Mário Antônio Lobato de Paiva (*)
"O trabalho não pode ser uma lei sem ser um direito"
(Victor Hugo)
I- Introdução
O Direito Laboral possui, a princípio, como sustentáculo,
o amparo aos trabalhadores e a consecução de uma igualdade
substancial e prática para os sujeitos envolvidos. Trata-se
de uma ramificação do Direito essencialmente relacionado
as convenções coletivas de trabalho marcadamente aderentes
à realidade, do que resulta também um especial dinamismo.
O Direito do Trabalho está intensamente exposto à instabilidade
das flutuações da política. Nascido numa época de prosperidade
econômica, caracterizada por certa estabilidade das
relações jurídicas, concebeu-se a intervenção do Estado
como um meio de elaborar uma legislação detalhada das
condições de trabalho, com vistas a forçar os atores
sociais a buscarem a solução dos seus conflitos. O resultado
dessa intervenção é a característica básica da regulamentação
das relações de trabalho; a heteroregulação, que provoca
a rigidez da legislação.
No entanto, as persistentes crises contemporâneas têm
tido um abalo particularmente destrutivo sobre o emprego
(gerando o desemprego em massa), pondo em causa o modelo
tradicional do Direito do Trabalho, tal como foi sendo
construído na sua época áurea, em particular nos anos
sessenta. Esse modelo de Direito do Trabalho, assegurando
um acréscimo de tutela dos trabalhadores, tem sido acusado
de constituir fator de rigidez do mercado de emprego
e da alta de custo de trabalho, e, nessa medida, de
contribuir para o decréscimo dos níveis de emprego e
conseqüente estímulo ao desemprego.
II- A realidade atual
A realidade atual não é mais a mesma dos anos 60. O
Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial,
sofreu verdadeiras alterações no mercado de trabalho
pós-guerra e no nível de desemprego e desestabilização
da economia, propiciando o surgimento do chamado "mercado
informal" de trabalho que, em regra, é constituído pela
força de trabalho dita excedente, em função da pequena
oferta de empregos.
Dados estatísticos apontam um índice altíssimo da população
economicamente ativa, que integra este setor produtivo.
Há que se levar em consideração a crise econômica dos
anos 80, provocada pelo choque dos preços do petróleo
que atingiu uma gama de países na Europa,e, assim como
no Brasil, provocou o surgimento de novas formas de
contratação geradoras de relações de trabalho atípicas.
Assim, o contrato por tempo determinado deixou de ser
exceção, admitindo-se vários contratos intermitentes,
de temporadas, contratos de formação, contratos de estágio,
e antecipou aposentadorias.
É em virtude dessa realidade atuante do desemprego,
em contraposição à rigidez da legislação, que semeou-se
na Europa um movimento de idéias em torno dos institutos
da flexibilização e desregulamantação, que no dia-a-dia
angaria novos pensadores, especialistas e principalmente
os operadores do Direito do Trabalho.
III- Flexibilização e Desregulamantação
As estatísticas oficiais escondem uma brutal queima
de empregos de qualidade na indústria e nos bancos -
compensados parcialmente pela "geração" de empregos
precários no comércio e nos serviços. Entretanto, de
acordo com critérios mais adequados à realidade brasileira
(PED), em julho de 1994, data da implantação do Real,
a taxa de desemprego era de 14,5% (segundo dados do
Seade / Dieese), correspondendo a 1,15 milhão de desempregados
somente na Grande São Paulo. Passados quase três anos
(maio/97), a taxa de desemprego é de 16% (Seade / Dieese),
correspondendo a 1,387 milhão de desempregados nesta
região. Se projetarmos essa taxa de desemprego (aberto
e oculto) para todo o País, os desempregados somariam
mais de 11,5 milhões, lançados à mais cruel exclusão
social.
Diante desta deplorável situação pensamos que o Direito
do Trabalho brasileiro deve se adaptar ao novos tempos
pois, persiste, há mais de cinqüenta e cinco anos, marcado
pelo forte intervencionismo estatal, refletindo o autoritarismo
da época em que foi gerado, pomposo, complexo às vezes
obscuro, preponderantemente constituído de normas de
ordem pública, tendo contribuído para o imobilismo empresarial
e estímulo a especulação financeira, inclusive com a
aplicação de capital estrangeiro. Este quadro torna-se
obsoleto na medida que, atualmente, novas condições
de vida, novos os desafios apresentados , novos problemas
a enfrentar, com isso é impossível pretender que continue
o Direito do Trabalho a desempenhar o mesmo papel, por
mais eficiente que outrora se tenha apresentado, uma
vez que, continuar com a mesma armadura protetora Estatal
seria condená-lo a ineficácia.
A legislação do trabalho tem que estar mais aberta
à economia e às necessidades de adaptação conjuntural,
assiste-se ao fim do sempre mais , isto é, da crença
do progresso social ilimitado e sem recuos . pelo acréscimo
de regalias para os trabalhadores. Na verdade a conjuntura
tem forçado os trabalhadores a suportarem condições
de trabalho menos favoráveis e - aqui e além- a verem
retiradas conquistas que se pensava estarem solidamente
implantadas. Fala-se ao mesmo tempo, de "desregulamentação",
ou seja, da progressiva supressão de regras imperativas,
como o correspondente alargamento da liberdade de estipulação.
Verifica-se um significativo recuo da força imperativa
das leis do trabalho, admitindo-se que as convenções
coletivas as adaptem com vista a setores ou empresas
em crise. Em suma, a legislação do trabalho deverá estar
mais aberta à economia e às necessidades de adaptação
conjuntural. No fundo, é a lógica dos ciclos econômicos
a repercutir os seus efeitos no funcionamento dos sistemas
de proteção dos trabalhadores.
IV- Papel do Estado
Na importante questão que envolve a definição do papel
do Estado nas relações trabalhistas da sociedade contemporânea,
parece fundamental admitir que a redução do tamanho
do Estado não pode torná-lo incapaz de mediar os conflitos,
sob pena de deixar a grande maioria dos trabalhadores
sem qualquer defesa completamente dominada pelos grandes
grupos econômicos e financeiros , que têm no lucro o
único objetivo de suas ações.
Esses fenômenos (desregulamantação e flexibilização)
correspondem apenas, a um novo espírito do Estado menos
centralizado, mais abertos aos grupos naturais e mais
preocupado com a eficácia e bem estar da comunidade
como um todo e não apenas de um parcela de privilegiados.
Temos, assim, a firme convicção de que a flexibilização
e a desregulamentação apresentam-se como mecanismos
úteis de desenvolvimentos das relações laborais e que
precisam ser bem utilizados e compreendido por todos
os atores sociais. Estes referidos mecanismos deverão
assim, ter de prioridade política, associada a opção
por executar um conjunto de políticas e ações capazes
de aliar a estabilidade com crescimento e inclusão social.
V- Direito do Trabalho da Classe Dominante
Utilizando dos ensinamentos do Desembargador José Liberato
da Costa Póvoa podemos dizer que a lei não foi feita
para beneficiar o povão ou o trabalhador e guardar um
equilíbrio social, pois inobstante seja ela aprovada
por representante do povo, é na verdade, criada por
uma elite que não está preocupada com seus representados,
mas apenas com a manutenção dos privilégios da própria
elite, pouco lhe importando a quantas anda o povo; ainda
assim, as leis são fruto da vontade dos detentores do
poder, criadas em função de seus próprios interesses.
Desde Salomão, passando por Dracon e outros, o fardo
da lei sempre foi mais pesado para os pobres e para
os escravos. Marx já dizia que "O Direito é a vontade,
feita lei, da classe dominante, através de seus próprios
postulados ideológica". Lá na antigüidade, Trasímaco
dizia que "a Justiça, base do Estado e das ações do
cidadão, consiste simplesmente no interesse do mais
forte".
Sempre foi assim, e continua (rá) sendo, qualquer que
seja o regime, até mesmo aqueles em que os operários
chegaram ao poder, pois, uma vez alojados comodamente
no topo da pirâmide, tratam logo de criar leis, não
para a defesa dos idéias que os levaram ao mundo, mas
apenas para se manterem e, se possível, perpetuarem-se
no poder. Citando Hobbes, "não é a sabedoria que faz
a lei, mas a autoridade", e se porventura são os sábios
que a elaboram, é certo de que estão a serviço dos que
dominam.
É em parte assim também com o Direito do Trabalho,
como pudemos constatar na leitura do livro "Convenção
Colectiva entre as fontes de Direito do Trabalho" do
jurista lusitano José Barros Moura, onde demonstra que
este direito é útil a burguesia que, obviamente, nunca
desejou um direito de proteção dos trabalhadores. Sua
estratégia é de fazer concessões políticas com vistas
reduzir as tensões sociais retirando força à luta de
classes. As coisas são bem mais complexas pois este
direito favorece a concentração capitalista agindo sobre
as condições da concorrência com o que beneficiam setores
mais fortes e aptos da classe dominante em detrimento
de outros setores.
Assim para aqueles que acham que o Direito de Trabalho
foi criado única e exclusivamente para os trabalhadores
fica a pergunta: Será que este mesmo direito não serviu
para um maior controle, opressão e aumento das desigualdades
econômico-sociais?
Acreditamos que o pleno implemento dos institutos da
flexibilização, desregulamantação e por fim o direito
do trabalho mínimo reascenderão debates e modificações
mais profundas nos pilares da estrutura social e que
com certeza ajudarão a diminuir o abismo em que se encontra
a burguesia e o proletariado em grande parte devido
ao próprio direito do trabalho que deveria proteger
o trabalhador.
VI- Direito do Trabalho Mínimo
Nenhum ordenamento jurídico consegue acompanhar os
avanços sociais, vez que a lei, por sua natureza, é
rígida no tempo. Qualquer proposta de melhoria no Direito
do Trabalho, quanto mais a fomentação de endurecimento
e multiplicação das leis e sua execução, não passará
de exploração do desespero inconsciente da sociedade
e forma de ocultar os verdadeiros problemas a serem
enfrentados.
Pesquisas revelam que o Direito do Trabalho somente
intervém num reduzidíssimo número de casos, sendo impossível
determinar-se estatisticamente o número de trabalhadores
que deixam de ingressar no sistema por diversos motivos.
Argüi-se que se tiver em conta os números de trabalhadores
que labutam à margem dos direitos assegurados na legislação
trabalhista, ou seja a soma dos chamados informais que
passam ao largo do conhecimento ou da atuação da justiça
laboral- quer porque desconhecida, quer porque não identificados
os trabalhadores, quer porque alcançados pela prescrição,
quer porque objeto de composição extrajudicial, quer
porque não provados, etc..., verificar-se-á que o trabalho
registrado de carteira assinada é no mínimo insatisfatório.
Como achar normal um sistema que só intervém na vida
social de maneira tão insatisfatória estatisticamente
? Todos os princípios ou valores sobre as quais tal
sistema se apoia (a igualdade dos cidadãos, o direito
a justiça, princípio protetor, etc..) são radicalmente
deturpados, na medida em que só se aplicam àquele pequeno
número de casos que são os trabalhadores de carteira
assinada ou os que venham reclamar perante a justiça
do Trabalho com sucesso. O enfoque tradicional se mostra,
de alguma forma às avessas.
O Direito do Trabalho, portanto, deveria ter um papel
secundário no controle dos conflitos sociais. Destarte,
o Direito do Trabalho que se vislumbra no horizonte,
é o da intervenção mínima, onde o Estado deve reduzir
o quanto possível sua ação na solução dos conflitos.
Neste contexto, propõe-se, em suma, a flexibilização,
desregulamentação e a desistitucionalização dos conflitos
trabalhistas, restando ao Estado aquilo que seja efetivamente
importante a nível de controle.
Frente a esta realidade, o ideal desta nova tendência
é buscar a minimização da utilização do Direito do Trabalho
imposto pelo Estado, através de quatro proposições básicas:
a) impedir novas regulamentações na área trabalhista
- significa evitar a criação de novos direitos, pelo
Estado, mormente para regular conflitos de abrangência
social não tão acentuada, donde possa haver solução
do conflito noutra esfera; b) promover a desregulamantação
- na mesma esteira do tópico anterior, visa reduzir
a quantidade de direitos, abolindo da legislação trabalhista
direitos donde as partes envolvidas possam resolver
per si, sem que isso ofenda o real interesse da coletividade;
c) flexibilização - cujo fundamento cinge segundo Arturo
Hoyos pelo uso dos instrumentos jurídicos que permitam
o ajustamento da produção, emprego e condições de trabalho
à celeridade e permanência das flutuações econômicas,
às inovações tecnológicas e outros elementos que requerem
rápida adequação; d) deinstitucionalização - desvincular
do âmbito do Direito do Trabalho e, até mesmo da esfera
estatal, a solução de pequenos conflitos, quando atingir
somente a esfera dos envolvidos aos quais seria reservado
outras formas de satisfação de seus interesses.
VII- Conclusão
Este final de século apresenta sérios desafios para
a humanidade. As questões mais do que nunca apresentam-se
em nível global, e a solução dos graves problemas que
ameaçam a estabilidade do planeta necessitam da construção
de um novo modelo de Estado, de sociedade e de economia.
Nesta fase da história torna-se fundamental que o tema
"Direito do Trabalho Mínimo" seja amplamente discutido,
a fim de que os valores já conquistados pela nossa civilização
não comecem a ser relegados pela rigidez de idéias que
muita das vezes ampliaram o estado crítico em que encontram-se
as instituições.
O atual Direito do Trabalho surge pela idéia e pelos
mecanismos de concertação social. Fenômeno dos nosso
dias, potenciado pela evolução das crises econômicas,
a progressiva intervenção tripartida dos parceiros sociais
(sindicatos, associações patronais e Governo) para consensualmente
definirem e executarem a política econômica e social.
Este fenômeno corresponde a um novo espírito do Estado,
menos centralizado, mais aberto aos grupos naturais
e mais preocupado com a eficácia de seus atos. É a este
propósito que se referem constantemente as idéias de
flexibilização, desregulamantação, Direito do Trabalho
mínimo, de concertação e de busca de consensos, que
expressam um método de administrar e legislar em que
o Estado se preocupa.
O Direito do Trabalho enfrenta, neste momento histórico,
desafios importantes. O novo Direito do Trabalho para
sobreviver como meio regularizador da relações laborais
deverá beneficiar-se, cada vez mais, do protagonismo
dos grupos organizados e que buscam consensos trilaterais
(Estado, organizações de empregadores e organizações
de trabalhadores), que se exprimem em convenções ou
pactos sociais. O sindicalismo tem perdido a força e
militância, mas ganha poder de intervenção nas decisões
políticas, econômicas e sociais.
Vale ressaltar por fim que é fundamental, acima de
tudo, a conscientização para uma nova postura frente
aos fatos relacionados as relações laborais, com a pujança
de um ideal perene de justiça social, pois não se combate
as mazelas sociais referentes ao conflitos laborais
sem antes erradicar suas raízes, há muito tempo encrostadas
nos desmandos políticos dos governantes e na mentalidade
anacrônica da minoria privilegiada que se recusa suprir
as necessidades elementares da pessoa humana e a distribuir
os louros do desenvolvimento econômico.
(*) Mário Antônio Lobato de Paiva é advogado-titular
do escritório Paiva Advocacia; Professor da Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Pará; membro da
Union Internationale des Avocats sediado en París, Francia;
integrante de la Red Mexicana de Investigadores del
Mercado Laboral; colaborador da Revista do Instituto
Goiano de Direito do Trabalho; Revista Forense; do Instituto
de Ciências Jurídicas do Sudeste Goiano e Revista de
Jurisprudência Trabalhista "Justiça do Trabalho"; Colaborador
da Revista Síntese Trabalhista; Colaborador do Boletim
Latino-americano da Concorrência; Autor de diversos
artigos e dos livros "A Lei dos Juizados Especiais Criminais"
editora forense, 1999 e "A Supremacia do advogado em
face do jus postulandi", editora LED, 2000. |