desta colaboração.
Quanto ao sigilo (e uma das medidas
é expressada no sigilo em relação
aos atos praticados em virtude da proteção
concedida"), ao contrário de outras leis
extravagantes (ex.: ns. 8.069/90 - ECA -; 9.296/96 -
Interceptações telefônicas -; 9.437/97
- porte de armas - e 9.605/98 - meio ambiente) que,
buscando mecanismos de proteção aos seus
comandos criaram novos tipos penais específicos,
não há incriminação distinta
para a conduta dos membros da administração
pública de violar o sigilo imposto pelo §5o,
do art.2º c/c art. 7o, VIII, revelando os
atos praticados assim como a identidade da testemunha
ou vítima colaboradora.
A falta de tipos penais específicos
não impede, contudo e diante do disposto no art.
12, do Código Penal, a responsabilização
penal dos agentes públicos que porventura venham
a violar e desrespeitar o sigilo, pois se sua manutenção
é dever de ofício, incorrerão nas
sanções penais respectivas já existentes
no Código Penal, restringindo-se a discussão
sobre qual dispositivo será aplicável,
se o previsto no art. 325 (violação de
sigilo profissional) ou, considerada a manutenção
do sigilo como dever de ofício e dependendo da
motivação que gerou o comportamento do
funcionário, o art. 319 (prevaricação)
ou art. 317, §1o (corrupção
passiva qualificada).
Sobre a importância de tal proteção
ao sigilo, bem assentou LUIZ FLÁVIO BORGES D´URSO:
"Ainda quanto aos dados pessoais, inclusive endereços
e telefones das vítimas e testemunhas, nestes
casos não devem constar dos autos, devendo ficar
registrados, sob sigilo, em cartório judicial,
lembrando da criminalização da conduta,
indicada acima, para aquele que quebrar tal sigilo decretado,
face a inclusão do protegido ao programa"
(7).
Formalmente, como figurarão
nos autos os depoimentos da vítima ou testemunha
colaborador? Serão qualificados como anônimos?
Haverá lesão aos princípios constitucionais
da ampla defesa e do contraditório pela impossibilidade
de identificação de seu acusador?
Claro que não haverá
qualquer conflito, desde que seja observado o procedimento
previsto na lei; o depoente será qualificado
com o nome verdadeiro (inclusive no caso de mudança
de identidade - não revelando esta) quando comparecer
perante a autoridade, protegido com a medida que se
tenha verificado lhe seja mais compatível para
cumprir os objetivos da lei.
Além disto, os princípios
constitucionais não são absolutos em si
mesmos, devendo ser analisados em conjunto em uma interpretação
que os harmonize (Canotilho). Assim, como exemplo, a
inviolabilidade da liberdade garantida no caput do art.
5o, CF, não implica em deixar livres
as pessoas para fazerem o que bem quiserem, pois a própria
Constituição logo assegura que ninguém
é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei (inciso II), prescrevendo,
ainda, que poderá haver prisão em flagrante
ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente (inciso LXI), assim como as penas privativas
de liberdade (inciso XLVI, a) para fatos tipificados
na lei penal como crime, desde que exista lei anterior
que o defina (inciso XXXIX).
As experiências adotadas em outros
países demonstram (9) que a questão relativa
ao sigilo e anonimato dos depoimentos não comporta
fácil resposta pois, se de um lado o programa
pode se transformar em uma verdadeira "caixa-preta",
cujos resultados não são acessíveis
aos órgãos encarregados de fiscalizá-los,
de outro a falta de sigilo e sua manutenção
pode deixar as vítimas e testemunhas a mercê
da vingança dos agentes condenados pela colaboração
efetuada.
Mas não se pode olvidar que
o anonimato puro e simples pode se transformar em arma
para falsas delações; para esta hipótese
e identificado o delator, já existem medidas
penais aplicáveis, tais como a incriminação
por denunciação caluniosa.
A solução plausível
para a questão é a divulgação
do nome do protegido e as circunstâncias por ele
descritas (mesmo porque o que não está
nos autos não está no mundo), mantendo-se
o sigilo sobre sua atual localização e
nova identidade.
Neste tópico ainda pode se perguntar:
a colaboração deve ser efetiva ? Creio
que não, pois não está expresso
na lei, ao contrário do que ocorre em relação
à colaboração do réu conversível
em perdão judicial, ou diminuição
de pena, esta sim necessariamente deve ser efetiva,
tendo a própria lei especificado os critérios
para sua avaliação.
Resulta, assim, que a inclusão
ou não do pretendente à proteção,
independentemente da efetividade da colaboração
que poderá prestar, caberá ao conselho
deliberativo do programa o julgamento, em decisão
que entendo ser discricionária, pois se exige
votação por maioria absoluta.
- A lei tem como ponto distintivo das
medidas de proteção em relação
às testemunhas e vítimas dos réus
colaboradores, a impossibilidade de anonimato dos últimos,
deixando-o mais "desprotegidos" do que aqueles,
ainda que sejam mantidos em dependências separada
dos demais presos.
A este respeito cabe destacar os importante
comentários do juiz federal ÉLIO WANDERLEY
DE SIQUEIRA FILHO sobre a Lei n.9.034/95:
"A delação é
uma figura jurídica que, caso bem empregada,
muito auxiliará na busca da verdade material
acerca das infrações penais, devendo o
legislador procurar disciplinar a adoção
de tal expediente em outras hipóteses, além
das acima consignadas. De qualquer maneira, deve-se
reconhecer que, para que possa ser plenamente utilizada,
é fundamental que se garanta a própria
segurança do delator, já que, pela sua
estrutura, em regra, as organizações criminosas
conseguem, sem maiores obstáculos, eliminar os
eventuais "traidores'', praticando a "queima de arquivo''.
Nesta situação, caso detido o colaborador,
tal eliminação seria ainda mais fácil,
diante dos tentáculos que estas organizações
mantêm no interior dos estabelecimentos prisionais.
Aliás, na prática, tem-se constatado que
uma das principais dificuldades em se combater a criminalidade
reside no temor das pessoas que presenciaram os fatos
delituosos em testemunhar. Talvez, caso se assegurasse
o anonimato, a delação fosse viabilizada
como um instrumento mais eficaz para a instrução
criminal. Mas tanto a legislação antecedente
como a Lei 9.034/95 nada trazem no sentido de se garantir
dito anonimato. Eis um ponto a reclamar um disciplinamento
detalhado, sob pena de se tornar letra morta a regra
e sem conseqüências práticas positivas
a modificação introduzida no ordenamento
jurídico pátrio" (10).
Para os réus colaboradores,
a lei prevê, no art. 13, que o juiz lhes poderá,
de ofício ou a requerimento das parte (inclusive
dos próprios réus), conceder perdão
judicial com a conseqüente extinção
da punibilidade, desde que, sendo primários,
"tenham efetiva e voluntariamente colaborado com
a investigação e o processo criminal,
desde que dessa colaboração tenha resultado"
na identificação dos demais co-autores
ou partícipes da ação criminosa;
localização da vítima "com
a sua integridade física preservada" e "recuperação
total ou parcial do produto do crime".
Não há previsão
sobre a cumulatividade dos resultados, pois bem pode
ser que os demais co-autores já tenham sido identificados
mas, em crimes com vítima desaparecida (seqüestro,
etc...) esta não tenha ainda sido encontrada;
ou, sem o desaparecimento de vítima pessoa física
(casos de assalto a banco), se saibam os co-autores
mas ainda não se recuperou total ou parcialmente
o "produto do crime".
Não se pode entender como cumulativos
os resultados a serem obtidos com a delação
para premiá-la, sob pena de se criar, sem reserva
legal, uma restrição não contida
na lei e mesmo porque daí seria cabível
apenas em caso de extorsão mediante seqüestro,
ou roubo com restrição da liberdade da
vítima.
A colaboração do réu
deve ser voluntária, e não induzida. Mas,
e se o réu não colaborou na fase policial
e posteriormente, em juízo, auxilia na identificação
dos demais co-autores ou partícipes com a localização
da vítima e recuperação do produto
do crime, será possível agraciá-lo
com o perdão judicial?
Poderão surgir, em tese, três
correntes de entendimento:
a) impossibilidade, pois sendo possível
a colaboração e eventual "retribuição"
legal na fase de investigação, o réu
deverá colaborar espontaneamente desde o início,
e, assim, a reticência na fase policial afastaria
a voluntariedade da colaboração;
b) possibilidade, sendo válida
a colaboração pois atingiu aos objetivos
almejados previstos nos incisos I a III do art. 13,
constituindo-se direito público subjetivo do
réu diante da delação eficaz consumada;
c) moderada, sendo possível
a aplicação dos benefícios legais
se os co-autores ou partícipes foram identificados
somente na fase judicial, em virtude da colaboração
do réu, alcançando-se também os
demais objetivos; ou já identificados, mas a
vítima ainda não tenha sido localizada,
assim como o produto do crime.
Quanto à vítima, importante
destacar que a lei expressamente exige no inciso II,
do art. 13, seja localizada com "sua integridade
física preservada", para que o agente faça
jus ao perdão judicial; caso contrário,
se da colaboração voluntária resultar
na "identificação dos demais co-autores
ou partícipes do crime, na localização
da vítima com vida e na recuperação
total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação,
terá pena reduzida de um a dois terços"
(art. 14).
Assim (e porque salvo interpretação
contrária a lei não contém palavras
inúteis), deve-se atentar para a pessoa da vítima
com sua integridade física preservada (= perdão
judicial), ou somente sua localização
com vida, neste caso aliada à recuperação
total ou parcial do produto do crime (= redução
da pena de um a dois terços).
Todavia, surgirá um questionamento:
lesões corporais leves permitem, ou não,
a concessão do perdão judicial?
À luz do parágrafo único
do art. 13, entendo que caberá ao prudente arbítrio
do juiz, levando em conta as circunstâncias subjetivas
no caso concreto (personalidade do agente e a natureza,
circunstâncias, gravidade e repercussão
social do crime).
Ponto interessante é que a lei
não exige a recuperação total do
produto do crime podendo, eventualmente, o réu
colaborador sigilosamente "guardar" parte
deste (não se sabe em que percentual - pode ser
mínima?) e, mesmo assim ser beneficiado tanto
com a extinção de sua punibilidade, via
perdão judicial, como com a diminuição
especial da pena.
Em relação à repercussão
social do crime, tem-se-a com circunstância legal
de caráter duvidoso, cuja aplicação
poderá determinar situações absurdamente
injustas. Exemplificando, determinado réu, arrependido
de participado de crime de extorsão mediante
seqüestro, resolve "trair" seu grupo
e colaborar com a investigação policial,
auxiliando na localização da vítima,
identificação dos co-autores e recuperação
total do numerário já entregue à
quadrilha, sujeitando-se, por tudo isto, à futura
vingança. Todavia, entendendo existir repercussão
social (leia-se: exploração noticiosa
da mídia), o magistrado deixa de conceder o benefício
do perdão judicial, quando não fosse a
delação do agente nada teria sido alcançado.
É situação subjetiva a ser bem
analisada.
Ao réu colaborador que não
seja agraciado com o perdão judicial (art. 13),
mas com a pena reduzida pela causa de especial prevista
no art. 14, deverá cumpri-la no regime determinado
na sentença; assim, provavelmente estará
à mercê de seus ex-comparsas, mesmo que
a lei determine seja custodiado em local separado dos
demais presos, medida que o princípio da razoabilidade
e as máximas de experiência ditadas pelo
que normalmente ocorre indicam que poderá ser
inviável ou, então, insuficiente e ineficaz.
Tanto o perdão judicial (art.
13), como a causa de especial redução
da pena (par. único, art. 14), constituem-se,
claramente, em institutos benéficos advindos
com lei posterior, aplicáveis aos fatos anteriores
à vigência da lei, ainda que já
decididos por sentença condenatória transitada
em julgado (CP, par. único do art. 2º) (11).
Por fim, não sendo necessária
efetividade à colaboração, verifica-se
que a hipótese prevista no art. 14 da Lei n.
9.807/99 trata, em verdade, de confissão espontânea
com a denominada chamada do co-réu, que, aliada
à localização da vítima
com vida e recuperação total ou parcial
do produto do crime transmuda-se em causa de especial
redução da pena.
Estes os principais destaques contidos
na nova lei que, para sua efetividade, depende de verbas
próprias alocadas no orçamento da União
para implantação dos programas (denominados
PROVITA) nos Estados (já celebrados convênios
com os Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Espírito
Santo, Bahia e Mato Grosso, enquanto São Paulo,
por intermédio de lei própria, já
implantou o seu mesmo porque contava com "delegacia
de proteção à testemunha"
desde maio de 1997), à semelhança dos
precedentes na Itália (foram protegidas 5.615
pessoas até 1997, ao custo de US$ 40 milhões),
Estados Unidos (Witness Security Program, criado em
1971, com custo de US$ 20 milhões anuais) e Grã
Bretanha (Victim Support, vinculado à Scotland
Yard, que já atendeu 1 milhão de vítimas
desde 1974, com um custo de US$ 17,8 milhões
do governo e US$ 811 mil em doações).
Florianópolis, 11 de setembro
de 1999.
(*) O autor é Juiz de Direito
Substituto de 2º Grau em Santa Catarina e Professor
de Direito Penal e Processo Penal na Univali, Campus
IV, Biguaçu e na Escola Superior da Magistratura
Federal de Santa Catarina.
Com a colaboração do
acadêmico Vilian Bollmann (Univali, Campus IV)
Referências Bibliográficas
1. ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO,
vol. 23, p. 136-7, verbete "delatar".
2. FERNANDES, Antônio Scarance.
Crime Organizado e a legislação brasileira,
in Justiça Penal, coord. de Jaques de C. Penteado,
vol. 3, SP: Ed. RT, 1995, p. 51/52.
3. SCHUBNEL, Daniela. Jornal do Brasil,
15.7.99.
4. GOMES, Luiz Flávio. Crime
Organizado: enfoques criminológico, jurídico
(Lei 9.034/95 e político-criminal, 2a ed.,
São Paulo: Ed. RT, 1997, p.167).
5. idem " (ob. cit., p. 165).
6. Jornal "Folha de S. Paulo",
de 13.7.1999, caderno 3, p. 3.
7. D'URSO, Luiz Flávio Borges.
Programa de Proteção aos Colaboradores
da Justiça Criminal no Brasil - Vítimas
e Testemunhas, in Consulex - Doutrina e pareceres, Jan/Dez
1996, p. 258/60).
8. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.
As Nulidades no Processo Penal, 6a ed. rev.,
ampl e atual., SP: Ed. RT, 1997, p. 196),
9. Jornal "O Estado de S. Paulo",
de 19.7.1999, caderno C, p. 6).
10. SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley
de. Crimes Praticados por Organizações
Criminosas - Inovações da Lei n.9.034/95
- in RJ nº 217 - nov/95, p. 43)
11. DELMANTO, Celso. Direitos públicos subjetivos
do réu no Código Penal, RT 544/466.
Da Proteção aos Réus
Colaboradores
A Lei protege o co-réu ou partícipe
de forma diferente da vítima e da testemunha.
Como já se disse, o programa de proteção
só existe para as vítimas e as testemunhas,
mas não para os co-autores e partícipes
dos crimes que estão sendo investigados.
Não há inclusão
em programa, com todas as conseqüências,
mas sim algumas medidas especiais de segurança
e proteção da sua integridade física
(a Lei não fala em proteção da
integridade psicológica do co-réu ou partícipe),
mas somente se houver ameaça ou coação
eventual ou efetiva à sua pessoa. As medidas
principais serão: a) estando em prisão
cautelar, deverá ficar em dependência separada
dos demais presos; b) estando cumprindo pena em regime
fechado, o juiz criminal determinará medidas
especiais para a segurança.
Como é público e notório,
as nossas penitenciárias, cadeias públicas,
colônias agrícolas, industriais ou similares,
casa do albergado, centro de observação,
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico
e cadeias públicas, quando existem realmente,
estão em condições animalescas,
sem nenhuma atenção séria, de modo
geral, do Poder Executivo, havendo inúmeras fugas
e crimes cometidos pelos fugitivos ou por aqueles que
conseguiram a progressão de regime ou estão
em liberdade condicional. Assim, seria até ilusão
pensar em tratamento diferenciado a presos em Cadeias
Públicas ou em Penitenciárias, como lembra
o art. 15 da lei em análise.
Não somos tão pessimistas...
A falta de estrutura, obviamente,
impedirá a realização da intenção
da Lei, o que é uma lástima, mas com a
previsão legal, os operadores jurídicos,
com criatividade e até com muita sabedoria, saberão
manter afastados os colaboradores dos demais presos
(certamente taxados de "traidores", o que
para o "Código Penal Informal" dos
presos merece até a morte), até mesmo
porque interessará à autoridade policial
e à judicial a preservação do colaborador,
para desvendar o crime.
A Lei estabeleceu normas penais materiais
importantes, e que precisam ser bem compreendidas.
Antes de qualquer coisa, consideramos
que, com a Lei 9.807/99, está superada a polêmica
sobre a natureza jurídica da sentença
que concede o perdão judicial. Como se sabe,
existe ainda a polêmica, uns entendendo que se
trata de condenação, mas sem aplicar a
pena, com as conseqüências naturais de possibilidade
de reincidência, custas processuais, lançamento
do nome do réu no rol dos culpados e até
na reparação dos danos (só não
se aplicaria os efeitos principais: pena privativa de
liberdade, restritiva de direitos e multa), já
que o art. 120 do CP diz que só não se
considera o perdão judicial para a reincidência;
outros entendem que se trata de sentença absolutória,
sem qualquer efeito secundário, pois trataria
de sentença declaratória da extinção
da punibilidade. A divergência maior está
entre o STJ, que até já sumulou o assunto
(18), no sentido da inexistência de efeitos secundários,
e o STF que, com supedâneo também nos ensinamentos
de Damásio Evangelista de Jesus, ainda mantém
alguns posicionamentos no sentido da existência
dos efeitos secundários da sentença concessiva
do perdão judicial.
A Lei, ao nosso ver, põe uma
pá de cal na divergência, pois diz expressamente
que o perdão judicial extingue a punibilidade,
caracterizando que é uma declaração
de extinção da punibilidade. Não
subsiste, deste modo, qualquer efeito condenatório
secundário.
Para o co-réu ou partícipe
colaborador, a Lei concedeu duas benesses: o perdão
judicial e a redução da pena de um terço
a dois terços.
O perdão judicial só
será concedido pelo juiz se o acusado for primário
e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação
e o processo criminal, desde que dessa colaboração
tenha resultado a identificação dos demais
co-autores ou partícipes da ação
criminosa, a localização da vítima
com a sua integridade física preservada e a recuperação
total ou parcial do produto do crime (art. 13, "caput"
e incisos I, II e III).
Deste dispositivo legal, podemos tirar
algumas conclusões.
A primeira é a que diz respeito
à primariedade.
Primariedade não se confunde
com bons antecedentes, é bom dizer. Primário
é quem, apesar de estar sendo processado criminalmente,
não tem qualquer sentença penal condenatória
transitada em julgado contra si. Relaciona-se com a
reincidência que, ao contrário, só
existe quando transita em julgado a sentença
penal condenatória. Pessoa com bons antecedentes
é aquela que, além de inexistir indiciamento
ou processamento, tem uma conduta social imaculada,
cujo comportamento demonstre que sua responsabilidade,
honestidade e comportamento são aceitos moralmente.
Para receber o perdão judicial, não é
preciso ter bons antecedentes, mas deve ter o co-autor
personalidade adequada, além dos outros requisitos
subjetivos adiante mencionados.
O legislador, intencionalmente, usou
a expressão "voluntariamente", ao invés
de "espontaneamente".
A diferença é fundamental.
Quando alguém age sem coação
física ou psicológica, mas incentivada,
motivada por outras pessoas, está agindo voluntariamente.
Voluntário é antônimo
de pressão. Se não há pressão
ou coação física ou psicológica
para alguém tomar alguma atitude, esta atitude
será voluntária.
Diferentemente, só haverá
ato espontâneo se não houver incitação
ou qualquer motivação. A pessoa, por si,
julga conveniente tomar a atitude, e toma, sem que ninguém
a incite. A propósito, leia a seguinte ementa:
"Direito Penal - Furto qualificado
- Tentativa - Prisão em flagrante - Confissão
espontânea - Pena. O fato de ser observado por
vizinhos, quando se fazia presente no interior da residência,
de onde subtrai os objetos que foram apreendidos em
seu poder, ao empreender fuga, não afasta a tentativa
de furto; não configura a atenuante da confissão
espontânea, mas confissão voluntária,
se a autoria do delito já era conhecida e de
parte do acusado não houve arrependimento e intenção
de auxiliar a justiça" (TJDF - 2a. TCr.
- Acr. N. 1706296 - Rel. Juiz Joazil M. Gardes - DJ
07.06.99, p.119).
Vide, por exemplo, comparação
com o art. 15 e o art. 65, III, b, ambos do Código
Penal, já que somente a procura espontânea
para minorar as conseqüências do crime, e
não voluntariamente, pode gerar a atenuante,
do mesmo modo que a confissão espontânea,
como foi visto (art. 65, III, "d", do CP,
e até o legislador originário do CPP,
no art. 318, protegeu a espontaneidade, e não
a voluntariedade, mesmo não mais tendo eficácia
tal dispositivo).
Assim, se o legislador tivesse usado
a expressão "espontaneamente", o indiciado
ou o acusado, conforme o caso, só seria beneficiado
se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação,
impedindo a incitação do delegado e do
juiz para que o indiciado ou acusado colaborasse. Em
muitos casos, o indiciado fica recalcitrante em colaborar,
e com muito jeito o delegado consegue que o mesmo colabore
(sem tortura, é bom dizer)... Em muitos casos,
o indiciado não sabe dos benefícios que
terá se colaborar com a Polícia, e o delegado,
sabendo, poderá incitar o mesmo pela análise
das conseqüências práticas do que
a Lei diz, como a possibilidade de não dever
nada para a justiça, de falta de perseguição
por parte da polícia, assim como possibilidade
de não cumprimento de pena em regime fechado,
se houver a redução, segurando ao mesmo,
com fluidez de raciocínio, que os co-autores
não conseguirão atentar contra a vida
do mesmo porque ele terá a ajuda da Polícia
na sua proteção, além das benesses
naturais de manter contado com Policiais etc.
Enfim, o delegado usa da sua experiência
e da sua própria autoridade para arrancar do
co-réu dados importantes para o desbaratamento
do fato delituoso. Nestes casos, se o legislador tivesse
usado o termo "espontaneamente", seria uma
lástima para tentar convencer o co-réu
ou partícipe, pois os benefícios não
seriam devidos.
Para o perdão judicial ser
realmente concedido, necessário se faz uma colaboração
efetiva. Isto quer dizer que de nada adiantará
todo o esforço, a voluntariedade (e até
a espontaneidade) do co-autor em ajudar na investigação,
se esta colaboração não influenciar
em nada na identificação dos demais co-autores
ou partícipes, na recuperação total
ou parcial do produto do crime e na localização
da vítima com a sua integridade física
preservada.
É que pode acontecer do co-indiciado
ou co-réu que foi capturado dar informações
à autoridade responsável pela investigação,
mas desta informação não se consegue
nem mesmo um vestígio do produto do crime, da
própria vítima e dos demais participantes
da ação criminosa. Como se trata de perdão
judicial, foi bem a lei ao estipular requisitos sérios
para a concessão do mesmo, pois somente quando
houver um efetivo merecimento do co-réu ou co-indiciado
tal benefício será realmente concedido.
Cabe indagar sobre a cumulatividade
ou alternatividade dos incisos do art. 13.
Trata-se de cumulatividade, e não
de alternatividade.
Salvo impossibilidade de efetivação
dos três requisitos, como o caso de homicídio
onde não se fala em recuperação
total ou parcial do produto do crime, necessário
sempre que a colaboração do co-autor seja
efetiva, voluntária, que ele seja primário
e que desta colaboração tenha resultado
a identificação dos demais participantes,
a localização da vítima com sua
integridade física preservada e a recuperação
total ou parcial do produto do crime.
Quando a lei fala que a vítima
deverá ser localizada com sua integridade física
preservada, nos parece que não quis ela vislumbrar
uma vítima "sem qualquer arranhão".
A intenção foi de recuperar a vítima
que não tenha sofrido tortura, que não
esteja correndo risco de vida, que não tenha
sido machucada significativamente etc. Pode acontecer
da vítima, em função de um cativeiro,
no caso de seqüestro, sofra limitações
físicas (desnutrição, infecção
etc.) em função da falta de boa comida,
ou de permanecer em local escuro ou conviver com insetos
e/ou ratos.
Nestes casos, nos parece que o perdão
judicial ainda será devido, caso haja realmente
um merecimento do co-autor, em função
de que sua colaboração foi decisiva para
a localização da vítima. Talvez
por isso mesmo a Lei não defende a integridade
psicológica da vítima como pressuposto
do perdão judicial, uma vez que o estado emocional,
inevitavelmente, não será o mesmo e, assim,
haveria um incentivo para que o co-autor não
colaborasse, sabendo-se que não conseguiria localizar
a vítima com sua integridade psicológica
preservada.
Mesmo com tais requisitos objetivos,
a Lei, também com acerto, estabeleceu requisitos
subjetivos.
Dentro da visão de que a Justiça
Penal é uma Justiça de casos concretos,
deu ao julgador a possibilidade de não conceder
o perdão judicial mesmo presente todos os requisitos
subjetivos, substituindo pela redução
da pena.
O parágrafo único do
art. 13 exige que a personalidade do possível
perdoado seja conducente a merecer o perdão judicial,
assim como a natureza do crime, as circunstâncias
que o envolvem, a sua gravidade e, também, a
repercussão social do mesmo.
Com tais requisitos subjetivos, não
cabem críticas no caso de crime contra o patrimônio,
onde, em uma excogitação, vislumbra-se
uma quadrilha roubando vários objetos de valores,
ou uma quantia significativa de um banco e, capturado
um dos co-autores, este, maliciosamente, indica onde
está somente parte do produto do crime e ajuda
na captura dos demais co-autores, vindo a receber o
perdão judicial e, assim, livre para desfrutar
da outra parte... É que, nestes casos, já
que a Lei exige a presença de requisitos subjetivos,
o juiz saberá, mediante informações
do delegado, se realmente merece o perdão judicial.
Neste caso, a personalidade do co-autor
impedirá o perdão judicial, merecendo
somente a redução.
A Lei (art. 15) estabeleceu também
redução de um a dois terços, em
caso de condenação, ao "indiciado
ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação
policial e o processo criminal na identificação
dos demais co-autores ou partícipes do crime,
na localização da vítima com vida
e na recuperação total ou parcial do produto
do crime".
Também deste dispositivo retiram-se
conclusões importantes.
Mesmo não podendo receber "perdão
judicial" (caso não seja primário),
o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente
na investigação criminal, terá
a pena reduzida.
Com o texto do artigo 14, parece bem
claro que mesmo que não haja localização
da vítima, identificação dos demais
co-autores ou partícipes e nem se recupere total
ou parcialmente o produto do crime, o indiciado ou o
acusado que colaborar voluntariamente com a investigação
será beneficiado com a redução
de um a dois terços. Nem é necessário
ser primário.
Isto porque no art. 14, em nenhum momento,
há a exigência de que a colaboração
seja "efetiva", e nem repete as expressões
"desde que" utilizadas pelo art. 13 para haver
o perdão judicial, e nem menção
faz à primariedade, sendo proibida a interpretação
contra a liberdade e contra maiores favores dado pela
própria lei para se restringi-la (favorabilia
amplianda, odiosa restringenda).
Portanto, para haver o perdão
judicial, não é necessária apenas
a colaboração. Para a extinção
da punibilidade é preciso que realmente seja
efetiva a colaboração e desde que tenha
resultados significativos, além de merecimento
pessoal diante dos requisitos subjetivos.
Para a redução da pena,
é necessária apenas a colaboração
voluntária do co-autor, e nem mesmo foi exigido
requisitos subjetivos.
Como se vê, a Lei, neste caso,
pecou, uma vez que, além de desproporcional,
não fez maiores exigências, não
colocou os mesmos requisitos subjetivos para o merecimento
do perdão judicial e nem uma eventual necessidade
de não reincidência. E foi desproporcional
porque reduziu a pena do crime consumado na mesma quantidade
como se fosse ele uma mera tentativa (parágrafo
único do art. 14, CP) ou que tenha havido um
arrependimento posterior (art. 16, "in fine"),
mesmo havendo consumação e até
violência ou grave ameaça.
Do jeito que está, e não
havendo uma nova lei acrescentando outros requisitos,
haverá agente beneficiado com tamanha redução
sem ter colaborado espontaneamente, que não é
primário, que a colaboração não
tenha ajudado em nada na investigação
e que a personalidade, as circunstâncias, a natureza,
a gravidade e a repercussão do crime sejam desfavoráveis.
Não é justo, e pode até
surgir argumentos de ordem constitucional, em função
do princípio da isonomia e da proporcionalidade.
Não será difícil
imaginar o constrangimento de autoridades tendo que
reconhecer que houve a colaboração, mesmo
sendo infrutíferos todos os gastos na investigação
e com o co-autor ajudando. Também não
raras vezes haverá um certo obstáculo
por parte das autoridades policiais de dizerem que houve
realmente a colaboração, e advogados requerendo
que se reduza a termo a colaboração que
será feita, para, assim, incidir a redução
sem o perigo da negativa das autoridades que investigam
o fato delituoso de que não houve colaboração.
Evidentemente que maior atenção
exigirá das autoridades quando existirem indícios
de que o co-autor, na verdade, está blefando
em alguma informação. Poderá, claro,
haver casos em que o participante indica local, nomes
e indícios falsos, com a intenção
predeterminada de alcançar a redução,
sem, contudo, a vontade efetiva de colaborar.
Para autoridades experientes, talvez
seja fácil saber da má-fé dos co-autores,
mas será sempre necessária uma atenção
especial, principalmente quando o co-autor já
foi devidamente esclarecido pelo advogado no que tange
às benesses da Lei.
CONCLUSÃO:
O Brasil está atrasado no que
tange à proteção das testemunhas
e das vítimas, e até dos próprios
co-autores e partícipes da ação
criminosa. Enquanto nos Estados Unidos já existe,
desde há muito, verbas exclusivas destinadas
ao programa protetivo, com extrema profissionalização,
no Brasil, mesmo com um reclamo social efetivo e constante
por uma legislação e agora com a Lei n.
9.807/99, em pleno vigor desde julho, ainda não
se percebe uma preocupação e uma sensibilidade
para a importância dos programas protetivos pelas
autoridades competentes.
Claro que já temos um avanço
fenomenal em um país mal acostumado com a necessidade
de uma base profissional para investigação
criminal, merecendo elogios o trabalho realizado pelo
Programa Nacional de Direitos Humanos, responsável
direto pela sensibilização do Congresso
Nacional para formulação e aprovação
da referida Lei. No entanto, tal Lei é essencialmente
dirigente, exigindo que se faça um trabalho político,
com destinação de verbas e com uma disponibilidade
orçamentária que, apesar dos pesares econômicos,
não exigirá quantias nem mesmo significativas
dos cofres públicos. Tal conclusão é
reforçada quando se lembra da importância
fundamental de proteção das testemunhas
e das próprias vítimas que nem mesmo chegam
a ir à Polícia denunciar os crimes testemunhados.
Quando muito, apenas denunciam anonimamente, havendo
uma investigação que, ao final, acaba
"não dando em nada", isto é,
sem subsídios probatórios para identificar
os criminosos e condená-los.
A denúncia anônima, apesar
da vedação constitucional do anonimato,
é um poderoso instrumento que a Polícia
tem para impedir alguns crimes, assim como encontrar
produto de crime e até, em alguns casos, encontrar
a vítima e em outros casos raros, levar os criminosos
à condenação. A denúncia
anônima prova a imensidão de pessoas que,
diante de um juiz, poderiam levar, ao menos, indícios,
quando não a própria prova desejada para
encontrar a verdade real e, encontrando-a, haver condenação
e impor justiça.
O Brasil tem algo de especial que
necessita efetivamente de um programa sério como
está explícito na "mens legis".
O povo brasileiro, apesar de pacífico, tem grande
potencialidade de colaborar com a Justiça Penal,
e só não colabora por razões óbvias
(medo, pavor, constrangimento, falta de segurança,
presença do "Estado-bandido" ao invés
do Estado de Direito em algumas localidades, poder do
crime organizado etc.). Não é à-toa
que percebemos que existe uma maior conscientização
(apesar de ainda pequena, é bem verdade) de que
o Estado não conseguirá, sozinho, realizar
o bem comum, necessitando da ajuda da população.
Os "braços cruzados" do membro da sociedade
estão cada vez mais sendo considerados com símbolos
de co-autoria pelas misérias e de co-responsabilização
pela falta do bem comum.
O Estado precisa, neste diapasão,
oferecer meios para que toda a potencialidade brasileira
aflore e, junto com ele, alcance os objetivos unânimes.
E um dos objetivos unânimes é que no Brasil
existe necessidade de uma Segurança Pública
melhor, mais aparelhada, mais profissional e uma investigação
capaz de acabar com o desastroso estigma da "impunidade
brasileira".
Não há argumentos para
a não efetivação da novel legislação.
Até o argumento, absurdo, de que o investimento
na investigação criminal "não
dá voto", não tem um mínimo
de base política. A sociedade, em função
da grandiosidade da criminalidade, quer e está
atenta para os governantes que, mesmo não se
esquecendo de que se deve instruir as crianças
para não punir os homens, não guardam
esforços para que a impunidade não seja
um sentimento incorporado na consciência popular
brasileira. Dá voto sim, e como dá. Mais
que voto, dá também coragem ao povo de
confiar no sistema burocrático estatal para buscar
a punição dos culpados e, assim, acaba
por se firmar, na mesma consciência popular, a
valorização do crime em detrimento da
sua banalização, e a impor freios psicológicos
e materiais à atividade criminosa.
Em relação à dotação
orçamentária, podemos dizer com toda certeza
que não haverá, sequer, um sentimento
de perda de verbas públicas, diante da grandiosidade
da diferença do custo-benefício.
Além do mais, não se
trata de construção de obras, mas de organização,
com a possibilidade de gasto efetivo somente quando
da ajuda financeira à testemunha ou vítima
ameaçada ou coagida.
A Lei 9.807/99, se efetivada, será,
sem dúvida, um meio de vazão para que
a sociedade ajude na investigação criminal.
A esperança, portanto, está renovada.
Confiemos, então, no seu sucesso, pois o povo
brasileiro merece. |