Antonio Fernando do Amaral e Silva Desembargador
1. Introdução.
2. A "Crise da Justiça e do Direito do Menor".
3. A Doutrina da Proteção Integral
e o Novo Sistema de Justiça.
4. Responsabilidade Penal Juvenil como categoria
jurídica.
5. Medidas Sócio-Educativas, espécies
do gênero das penas.
6. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
Não se impressione o leitor com as referências
ao Direito Penal Juvenil encontradas no texto. É cediço que o Estatuto da Criança
e do Adolescente trasladou as garantias do Direito
Penal, propiciando como resposta à delinqüência
juvenil, em vez da severidade das penas criminais,
medidas predominantemente pedagógicas.
Não defendo a carcerização
do sistema sócio-educativo. Muito menos
medidas meramente retributivas. Ao contrário,
ao invocar o Direito Penal, preconizo a humanização
das respostas, as alternativas à privação
de liberdade, a descriminalização
e a despenalização - o Direito Penal
Mínimo.
O que procuro desmascarar são as posições
"paternalistas" do sistema de penas disfarçadas,
impostas com severidade e sem os limites do Direito
Penal, em muitos casos mais rigorosas do que,
em iguais circunstâncias, seriam fixadas
pela Justiça Criminal.
Sem embargo do aspecto predominantemente pedagógico
das medidas sócio-educativas, insisto na
necessidade de tornar efetivos os limites e as
garantias do Direito Penal.
Com o advento do Estatuto da Criança e
do Adolescente, não cabe persistir reproduzindo
viéses, equívocos, mitos e falácias
do antigo modelo, onde a "proteção"
não passava de odiosa "opressão",
onde o sistema "educacional" e "protetivo", na
prática, reproduzia o sistema carcerário
dos adultos.
Uma das grandes preocupações dos
militantes da defesa dos direitos humanos de adolescentes
submetidos às medidas sócio-educativas
tem sido a falta de critérios objetivos
capazes de conter o arbítrio do Estado,
haja vista a existência de muitos casos
de privação de liberdade em hipóteses
sem gravidade.
O fenômeno, confirmado através de
levantamento do Grupo de Trabalho do Ministério
da Justiça, deve-se à interpretação
do Estatuto da Criança e do Adolescente
com base nos princípios da chamada "Doutrina
da Situação Irregular".
A Lei 8.069/90, que teve como fontes formais
os Documentos de Direitos Humanos das Nações
Unidas, introduziu no país os princípios
garantistas do chamado Direito Penal Juvenil.
Reconheceu o caráter sancionatório
das medidas sócio-educativas, sem embargo
de enfatizar o seu aspecto predominantemente pedagógico.
Também que, tendo traço penal, só
podem ser aplicadas excepcionalmente e dentro
da estrita legalidade, pelo menor espaço
de tempo possível.
Esta postura, além de ser útil
aos jovens e à sociedade, traslada para
o âmbito da Justiça da Juventude
as garantias do Direito Penal, aceitando como
resposta à delinqüência juvenil,
em vez da severidade das penas criminais, medidas
predominantemente pedagógicas, afastando
o estigma e os males do sistema carcerário
dos adultos.
No presente trabalho, procuro demonstrar a importância
da nova posição para os direitos
humanos de vítimas e vitimizadores, principalmente
para o Sistema de Justiça.
2. A CRISE DA JUSTIÇA E DO DIREITO DO
MENOR
Não se pode cogitar do Estatuto e do novo
Sistema de Justiça da Infância e
da Juventude sem se ter em conta a Doutrina das
Nações Unidas para a Proteção
Integral da Infância.
Surgido da crise da Justiça de Menores,
cujos viéses, equívocos e antijuridicidades
do chamado "Direito do Menor" visou superar, o
novo modelo se baseia nos princípios do
Direito Ciência, da Epistemologia Jurídica,
notadamente do Direito Judiciário.
A Convenção Internacional dos Direitos
da Criança, as Regras Mínimas para
a Organização da Justiça
da Juventude, as Diretrizes para a Prevenção
da Delinqüência Juvenil, as Regras
Mínimas para os Jovens Privados de Liberdade
e outros importantes Documentos de Direitos Humanos
das Nações Unidas tornaram legislações
e sistemas da "Doutrina da Situação
Irregular" completamente ultrapassados, obrigando
ampla revisão de conceitos, práticas
e normas. Revisão que para ser, mesmo,
adequada, exigiu mudança substancial e
formal nos sistemas judiciário e administrativo,
abolindo disposições e práticas,
muitas delas inconstitucionais, a maioria completamente
dissociada de princípios secularmente consolidados
no Direito.
Caíram os mitos do "Sistema Tutelar".
Foram desnudados os eufemismos das medidas protetivas
e da "inimputabilidade penal dos menores".
Diante da clareza dos novos textos, não
era mais possível conviver com legislações
e sistemas que não reconheciam crianças
e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais.
Por exemplo: o de não ser privado de liberdade,
salvo em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judicial, nos casos
previstos em lei.
No Brasil, por exemplo, existia uma Delegacia
de Polícia de "Proteção ao
Menor", onde meninos pobres eram encarcerados
"para serem diagnosticados e tratados".
A "situação irregular" abrangia
do abandono e vitimização do "menor"
aos "atos anti-sociais" por ele praticados.
A "tutela" e os bons propósitos do superior
interesse do "menor" não permitiam falar
em delinqüência juvenil.
Não se admitia que o "menor" fosse estigmatizado
pela sentença penal. Exorcizava-se o juízo
criminal pelos aspectos "retributivo" e "punitivo",
mas "encaminhavam-se" crianças e adolescentes
a celas iguais às da pior carceragem, sem
garantir um dos mais elementares direitos da pessoa
humana, o devido processo legal.
Garantias como tipicidade, antijuridicidade,
culpabilidade, presunção de inocência,
proporcionalidade eram ignoradas, tudo em nome
do "superior interesse do menor".
Afastava-se o estigma da sentença e da
justiça criminal, mas sem o devido processo,
"menores" pobres eram esquecidos em depósitos
e masmorras. Eram os eufemisticamente chamados
Centros de Recepção, Triagem e Observação,
Centros de Recuperação e outras
denominações "capazes de afastar
todo e qualquer estigma".
A taxionomia acobertava a iniqüidade da
prisão por pobreza e, o que é pior,
sem determinação de tempo e sem
observância de qualquer critério.
Confundiam-se infratores, abandonados, vítimas
e vitimizadores.
Sentenças, quando preenchiam os pressupostos
da fundamentação, eram indeterminadas.
As respostas pela delinqüência juvenil
não se atinham aos critérios da
legalidade e da proporcionalidade.
Casos atípicos, em que adultos jamais
seriam privados de liberdade, resultavam em "internações",
ou seja, reclusões, em muitos casos, mais
severas e desumanas que as impostas a temíveis
criminosos adultos.
Como não havia processo de execução
com limites de estritos prazos, muitos permaneciam
esquecidos, institucionalizados, mutilados psicologicamente
até serem "desinternados" - verdadeiramente
jogados para fora por terem atingido a idade da
responsabilidade penal.
Os mitos da proteção, da reeducação,
da ressocialização apenas serviam
para encobrir a passagem do regime verdadeiramente
penitenciário, da "terapia" de "menores"
para o dos adultos, já que o "cliente",
salvo exceções, saía do sistema
"tutelar" condicionado, preparado para a violência
e à criminalidade.
No antigo modelo a "regra de ouro" era o "superior
interesse do menor".
Todas as medidas visavam a integração
sócio-familiar. Assim, os filhos da classe
média ou da classe média alta, envolvidos
em atos delinqüenciais, tinham aberta a larga
porta da impunidade.
Não havendo acusação ou
delinqüência, estando integrados na
família, não se levando em conta
qualquer retributividade, o seu interesse sobrelevando
a qualquer outro, eram mantidos na família,
enquanto os pobres, não envolvidos com
delinqüência, por estarem em "situação
irregular", eram "encaminhados" ao diagnóstico
e à terapia do "internamento", ou seja,
à prisão por pobreza.
Diante das novas exigências de contenção
de leis e práticas aos princípios
jurídicos dos Documentos de Direitos Humanos
das Nações Unidas, tamanha antijuridicidade,
imenso viés, não podia subsistir.
3. A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
E O NOVO SISTEMA DE JUSTIÇA
A nova Doutrina Jurídica da Proteção
Integral preconiza que crianças e adolescentes
são sujeitos especiais de direito. Gozam
de todos os direitos fundamentais e sociais, principalmente
de proteção, decorrência de
se encontrarem em fase de desenvolvimento.
Recomenda a Doutrina das Nações
Unidas que na ordem jurídica interna de
cada país existam normas legais capazes
de garantir todos os direitos: vida, saúde,
liberdade, respeito, dignidade, convivência
familiar e comunitária, educação,
cultura, esporte, lazer, profissionalização,
proteção no trabalho, etc...
Para tornar efetivos os direitos individuais,
difusos ou coletivos, principalmente à
saúde, à educação,
à recreação, à profissionalização,
à integração sócio-familiar,
inclusive contra o Estado, as novas legislações
baseadas na Doutrina da Proteção
Integral vêm introduzindo modernas ações
judiciais, por exemplo: ações cíveis
públicas.
De outro lado, a doutrina da ONU deixa claro
que a educação para cidadania exige
que o adolescente se conscientize de sua responsabilidade
social, tendo o direito de ser julgado por autoridade
imparcial e independente, num devido processo,
sempre que acusado de conduta penalmente reprovada.
A superação de viéses ("situação
irregular do menor"), mitos (tutela e superior
interesse), eufemismos (medidas protetivas) e
falácias (reeducação, ressocialização)
exige normas legais adaptadas substancialmente
aos Documentos de Direitos Humanos das Nações
Unidas, principalmente a Convenção
e as Regras Mínimas de Beijing.
Segundo o Assessor Regional do Unicef para América
Latina e Caribe, Emílio Garcia Mendez,
essa adaptação só será
completa e efetiva quando expurgar dos sistemas
judiciário e administrativo interpretações
e práticas próprias da antiga "Doutrina
da Situação Irregular", onde havia
enorme confusão de papéis.
O Juiz não julgava o "menor", "definia
a situação irregular", aplicando
"medidas terapêuticas".
O Ministério Público, inclusive
quando pleiteava "internação" como
resposta pela prática de atos delinqüenciais,
rotulados de "desvios de conduta", de atos anti-sociais,
etc., estava "defendendo o menor".
A defesa e o superior interesse justificavam
tudo. Serviam para tudo, inclusive para limitar
e, até, impedir a participação
do advogado, figura praticamente desconhecida
no "Direito do Menor". No nosso Código,
chamado procurador, era constituído por
familiares, não pelo "menor".
Para estar conforme a Doutrina da Proteção
Integral, o Sistema de Justiça precisa
banir o "modelo tutelar", que propiciava decisões
simplistas e autoritárias, onde operadores,
abandonando princípios garantistas do Direito,
baseavam-se fundamentalmente num suposto "superior
interesse do menor".
O novo sistema se contém nos limites do
Estado Democrático de Direito, onde as
decisões judiciais para terem validade
carecem do pressuposto da fundamentação,
onde os operadores têm papéis definidos,
juiz é o experto em Direito que julga de
acordo com a Hermenêutica Jurídica;
o Ministério Público, o titular
das ações de pretensão sócio-educativa
e das ações necessárias à
defesa dos interesses da sociedade e dos incapazes;
o fiscal do fiel cumprimento das leis; o advogado,
o representante dos interesses da criança
e do adolescente, defensor de direitos, atua,
como os demais, no devido processo legal.
Os técnicos, assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos, médicos são peritos que
produzem prova necessária à convicção
do Juiz, que não pode ser arbitrário,
mas deve se fundar, como na Justiça Comum,
em elementos contidos no processo.
Não se cogita, na nova Justiça
da Infância e da Juventude, das decisões
sem fundamentação ou das providências
extraprocessuais.
Princípios, normas e cautelas secularmente
consolidadas como indispensáveis à
segurança dos direitos têm de estar
presentes para validade e legitimidade de decisões
e sentenças.
Processo de conhecimento, processo cautelar,
processo de execução, recursos surgem
no novo Direito como indissociáveis da
prestação jurisdicional.
Na chamada delinqüência juvenil, a
nova posição é realista e
científica. Reconhece que jovens penalmente
inimputáveis, cometendo crimes, por eles
devem ser responsabilizados, o que resulta pedagógico
e corresponde à necessidade do controle
social.
Não mais se tolera privações
de liberdade, mesmo eufemisticamente rotuladas
de internações, sem os pressupostos
da estrita legalidade, do juízo natural
e da observância do devido processo.
4. A RESPONSABILIDADE PENAL JUVENIL COMO CATEGORIA
JURÍDICA
Adultos, crianças e adolescentes, sendo
pessoas desiguais, não podem ser tratadas
de maneira igual.
A legislação brasileira, por exemplo,
fixa a responsabilidade penal juvenil a partir
dos 12 anos.
A criança (menos de doze anos) fica isenta
de responsabilidade. É encaminhada ao Conselho
Tutelar, estando sujeita a medidas protetivas
com intervenção administrativa no
seio da família, submetendo-se pais ou
responsáveis a restrições
e penas impostas pela Justiça.
Quanto aos adolescentes (doze a dezoito anos)
têm responsabilidade penal juvenil.
Como falar em responsabilidade penal juvenil,
se os adolescentes são penalmente inimputáveis?
A inimputabilidade penal dos "menores" sempre
serviu para legitimar o controle social da pobreza,
por isso que os "maus" filhos das "boas famílias",
como explicitamos, tinham aberta a larga porta
da impunidade.
Mito conveniente, porquanto, a pretexto de proteger,
o Estado pôde segregar jovens "indesejáveis",
sem que tivesse de se submeter aos "difíceis"
caminhos da estrita legalidade, das garantias
constitucionais e dos limites do Direito Penal.
As medidas dos antigos Códigos, rotuladas
de protetivas, objetivamente, não passavam
de penas disfarçadas, impostas sem os critérios
da retributividade, da proporcionalidade, principalmente
da legalidade.
Penas indeterminadas e medidas de segurança
sem os pressupostos da certeza da autoria, por
fatos geralmente atípicos, repetiam-se
no "superior interesse do menor", que precisava
ser protegido "dos condicionamentos negativos
da rua".
Com tal falácia, crianças e adolescentes
pobres eram internados, isto é, presos
em estabelecimentos penais rotulados de Centros
de Recuperação, de Terapia, e até
de Proteção, quando não reclusos
em cadeias e celas de adultos.
A nova Doutrina, ao reconhecer o caráter
sancionatório das medidas sócio-educativas,
deixa claro a excepcionalidade da respectiva imposição,
jungido o juiz aos critérios garantistas
do Direito Penal.
Como conjugar em nosso Direito Positivo inimputabilidade
e responsabilidade penal juvenil?
O Estatuto da Criança e do Adolescente,
regulamentando os artigos 227 e 228 da Carta Política,
ao tempo em que conferiu direitos fundamentais
e sociais, criou regime jurídico em que
o adolescente foi elevado à dignidade de
responder pelos seus atos.
A responsabilidade penal juvenil encontra sólidas
bases doutrinárias na Carta Política
e nas Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça
da Juventude (Resolução 40/33/85
da Assembléia-Geral), incorporadas pelo
Estatuto Brasileiro, que no artigo 103 conceituou
o ato infracional como "a conduta descrita como
crime ou contravenção penal".
Vale dizer, remeteu o intérprete aos princípios
garantistas do Direito Penal Comum, tendo como
normas específicas as do Estatuto. Estas
se referem tão-somente à natureza
da resposta, ou seja, às medidas que, por
serem sócio-educativas, diferem das penas
criminais no aspecto predominantemente pedagógico
e na duração, que deve ser breve,
face o caráter peculiar do adolescente
como pessoa em desenvolvimento.
Bem por isso, o artigo 228 da Constituição,
ao conferir inimputabilidade penal até
os dezoito anos, ressalvou a sujeição
"às normas da legislação
especial".
Sendo a imputabilidade (derivado de imputare)
a possibilidade de atribuir responsabilidade pela
violação de determinada lei, seja
ela penal, civil, comercial, administrativa ou
juvenil, não se confunde com a responsabilidade,
da qual é pressuposto. (Ver De Plácido
e Silva - VOCABULÁRIO JURÍDICO,
Rio, Forense, 1982, p. 435).
Não se confundindo imputabilidade e responsabilidade,
tem-se que os adolescentes respondem frente ao
Estatuto respectivo, porquanto são imputáveis
diante daquela lei.
Aos adolescentes (12 a 18 anos) não se
pode imputar (atribuir) responsabilidade frente
à legislação penal comum.
Todavia, podendo-se-lhes atribuir responsabilidade
com base nas normas do Estatuto próprio,
respondem pelos delitos que praticarem, submetendo-se
a medidas sócio-educativas, de inescondível
caráter penal especial.
Como as penas criminais, as medidas sócio-educativas
podem ser restritivas de direitos ou privativas
de liberdade.
Como no Direito Penal Comum, no Estatuto (Direito
Penal Juvenil) predominam os princípios
da despenalização, da descriminalização,
do Direito Penal Mínimo, optando a lei
juvenil pelas penas restritivas de direitos, como
importantes alternativas à privação
de liberdade.
Em suma, embora inimputáveis frente ao
Direito Penal Comum, os adolescentes são
imputáveis diante das normas da lei especial,
o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, respondem penalmente, face o nítido
caráter retributivo e sócio-educativo
das respectivas medidas, o que se apresenta altamente
pedagógico sob o ângulo dos direitos
humanos de vítimas e vitimizadores. Além
disso, respostas justas e adequadas são
de boa política criminal, exsurgindo como
elementos indispensáveis à prevenção
e à repressão da delinqüência.
O que não se admite no Direito Penal Juvenil
são respostas mais severas e duradouras
do que as que, em idênticas situações,
seriam impostas aos adultos.
Os princípios da legalidade estrita, da
retributividade (temperada pela possibilidade
da remissão), do caráter predominantemente
pedagógico e excepcional das medidas sócio-educativas
constituem garantias de natureza penal (Direito
Ciência e Norma), que não podem ser
negadas aos infratores do Estatuto da Juventude.
Como visto, os jovens em conflito com a lei (o
Estatuto) - decorrência de condutas penalmente
reprovadas, têm responsabilidade que pode
ser definida como penal especial.
5. MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS, ESPÉCIE
DO GÊNERO DAS PENAS
Diante da delinqüência juvenil, seja
nos antigos Códigos da Doutrina da Situação
Irregular, seja nas modernas legislações,
não se encontrou outra alternativa que
referir a condutas tipificadas na lei penal.
A resposta, tenha o nome que tiver, seja medida
protetiva, sócio-educativa, corresponderá
sempre à responsabilização
pelo ato delituoso.
Tais medidas, por serem restritivas de direitos,
inclusive da liberdade, conseqüência
da responsabilização, terão
sempre inescondível caráter penal.
Essa característica (penal especial) é
indesmentível e, em antigas ou novas legislações,
não pode ser disfarçada.
O grande avanço será admitir explicitamente
a existência da responsabilidade penal juvenil,
como categoria jurídica, enfatizando o
aspecto pedagógico da resposta como prioritário
e dominante.
Legislações juvenis, antigas e
novas, geralmente relacionam as seguintes medidas
como respostas pela delinqüência juvenil:
advertência (a mais branda de todas);
prestação de serviços à
comunidade;
liberdade assistida;
semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional.
Se a simples advertência, materializada
através da repreensão, da ameaça
de sanções mais graves, não
tiver caráter penal, não corresponder
a uma punição? A que corresponderá?
Prestação de serviços à
comunidade é pena restritiva de direitos
na maioria das legislações penais
de adultos.
Liberdade assistida não passa do probation
da legislação penal comum.
A internação, eufemismo, corresponde
à privação da liberdade.
É cediço que a expressão
pena pertence ao gênero das respostas sancionatórias
e que as penas se dividem em disciplinares, administrativas,
tributárias, civis, inclusive sócio-educativas.
São classificadas como criminais quando
correspondem a delito praticado por pessoa de
18 anos ou mais, imputável frente ao Direito
Penal Comum.
Embora de caráter predominantemente pedagógico,
as medidas sócio-educativas, pertencendo
ao gênero das penas, não passam de
sanções impostas aos jovens.
A política criminal os aparta da sanção
penal comum, mas os submete ao regime do Estatuto
próprio.
É útil aos direitos humanos que
se proclame o caráter penal das medidas
sócio-educativas, pois reconhecida tal
característica, só podem ser impostas
observado o critério da estrita legalidade.
Sua execução, por esse motivo,
tem de ser jurisdicionalizada, redobrando-se operadores
judiciais e administrativos em cuidados para não
malferirem os direitos dos jovens, tolhendo ou
limitando a liberdade, sem motivo autorizado por
lei.
Os princípios garantistas do Direito Penal
Comum e do Direito Penal Juvenil (Especial), devem
ser invocados, comparando o intérprete
as respectivas categorias jurídicas, para
que por idêntico fato, não seja o
jovem punido com maior rigor do que seria o adulto.
A nova posição, tendo como fontes
os Documentos de Direitos Humanos das Nações
Unidas, garante a crianças e adolescentes
todos os direitos fundamentais e sociais, notadamente
o de não ser punido sem motivo previamente
estabelecido em lei.
Um bom começo na efetivação
dos princípios e normas da Convenção
implica na mudança de mentalidade dos operadores
dos sistemas judicial e administrativo para reconhecerem
que crianças e adolescentes gozam de direitos
fundamentais, notadamente o da dignidade de também
serem responsáveis.
6. CONCLUSÕES
No antigo modelo, a pretexto de proteger, o Estado
pôde segregar jovens "indesejáveis",
sem que tivesse de se submeter aos "difíceis"
caminhos da estrita legalidade, das garantias
constitucionais e dos limites do Direito Penal.
Com tal falácia, crianças e adolescentes
pobres eram "internados", isto é, presos
em estabelecimentos carcerários rotulados
de Centros de Recuperação, de Terapia,
e até de Proteção, quando
não em cadeias e celas de adultos.
A nova Doutrina, ao reconhecer o caráter
sancionatório das medidas sócio-educativas,
deixa clara a excepcionalidade da respectiva imposição,
jungido o juiz aos critérios garantistas
do Direito Penal.
A responsabilidade penal juvenil encontra sólidas
bases doutrinárias na Carta Política
e nas Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça
da Juventude (Resolução 40/33/85
da Assembléia-Geral), incorporadas pelo
Estatuto Brasileiro, que no artigo 103 conceituou
o ato infracional como "a conduta descrita como
crime ou contravenção penal".
Embora inimputáveis frente ao Direito
Penal Comum, os adolescentes são imputáveis
diante das normas da lei especial, o Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Os princípios garantistas do Direito Penal
Comum e do Direito Penal Juvenil (Especial) devem
ser invocados, comparando o intérprete
as respectivas categorias jurídicas, para
que por idêntico fato não seja o
jovem punido com maior rigor do que seria o adulto.
O sistema Justiça da Infância e
da Juventude para ser, mesmo, democrático
de direito tem de ser garantista e responsabilizante,
seguindo o Estatuto da Criança e do Adolescente,
onde a inimputabilidade deixou de ser um mito
para se adequar à realidade e à
necessidade social.
|