"Nas favelas, no Senado - Sujeira pra todo lado
- Ningúem respeita a Constituição
- Mas todos acreditam no futuro da nação"
(Que país é este, Renato Russo)
Mario Antonio Lobato de Paiva (*)
Cuida-se a presente dissertação
de um ensaio, objetivando algumas colocações
que creio de grande importância em relação
ao assunto, máxime em virtude das distorções
que decorrem deste tão defendido e apregoado
instituto que mereceu profundas análises dos
mais renomados juristas como Roubier, Gabba, Lassale,
Jezé, Clóvis Beviláqua, Limongi
França e outros que citarei não menos
conhecidos.
A grande dificuldade deste assunto
é justamente a necessidade de conciliar os interesses
particulares com a da ordem pública. Entendo
que o direito adquirido não pode estar na contramão
do interesse coletivo, uma vez que aquele é manifestação
de interesse particular que não pode prevalecer
sobre o interesse geral. Senão vejamos: desde
que o povo seja capaz de organizar o Estado e exercer
o governo, soberanamente, é ele o titular do
poder constituinte, sendo capaz de criar ou alterar
a ordem jurídica do Estado, claro que exercido
será constituída uma Assembléia
constituinte com mandato para fazer uma constituição
nos moldes do interesse coletivo.
No dizer de Bourdau, o poder constituinte
é "aquela potência criadora da ordem jurídica
da qual fixa os princípios e estabelece os instrumentos".
E necessário ressaltar, no entanto que o princípio
constitucional do direito adquirido é mandamento
universalmente aceito e dele não abrindo exceção
o ordenamento pátrio, podemos observar no artigo
60 parágrafo 4, inciso IV da CF 88 que equipara
o direito adquirido na categoria de cláusula
pétrea.
A carta Magna de 88 não inseriu
em seu texto o significado de direito adquirido somente
fazendo alusão em seu artigo 5, inciso XXXVI,
assim encontramos a definição legal na
esfera infraconstitucianal no artigo 6 do Código
Civil ( dec. Lei 4657/42).
O direito adquirido é derivado
de acquisitus do verbo latim acquisere, este direito
entende-se como aquele em que é o estado de direito
que uma lei traz a alguém e que pode ser exercido
atualmente uma vez que sua força foi tirada do
texto passado e que não pode desaparecer diante
de leis posteriores que lhe negem este mesmo direito.
Podemos observar como característica
intrínseca do direito adquirido a patrimonialização
que o direito anterior conferiu a seu titular com vistas
a assegurar este mesmo direito em virtude de sua possível
mudança posterior feita por novo ordenamento,
denotando o princípio da imutabilidade e irrevogabilidade
do estado passado.
A história do ordenamento jurídico
brasileiro demonstrou que este desde a constituição
de 1936 tente harmonizar as disposições
novas com o direito adquirido anteriormente. O debate
gira em torno da amplitude do poder originário
e do poder constituinte de revisão, de emenda
ou de reforma com vistas ao direito adquirido. Alguns
consideram este poder ilimitado outros equiparam o direito
adquirido as cláusulas pétreas como veremos
abaixo.
Para Pontes de Miranda a Revisão
Constitucional e a Emenda não tocam o que diz
respeito aos direitos adquiridos uma vez que a própria
constituição assegura a permanência
de situações jurídicas pré-estabelecidas
não fazendo distinção de sua proveniência
sejam elas de direito privado ou público .
Dizem ainda que os princípios
fundamentais e as cláusulas pétreas funcionam
como limites materiais do exercício da revisão
que traz consigo a característica de poder atingir
a constituição totalmente e de uma só
vez e a Emenda restrita a alguns pontos.
Quanto a irretroatividade das leis
Antônio Joaquim Ribas e Rui Barbosa asseveram
que não se trata de uma absoluta irretroatividade
das leis aos casos passados e sim que a norma aplicada
a fatos consumados à luz da lei anterior não
poderá deixar de lado , sob nenhum aspecto o
respeito aos Direitos adquiridos.
Já para Neri Silveira o poder
constituinte originário sempre se caracterizou
por sua ilimitação no que concerne a sua
amplitude de modificação inserir no texto
constitucional editado disposição que
venha alcançar direito adquirido, como é
o caso do artigo 17 dos ADCT da CF 88 uma das raras
e explícitas recusas a aplicação
do direito adquirido.
Na mesma linha de pensamento o jurista
Manoel Gonçalves Ferreira Filho "em princípio,
não pode haver nenhum direito oponível
a constituição, pois trata-se de fonte
primária de todos os direitos e garantias do
indivíduo, tanto na esfera publicista quanto
na privatística. Uma reforma constitucional não
pode sofrer restrições com fundamento
na idéia genérica do respeito ao direito
adquirido.
Diante do estudado pensamos que o poder
constituinte sendo um mecanismo de mudança constitucional
pode dispor sobre direitos adquiridos vedando-os ou
mantendo-os a exemplo do artigo 17 do ADCT já
mencionado, uma vez que este poder emana do povo que
através de seus constituinte decidem o melhor
caminho para a sociedade no que concerne a Constituição,
sendo assim como já me referi acredito que se
o constituinte achar que aquele direito adquirido fere
os direitos da coletividade, não vejo o porque
dele ser manutenido, pois como já dito o desejo
da coletividade deve ser priorado diante do do particular
para que se tenha uma Constituição mais
realista e voltada o para a justiça social. Fecho
esta dissertação respaldado no artigo
28 da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão que diz "Um povo tem, sempre, o
direito de rever, reformar e de mudar sua constituição.
Uma geração não pode sujeitar a
suas leis as gerações futuras" ou seja
se o poder constituinte emana originariamente do povo
este não admitindo tais direitos adquiridos não
se vê abrigado a aceitá-los e querendo-os
modificar deverá utilizar através de seus
representantes mecanismos de mudança constitucional.
(*) Mário Antônio Lobato de Paiva é
advogado-titular do escritório Paiva Advocacia; Professor
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará;
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional;
Membro da Union Internationale des Avocats sediado en
París, Francia; integrante de la Red Mexicana de Investigadores
del Mercado Laboral; colaborador da Revista do Instituto
Goiano de Direito do Trabalho; Revista Forense; do Instituto
de Ciências Jurídicas do Sudeste Goiano e Revista de
Jurisprudência Trabalhista "Justiça do Trabalho"; Colaborador
da Revista Síntese Trabalhista; Colaborador do Boletim
Latino-americano da Concorrência; Autor de diversos
artigos e dos livros "A Lei dos Juizados Especiais Criminais"
editora forense, 1999 e "A Supremacia do advogado em
face do jus postulandi", editora LED, 2000.
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